quinta-feira, janeiro 29, 2009

Grande vitória da imprensa nacional



O Público e o DN acertaram à primeira tentativa no nome da pessoa que morreu.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

A verdade é que não tenho sono nenhum


Vinte anos depois, continua a não ser arquivado nas secções de "Humor". A quantidade de gente que continua a levar este monte de entulho a sério é que nunca deixa de me surpreender. O Ibsen batia no cão, o Marx tinha bolhas na pilinha, o Edmund Wilson gostava de levar tau-tau - nunca houve reunião de costureiras com uma acta tão sofisticada.
Tentar invalidar um sistema de pensamento através da higiene pessoal não é uma metodologia particularmente revolucionária: a minha mãe anda a tentar a mesma coisa desde 1987. Mas não resulta, não resulta. Qualquer produção intelectual está enraizada numa personalidade, mas a correlação nunca é directa. Algumas abordagens conseguem ser interessantes mesmo quando são inadequadas; mas Paul Johnson tem o dom de induzir o desespero numa pessoa mesmo quando tem razão. O capítulo sobre Marx, valha-me Deus. O Aron e o Popper conseguiram demolir criticamente o marxismo sem precisarem de contar sabonetes. Há casos específicos em que a vida invalida as ideias, mas esses casos são raros. O facto de uma conduta pessoal não ser coerente com um conjunto de princípios não invalida os princípios - quando muito, invalida a conduta pessoal.
Paul Johnson critica a deficiente compreensão da História partilhada por Marx e Tolstoi, mas a sua própria compreensão é pouco mais do que uma caricatura sem bonecos. Para já, é possível ler-se as doze mil e setecentas páginas de Intellectuals sem perceber o que é um "intellectual". Segundo os atrapalhados parâmetros do autor, um intelectual é alguém que tenta usar a Razão para construir uma nova ordem social. A sério? Hemingway? Ibsen? Edmund Wilson? James Baldwin? A sério? E o Elton John? E o Eric Cantona? E o Carlos Daniel? Na tentativa de desmantelar bezerros de ouro, o Paul Johnson artilhou um de vapor. E ali está ele, entretido, a mandar cócó aos fantasmas.
Nessa elite espectral, Johnson vê uma espécie de clero secular: “aventureiros do espírito”, cujas inovações morais e ideológicas já não são limitadas pelos “cânones da autoridade externa” e pela “herança da tradição”. Mas esses mesmos limites foram eles próprios aventuras do espírito - sucessivamente melhorados e cronologicamente institucionalizados; a exterioridade que Johnson lhes atribui é uma mera convenção. Os grandes sistemas teóricos, e as restrições que os contêm, são manifestações humanas; mesmo ao seu melhor (e há poucos exemplos) limitam-se a resgatar uma aproximação à verdade e a intensificá-la. No processo, essa verdade é inevitavelmente distorcida, cabendo às gerações o trabalho de refinamento. Paul Johnson, que só é capaz de assimilar e aceitar uma cultura hierática, procura as vantagens de uma ideia na legitimidade de quem a professa. Quer idolatrar, não conteúdos falíveis, mas Livros inerrantes. Quer uma purezazinha aberrante que se possa seguir cegamente. O corolário lógico do seu catálogo de objecções é evidente: se uma teoria perigosamente deficiente, como o marxismo, tivesse sido Revelada no Monte Sinai, as suas deficiências teriam em Paul Johnson o seu mais infatigável acólito.
A conclusão de “Intelectuais” é que as pessoas têm sempre mais importância que os conceitos. Como conceito, isto é eminentemente defensável. Mas é um conceito; e um conceito pelo qual muitas pessoas entenderam que valia a pena morrer. O conceito no qual Paul Johnson predicou este livro indefensável é um mau conceito, que apenas se consegue invalidar a si próprio. Até o Paul Johnson - que passou a vida a beber que nem um mineiro siberiano, a bater em cães, e pelo menos treze anos numa relação adúltera com uma amante que lhe dava palmadinhas com implementos de cabedal - é mais importante do que isto.
Entretanto, na frente doméstica, tenho o prazer de anunciar que estou a abandonar tranquilamente a maionese:

Equadogue

Entalada entre duas telenovelas da TVI (uma das quais, Olhos nos Olhos, é a melhor coisa em exibição na televisão portuguesa) a adaptação de Equador continua a explorar delicadamente um tema pertinente: a epidemia de defeitos da fala no Portugal de início de século XX. A série tem muitas qualidades, mas é particularmente recomendável às pessoas que gaguejam: vão-se sentir muito melhor consigo próprias.
A melhor pirotecnia oral até agora (perdi o primeiro episódio) pertence ao actor Marco d'Almeida, que interpreta uma personagem inglesa. O seu sotaque faz um virtuoso périplo Miguelcadilheano pelas ilhas britânicas, antes de assentar arraiais na pequena localidade de Sean-Connery-on-Methadone. «Tree monshes?» pergunta ele, escandalizado, referindo-se a um período de tempo de três meses. Pede-se encarecidamente aos argumentistas que lhe escrevam tantos diálogos com consoantes sibilinas quanto possível, sem prejudicar a integridade do guião. As vogais, essas, estão por conta de São José Correia, que interpeta Pilar, uma prostituta espanhola. Pilar quer fugir para Madrid com Antero, para mostrar que é ela quem «mandá na sssuá bidá», mas antes tem de aconselhar uma prostituta mais nova, que anseia ela própria por mandár na sssua bidá: «Um diá también hás dé tér ú téu Antéro!» A prostituta mais nova acena resignadamente, antes de ir aviar o próximo cliente, um conde que troca os érres pelos guês: «Onde é que vais com tanta peguéssa a esta óga?». O conde é integpetado pelo actogue Gui Mendes, e, se a memória não me falha, deixa de aparecer quando a acção é transferida para São Tomé, o que deve estar quase a acontecer, dada a indignação com que a actriz inglesa (esta genuína) recebeu a novidade: «Sow Tommy Prince Yippie? That's one of the poorest regions on earth!» Pois é, pois é, mas temos a televisão nacional, que é uma das mais ricas, madam.

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Coração cor-de-rosa das Trevas

Há fortes probabilidades de ter tido, na noite passada, um sonho homoerótico com Medeiros Ferreira. No sonho, eu e o Medeiros Ferreira estávamos os dois num barco, de camisolas de alças, a subir o Rio Zambeze, cujas águas eram muito escuras e cheias de enguias. Medeiros Ferreira falava-me da descolonização. Às tantas houve mergulhos, no meio das enguias.
Nada, em nenhum dos livros que li até agora, me preparou para lidar com isto. Nem no Hazlitt, que é, a partir desta semana, o melhor escritor do mundo de todos os tempos. A passagem que se segue é de um texto chamado «Character of Mr. Burke», que foi tão violentamente sublinhado no meu exemplar que a integridade do próprio livro está agora em perigo. Resta-me aguardar que a tendência suicida da libra continue, e que daqui a pouco tempo a Amazon me ofereça dinheiro para eu encomendar um exemplar de substituição:

«He applied the habit of reflection, which he had borrowed from his metaphysical studies, but which was not competent to the discovery of any elementary truth in that department, with great facility and success, to the mixed mass of human affairs. He knew more of the political machine than a recluse philosopher; and he speculated more profoundly on its principles and general results than a mere politician. He saw a number of fine distinctions and changeable aspects of things, the good mixed with the ill, and the ill mixed with the good; and with a sceptical indifference, in which the exercise of his own ingenuity was obviously the governing principle, suggested various topics to qualify or assist the judgment of others. But for this very reason, he was little calculated to become a leader or a partizan in any important practical measure. For the habit of his mind would lead him to find out a reason for or against any thing: and it is not on speculative refinements, (which belong to every side of a question), but on a just estimate of the aggregate mass and extended combinations of objections and advantages, that we ought to decide or act. Burke had the power of throwing true or false weights into the scales of political casuistry, but not firmness of mind (or, shall we say, honesty enough) to hold the balance. When he took a side, his vanity or his spleen more frequently gave the casting vote than his judgment; and the fieriness of his zeal was in exact proportion to the levity of his understanding, and the want of conscious sincerity

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Mandem-me correntes, sff. Estou mais ou menos de férias

Esta amável corrente que me foi passada pelo Impensado, e que demorei nove dias a decifrar, é uma boa corrente. Gostava que as pessoas me mandassem mais correntes. Passemos então à elaboração sobre a corrente.


Pede-se uma foto:


e uma banda, que decidi interpretar livremente como autorização para escolher as obras completas de Philip K. Dick (se percebi bem, agora responde-se ao questionário com títulos de canções da banda, que decidi interpretar livremente como etc etc. Não tenho rigorosamente nada que fazer neste momento.)

1. Homem ou mulher?
The Variable Man

2. Descreve-te.
The Divine Invasion

3. O que pensam de mim?
a) 75% das pessoas que me enviam spam: We Can Build You
b) a minha mãe: The Father-Thing
c) a população feminina em geral: Vulcan's Hammer

4. Como descreves o teu último relacionamento?
Flow My Tears, The Policeman Said

5. Descreve o estado actual da tua relação.
Mary and the Giant

6. Onde querias estar agora?
Puttering About in a Small Land

7. O que pensas do amor?
The Cosmic Puppets

8. Como é a tua vida?
The Crack in Space

9. O que pedirias se pudesses ter só um desejo?
We Can Remember It For You Wholesale

10. Escreve uma frase sábia:
Gather Yourselves Together

11. Descreve o 4-4-2 em losango com o Miguel Veloso na posição 6 e o Rochemback na posição 7:
A Maze of Death

12. Descreve as circunstâncias mais adequadas aos talentos específicos do Miguel Veloso e do Rochemback:
Counter-Clock World

13. Qual seria, na tua humilde opinião, um título muito mais adequado para as memórias de Paul Auster do que Hand to Mouth:
Confessions of a Crap Artist

14. Partindo do princípio de que ela existe, qual seria a audiência com mais probabilidades de tirar algum proveito intelectual do acompanhamento de uma conversa entre o Filipe Moura e o Carlos Vidal:
Clans of the Alphane Moon

15. Qual a solução que, nas alturas mais difíceis, te parece mais adequada para resolver o problema com que te deparas sempre que a Dona Feliciana, a tua vizinha surda, se põe a ver o Prós & Contras com o volume no máximo:
The Zap Gun

16. E o Carlos Daniel? Não tens nada a dizer sobre o Carlos Daniel?
Eye in the Sky

17. Que engenho é que gostarias de aplicar à pessoa do Carlos Daniel?
The Preserving Machine


Passo esta corrente, de acordo com os trâmites, ao Tiago Galvão e também ao Sérgio Gouveia, duas pessoas completamente diferentes.

sábado, janeiro 17, 2009

Sem olhos em casa



Este título era tão previsível que, do alto da minha intrigante conta à ordem no BPI, apostei na sua aparição num prazo de 48 horas depois de a primeira bomba ter caído. Falhei na data e no sítio (por pouco mais que um oceano), o que não prova rigorosamente nada, nem sequer que a perpétua busca de ressonância alusiva em títulos alusivamente ressonantes conduz quase sempre à previsibilidade.
Sem olhos em Gaza, de qualquer forma, é uma descrição que não parece despropositada ("Por Quem os Sinos Dobram", ou "A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty" seriam opções manifestamente piores). Ter uma "opinião" sobre o que se passa hoje em Gaza é o equivalente intelectual a brincar ao quarto escuro com duas primas gordas. Eu próprio, alguém cuja opinião tem sido ansiosamente aguardada, ainda não encontrei qualquer indício de possuir sequer as faculdades necessárias para emitir uma daquelas "opiniões" que se pode ter sobre "o assunto". Pela razão óbvia: tenho um preconceito inultrapassável em relação a Israel - um preconceito que, para agravar a coisa, tem uma forte componente racial. O preconceito em questão, por puro acaso (e é mesmo um acaso: um resultado de acidentes biográficos menores e de um sortido de motivos aflitivamente superficiais) é um preconceito positivo, mas, para o caso, isso não faz a menor diferença. O meu filo-semitismo (e devia haver uma maneira melhor de uma pessoa dizer que curte Judeus e lá as coisas deles) faz tanto sentido como o anti-semitismo de outro maluquinho qualquer. Como qualquer preconceito, é cego, monolítico, irracional e completamente estanque. Não permite gradações nem encoraja nuances. Terá uma inevitável e bastante limitada utilidade como ferramenta de configuração (cf. enfim, Burke, ou a dezena de chatos que o citam), mas é também uma forma muito boa de afunilar as respostas emocionais, e diminuir drasticamente as probabilidades de conseguirmos identificar a nossa própria imbecilidade.
Se a minha posição instintiva e imediata é acreditar que o IDF tem, não apenas o direito, mas o dever de bombardear todos os metros quadrados de planeta que bem quiser e entender, inclusivamente toda a área entre a farmácia velha de Fernão Ferro e ali o começo do pinhal, terei alguma justificação em colocar a hipótese de não estar realmente a pensar, mas sim de estar a sofrer um espasmo do neocórtex. Posso chegar a uma situação em que já nem terei a certeza de que as respostas continuam a obedecer ao mesmo cego preconceito positivo ou se são apenas já reacções tóxicas (e estive quase a falar do Benfica agora) às respostas motivadas pelos preconceitos opostos. Estes têm sido os melhores e mais consistentes motivos na história da humanidade para ficar calado, mas depois uma pessoa tem um blogue. É tudo muito complicado.
Alguém, digamos, extraordinário, chamou-me recentemente à atenção para uma feliz e acidental correspondência entre um dos greatest hits retóricos do Clive James (desenvolvido, por exemplo, em 3 ou 4 textos deste livro) e a sua própria forma de encarar o conhecimento. O argumento refere-se ao tipo de comportamento que podemos realisticamente esperar de indivíduos confrontados com o totalitarismo. A resposta lógica é que não é justo exigir a todos que cancelem o seu instinto para a auto-preservação em nome de de uma ética superlativa. Os casos excepcionais em que isso acontece são casos de heroísmo moral, um fenómeno que deve ser exaltado, mas não elevado a bitola. Clive James predicou uma das mais interessantes carreiras críticas do século XX numa versão intelectual desta prescrição. Não exigiu a si próprio o heroísmo da omnisciência, mas soube consolidar, com o zelo paciente e obsessivo do auto-didacta, uma base relativamente estável, assente nos requisitos mínimos elevados à máxima potência: a do senso-comum. A partir dessa plataforma, é possível efectuar incursões esporádicas para o desconhecido, sem grandes riscos retóricos no caso de a coisa correr mal.
Ter uma "opinião", enfim. O problema com o repertório de "opiniões" que se podem ter "sobre" Gaza é que não são comentário, mas caricatura. Não nos fazem pensar sobre o tema em questão; mas fazem-nos pensar duas vezes sobre quem as manifesta. Ter uma "opinião" pertinente sobre Gaza requer provavelmente um tipo muito intensificado de génio moral e, se a bitola for essa, ninguém tem legitimidade para fazer o log-in. O melhor a que se pode almejar é a um reduzido consenso que exclua o disparate. É possível intuir ali um terrenozinho entre o inócuo (que eu já devo ter anexado) e a barbaridade. Convém ocupá-lo antes que comecem a cair lá bombas também. A neutralidade absoluta não é uma expectativa racional; mas a tal estrutura de senso comum parece-me uma possibilidade razoável: apelar ao mínimo denominador comum e ao máximo que dele se pode extrair, utilizando os preconceitos como um mecanismo para seleccionar ênfases, e esperar que a competição de constrições de percepção opostas seja capaz de iluminar alguma coisa. Do alto da minha intrigante conta à ordem no BPI, nem sobre isto tenho certezas, mas espero que tenha ficado bem claro que tenho um blogue.
E com isto, deixo-vos este fofo gatinho com um yarmulke na cabeça


quarta-feira, janeiro 07, 2009

Enquanto as pessoas andavam entretidas a fazer balanços do ano...

... eu enfrentava com uma coragem e dignidade a toda a prova a segunda intoxicação alimentar da minha vida, provocada por uma Panini servida num voo da TAP para a qual cometi o erro de pedir um bocadinho de maionese, dando assim razão à minha avó Conceição que um dia me disse que esta brincadeira da maionese ainda me havia de me dar um grande desgosto. Não é o facto de já ser dia 7 de Janeiro que vai impedir certas e determinadas coisas, contudo. Os blogues do ano foram o Julinho e o Agrafo, evidentemente. O post do ano, do outro ano, enfim, foi escrito a 13 de Outubro e é um útil resumo (com extrapolação) da secção 6, parte iv, tomo I, do A Treatise of Human Nature. Era mesmo só isto, podem continuar com as vossas vidas:

«O João Miranda, blogger da minha particular estima, tem que perceber uma coisa: a minha opinião é sempre a da última coisa que li ou vi. Naturalmente que depois de ouvir o que o João Miranda me propõe vou absorver essa visão das coisas e faze-la como minha. Até que leio ou ouço a opinião seguinte, altura em que me transfiro para lá de corpo, alma e convicção. Notar que não há evolução de uma opinião para outra: há substituição pura e simples. No fundo, a minha pessoa é um conjunto de opiniões paralelas que se revezam com o tempo, e que não se comunicam. O trabalho e eventual sucesso de me educar para uma determinada causa tem mais a ver com o timing que com a inteligência da construção cognitiva que me é apresentada. Mas, em todo o caso, apreciou-se o esforço. Vou expor-me à proposta do João Miranda lá para o fim da tarde, altura em que escreverei um post a dizer que o João Miranda tem toda a razão.»