terça-feira, dezembro 01, 2009

Arthur a grammar


A notícia {citation needed} que começou numa promoção concebida pelos Mad Men {citation needed} do departamento de marketing do Sporting, e que se começou a transformar em qualquer coisa diferente numa manchete do jornal i, chegou ao meu telemóvel às 15:14 de hoje, com este aspecto: "O que é isto de nós agora sermos homofóbicos? Já leste aquilo?" Não vou sequer tentar descrever os momentos aflitivos que passei até ter conseguido decifrar o dédalo semântico constituído por estas duas descontextualizadas construções verbais, nem os múltiplos fantasmas interpretativos que os vocábulos "nós", "agora", "leste" e "aquilo" evocaram na minha frequentemente aprazível {citation needed} paisagem interior. Basta garantir que eu sou uma pessoa extremamente ocupada {citation needed} e não me posso dar ao luxo de perder tardes inteiras {citation needed} a preocupar-me com problemas que não existem.
O título da notícia do jornal i que inaugurou todo este imbróglio é o seguinte: «A grammar is forgotten that there is a dog». Peço desculpa, isto é uma frase de Gertrude Stein. O título da notícia do jornal i que inaugurou todo este imbróglio é o seguinte: «Discriminação? Promoção do Sporting exclui casais homossexuais {enorme, imensa, descomunal citation needed}».
Com toda a honestidade, o título não é falso, mas pegar-lhe por essa ponta needed de uma profusão de citations; a promoção a que o artigo se refere exclui efectivamente casais homossexuais - da mesma forma que exclui um par de homossexuais do mesmo sexo que não sejam um casal, da mesma forma que exclui um casal de heterossexuais que não sejam sócios do Sporting, da mesma forma que exclui um casal de heterossexuais com menos de 18 anos de idade, da mesma forma que exclui uma hipotética dupla familiar constituída por um tenente-coronel homofóbico chamado Ramiro e pelo seu filho Xavier, membro do núcleo Almadense do Ku Klux Klan. As condições especificadas no site do clube, e que o próprio artigo cita, nunca falam sequer em "casais", muito menos em orientação sexual:

PREÇO ESPECIAL PARA 2 SÓCIOS DE SEXO OPOSTO QUE ADQUIRAM A SUA GAMEBOX EM SIMULTÂNEO E PARA O MESMO SECTOR!

- Campanha válida para renovação de Lugares Especiais (LE DUO), renovação e compra de Gamebox Sócio (GB DUO) e aderentes à Campanha de Novos Sócios;

- O preço da GB DUO inclui os dois lugares (desconto aplicado no lugar da mulher);

- Obrigatoriedade de serem Homem e Mulher com mais de 18 anos de idade (Sócios Efectivos);

Confrontado com estas claras estipulações, o deputado Miguel Vale de Almeida fez a seguinte leitura: «If this was why they were to be the next to go to see the same that is that when that if that might that can that will be as likely as if compared». Peço desculpa, isto é uma frase de Gertrude Stein. Confrontado com estas claras estipulações, o deputado Miguel Vale de Almeida fez a seguinte leitura: «É absolutamente inaceitável. Pura maldade. Não há legislação que dê aval a uma discriminação dessas». (Suponho que a maldade foi descrita como "pura" para a distinguir daquelas outras maldades diluídas).
Tal como Gertrude Stein sempre revelou uma certa dificuldade em perceber que as discriminações impostas pelos conceitos de gramática, sintaxe e semântica não eram um ataque à sua liberdade pessoal, o Miguel Vale de Almeida também parece ter uma certa dificuldade em perceber que qualquer promoção ou actividade dirigida a um segmento limitado do público é, por definição, discriminatória. O Miguel Vale de Almeida e o seu parceiro não podem aderir a esta promoção pelos mesmo motivos que os impediram de defrontar a Carly Gullickson e o Travis Parrott na final de pares mistos do Open dos Estados Unidos. Esta promoção é oferecida apenas a sócios do clube, maiores de 18 anos, e de sexos diferentes. Quem não cumprir as condições estipuladas pelo Sporting para adquirir este produto específico, sejam casais homossexuais, sócios do Benfica, ou membros dos Ministars, não podem reclamar direito a ele, e terão de arranjar outra maneira de entrar no estádio - pagando o bilhete completo, aproveitando outra futura promoção, ou fazendo-se sócio, como eu, que nunca em quinze anos de quotas pagas consegui arrastar uma pessoa do sexo oposto para Alvalade, nem sequer com ameaças físicas {citation needed}. Se as condições fossem alteradas de forma a não discriminar os potenciais clientes que o Miguel Vale de Almeida acha que foram discriminados, a promoção ficaria reduzida a um "compre uma gamebox e tenha desconto na segunda", estratégia comercial que pode fazer sentido com os pacotes de ice tea do Lidl, mas que aplicada à venda de lugares para jogos do Sporting resultaria numa quebra de receitas inevitavelmente conducente à permanência de Pedro Silva no plantel até ao fim do calendário Maia, altura em que vamos todos morrer, menos as baratas e provavelmente o Pedro Silva.
O Sporting, por amor de Deus e de Freddie Mercury, não vedou o acesso ao estádio a casais homossexuais. Nem limitou os direitos fundamentais de nenhum casal homossexual, porque entre os direitos fundamentais de qualquer casal homossexual conta-se o direito de entrar no Alvalade XXI para observar as arrepiantes transições ofensivas da equipa principal, mas não o direito a usufruir de um desconto que, tal como os descontos para crianças, diplomatas e olheiros de clubes ingleses, não se aplica a eles.
A farsa, que poderia perfeitamente ter ficado por aqui, ganhou novas camadas de espessura esclerótica quando a direcção do Sporting decidiu interromper a prática da actividade para a qual tem menos competências (negociar contratações de treinadores com clubes em zona de despromoção), para se dedicar à segunda actividade para a qual tem menos competências (falar). Um dirigente foi prontamente encarregue de explicar ao jornal i que a campanha é "para mulheres e não para casais: as mulheres representam apenas 20% a 28% do público que vem ao estádio e considerámos ser um target interessante para a estratégia de aumento de sócios no Sporting". Quando confrontado com o facto de a promoção impossibilitar que o estádio se encha de lésbicas, o mesmo dirigente respondeu "Não pensámos nisso. Não está contemplado apenas porque não pensámos nisso".
Por amor de Deus, é óbvio que "não pensámos nisso". Há alguém que duvide que "não pensámos nisso"? Os dirigentes do Sporting têm um extenso e verificável currículo de "não pensámos nisso". A nossa longa história está pejada de momentos memoráveis em que "não pensámos nisso". Se eu tivesse de apostar todo o meu património na veracidade das declarações de um dirigente desportivo português, apostá-lo-ia sem hesitar num dirigente do Sporting que confessasse simplesmente que "não pensámos nisso".
Como é que o Miguel Vale de Almeida acha que a situação deve ser resolvida? Passo a citar: «There is some difference between having made it and carrying it about and how to use it and most of it is when they might be just as careful as ever». Peço desculpa, isto é outra frase de Gertrude Stein. Como é que o Miguel Vale de Almeida acha que a situação deve ser resolvida? Passo a citar: «Seria excelente enviar umas cópias da Constituição àquele clube de futebol. E, já agora, um belo processo.»
Eu percebo que o Miguel Vale de Almeida ache esta solução "excelente", mas posso garantir-lhe que, na lista de instrumentos de progresso que "seria excelente" enviar ao Sporting, um molho de exemplares da Constituição estaria significativamente abaixo de um lateral-direito que não padeça de nenhuma condição descrita no DSM - IV, um médio-defensivo de descendência africana com dois metros de altura e proveniente de uma tribo antropófoga, e um avançado cujo coeficiente de inteligência tenha pelo menos mais um dígito do que o seu índice de massa corporal.
Para ilustrar o que é, de facto, um caso de discriminação baseada na orientação sexual, os comentários deste blogue vão estar, durante o resto da semana, sujeitos a moderação, sendo que só serão aprovados aqueles escritos por casais heterossexuais maiores de 18 anos que achem que eu sou uma pessoa a todos os níveis brilhante {citation needed}.

Sanditon

Depois de "Jacobo e outras histórias", de Teresa Veiga, "Venâncio e outras histórias", de Joaquim Paço d'Arcos. É o segundo livro com um título da forma "[nome próprio masculino] e outras histórias" que eu leio num curto espaço de tempo. Alguém me saberá recomendar outro livro cujo título respeite este requisito formal?

(um blog sobre kleist)

Além do quase extinto Peter and Other Stories, da Willa Cather, há um livro de contos muito bom, de um escritor novinho e muito promissor chamado David Bezmozgis, que fica apenas a uma genitoplastia masculinizante do requisito formal exigido pelo Alexandre: Natasha e outras histórias, editado em Portugal, salvo erro, pela Teorema. Se a pergunta tivesse sido feita aqui há uns quatro anos, é provável que a minha resposta embaraçosa tivesse incluído uma referência a um livro da Jane Austen (que comprei, mas nunca cheguei a ler), intitulado Sanditon and other stories. Durante muito tempo, limitei-me a assumir que "Sanditon" era o título do romance inacabado de Jane Austen porque, tal como a Emma de Emma, a protagonista era uma jovem solteira e intrometida chamada Sanditon, por nenhum outro motivo que não o facto de Sanditon me parecer um nome eminentemente razoável para uma protagonista de Jane Austen. Sanditon, afinal, é o nome da cidade, mas o meu erro, ainda assim, não é sequer comparável ao erro daqueles que - como o Dave Eggers ou a gaja do Lost in Translation - caem em armadilhas onomásticas e passam uma vida inteira convencidos de que George Sand e George Eliot eram homens ou, pior ainda, que Evelyn Waugh e Gertrude Stein eram mulheres.