terça-feira, outubro 31, 2006

Trick or treat?

We Await Silent Tristero's Empire


Durante o meu primeiro ano em Edimburgo, devo ter recebido perto de três dezenas de cartas endereçadas a um senhor Alistair Crump. Garantiu-me a agência imobiliária que não tinha qualquer registo de um inquilino anterior chamado Alistair Crump. No posto local do Royal Mail expliquei a situação. Garantiram-me que não voltaria a receber as cartas do senhor Alistair Crump. Uma semana depois, recebi nova carta para o senhor Alistair Crump. Esta sequência repetiu-se várias vezes. Por fim, acabei por mudar-me, mas, tanto quanto sei, os inquilinos que me sucederam continuaram a receber a volumosa correspondência do senhor Alistair Crump.
Na manhã de hoje, a quinhentas milhas de Edimburgo, recebi um envelope - em meu nome - contendo dez postais com ilustrações de cariz natalício, feitas por membros da Association of Mouth & Foot Painting Artists (AMFPA). Apesar de todo o respeito e solidariedade que a organização me merece, nunca subscrevi uma das suas newsletters ou encomendei qualquer um dos seus produtos. Desconheço os meios através dos quais eles obtiveram os meus dados.
Um dos ilustradores - que pintou com a boca um enorme castelo cinzento afundado em neves festivas - chama-se Alistair Crump.
Perante situações destas, que afagam sedutoramente a minha apofenia, não há chocolate que alivie os tremores, nem exercícios respiratórios que dissipem a insónia. Se nesta altura tivesse a oportunidade de observar uma noz ao microscópio, quem me garante que não encontraria, como Strindberg, um par de mãos enlaçadas em fervorosa oração? E, já agora, não é ainda um bocadinho cedo para postais de natal?
É nestas alturas que me sinto tentado a voltar a ler as inscrições nas paragens de autocarro, à procura de pistas, de sinais.

Liberte o geek que há em si

Pynchonians of the World, unite!

domingo, outubro 29, 2006

«The Death of the Lion» (2)

Se há algo para que novos leitores de Henry James raramente vão preparados é para o humor. A amnistia incondicional que o cânon lhe concedeu no século XX, veio munida de um estranho silêncio sobre um facto que deveria ser repetido muitas vezes: em boa forma, James é tão ou mais cómico que Dickens. A comédia pode não se impor de forma tão musculada, mas é seguramente mais versátil.
Temos a básica confusão de indentidades Shakespeareana:

«"Dora Forbes, I gather, takes the ground, the same as Guy Walsingham’s, that the larger latitude has simply got to come. He holds that it has got to be squarely faced. Of course his sex makes him a less prejudiced witness. But an authoritative word from Mr. Paraday - from the point of view of his sex, you know - would go right round the globe. He takes the line that we haven’t got to face it?"
I was bewildered: it sounded somehow as if there were three sexes. My interlocutor’s pencil was poised, my private responsibility great. I simply sat staring, none the less, and only found presence of mind to say:
"Is this Miss Forbes a gentleman?"
Mr. Morrow had a subtle smile. "It wouldn’t be ‘Miss’ - there’s a wife!"
"I mean is she a man?"
"The wife?"»

E neste diálogo, que podia (com muito boa vontade) sugerir uma sitcom contemporânea, notem o timing perfeito da interrupção:

«I declared to Lady Augusta briefly that nothing in the world can ever do so well as the thing that does best; and at this she looked a little disconcerted. But I added that if the manuscript had gone astray our little circle would have the less of an effort of attention to make. The piece in question was very long - it would keep them three hours.
‘Three hours! Oh the Princess will get up!’ said Lady Augusta.
‘I thought she was Mr. Paraday’s greatest admirer.’
‘I dare say she is - she’s so awfully clever. But what’s the use of being a Princess -- ’
‘If you can’t dissemble your love?’»

Há ainda um horrendo e memorável trocadilho - que Pynchon não desdenharia - envolvendo um versículo da profecia de Isaías e um prato de carne de borrego.
E para as multidões que nunca se cansam de abordagens à especulação metafísica feitas sob o signo de Beckett e do palhaço Batatinha, deixo aqui a primeira troca entre o narrador do conto e o seu inenarrável editor:

«Mr. Pinhorn pursed up his mouth. "Is there much to be done with him?"
"Whatever there is we should have it all to ourselves, for he hasn’t been touched."
This argument was effective and Mr. Pinhorn responded. "Very well, touch him." Then he added: "But where can you do it?"
"Under the fifth rib!"»


Agora liguemos a televisão.

«The Death of the Lion» (1)

Nas muitas páginas que Henry James dedicou ao exame da vida literária, há um elemento que aparece repetidamente. Encontramo-lo, com algumas variações de grau e género, em The Aspern Papers, «The Middle Years», «The Lesson of the Master» e no meu conto favorito, «The Private Life». Notamo-lo também em «The Death of the Lion». Dois cursos de acção semelhantes, e que produzem resultados iguais, parecem exigir do leitor, com uma tenacidade sussurrada, julgamentos opostos. Vezes sem conta, é-nos pedido que atribuamos um valor aparentemente exagerado a intenções, ou apenas a suspeitas de intenções. A mesma manobra (grande parte das acções dos personagens de James podem ser descritas como manobras, ou estratagemas) pode ser justificada de duas maneiras diferentes, dependendo da perspicácia moral de quem as perpetra.
O narrador da história é um jornalista, destacado para escrever um perfil do escritor Neil Paraday, e que, por razões sempre intrepidamente ambíguas - até para ele - desiste da missão inicial e se vai infiltrando na vida de Paraday, como confessor e protector. Que a protecção é necessária, o leitor nunca duvida. Paraday vê-se, de um momento para o outro, famoso, celebrado; «the poor man was to be squeezed into his horrible age», nas palavras do narrador. As exaltações públicas acumulam-se, perfis e retratos são encomendados, e a alta sociedade londrina adopta-o - como acessório cultural para soirées. O processo vem a ter consequências desastrosas, para ele e para um texto seu ainda por completar, que poderia ter vindo a ser a sua obra-prima, mas que acaba por desaparecer, tragado por aquele ciclone social.
O conto é escrito sob a forma de uma confissão do narrador à posteridade, a mesma posteridade à qual foi negada a última obra de Paraday, mas aquilo que ele pretende confessar nunca se cristaliza. Pareceu-me clara a sua tentativa de "vender" os seus escrúpulos ao leitor. Na 1ª linha do conto diz-nos que «I had simply, I suppose, a change of heart» , e é em redor dessa frase, com toda a sua carga de ambiguidades, que ele vai moldando a narrativa. A determinada altura, os seus motivos são postos em causa por outra personagem, Mrs Wimbush (os nomes de James embaraçam os de qualquer outro escritor). A confrontação, significativamente, não é relatada em discurso directo, mas sintetizada numa carta, na própria voz do narrador: «I’m made restless by the selfishness of the insincere friend - I want to monopolise Paraday in order that he may push me on. To be intimate with him is a feather in my cap; it gives me an importance that I couldn’t naturally pretend to, and I seek to deprive him of social refreshment because I fear that meeting more disinterested people may enlighten him as to my real motive».
Lendo o conto hoje pela segunda vez, insinuou-se-me uma alternativa extraordinária: o incidente é falso. O confronto com Mrs Wimbush nunca aconteceu e o rasgo de análise proveio de si próprio. Incapaz de o resguardar na privacidade da sua consciência, acaba por partilhá-lo com o destinatário da carta ( e com o destinatário do conto, que somos nós) sub-alugando-o a uma intuição alheia.
Henry James é a melhor dor de cabeça que a Literatura proporciona.

Are you talking to me?

Mais algum cliente da Amazon recebeu um e-mail prometendo um desconto de 10 dólares na aquisição de creme anti-rugas Neutrogena e barras de proteínas Harvest, ou aquilo foi especificamente para mim?

Peacocks rule


O senhor Morel escreveu uma coisa muito boa sobre a Flannery O'Connor. Mas depois escreveu outra coisa ainda melhor. Agradeço.

sábado, outubro 28, 2006

Esta noite ouve-se



When you were young you were the king of carrot flowers
And how you built a tower tumbling through the trees
In holy rattlesnakes that fell all around your feet

And your mom would stick a fork right into daddy's shoulder
And dad would throw the garbage all across the floor
As we would lay and learn what each other's bodies were for

And this is the room one afternoon I knew I could love you
And from above you how I sank into your soul
Into that secret place where no one dares to go

And your mom would drink until she was no longer speaking
And dad would dream of all the different ways to die
Each one a little more than he could dare to try

Neutral Milk Hotel, «The King of Carrot Flower, pt I», In the Aeroplane Over the Sea.

(Um dia hei-de escrever aqui sobre o colectivo Elephant 6, um grupo de músicos do Colorado que formaram uma mão-cheia de bandas brilhantes no início dos anos 90. Um dia hei-de explicar detalhadamente as razões pelas quais sou um grande fã dos Olivia Tremor Control, dos Apples in Stereo, dos Circulatory System, dos Of Montreal e sobretudo, dos Neutral Milk Hotel. Hei-de justificar as muitas libras que gastei em discos desta gente. Hei-de persuadir os mais cínicos entre vós de que ouvir o álbum In the Aeroplane Over the Sea, do princípio ao fim e sem interrupções, é uma experiência com poucos paralelos num Universo à mercê das volubilidades de Rudolf Clausius e Sadi Carnot. Um dia hei-de fazer todas estas coisas, mas não hoje.)

quinta-feira, outubro 26, 2006

Físico-Química

É inevitável: sempre que leio na imprensa portuguesa um artigo apocalíptico sobre o estado do ensino, lembro-me da minha professora de Físico-Química no 7º ano (do que não me lembro é do nome dela, mas quando me lembrar vocês serão os primeiros a saber) que deixou uma turma inteira estarrecida quando nos informou muito casualmente que, no futuro, os seres humanos seriam capazes de manter relações sexuais apenas com o encostar de um dedo indicador à testa do parceiro. (Isto numa altura em que muitos de nós ainda não estávamos familiarizados com o método canónico).
Desconheço as repercussões que este naco de desinformação veio a ter nas vidas futuras dos alunos, mas sei que a professora em questão foi repreendida pelo Conselho Directivo, até porque o "dedonatestagate" surgiu já depois de alguns inquéritos nervosos de membros da Associação de Pais, que queriam saber porque é que os meninos emergiam das aulas práticas de 5ª-feira a falar de anjos e discos voadores em vez de electrões e bicos de Bunsen.
(Um aforismo para as massas: sabemos que ainda não amadurecemos quando não conseguimos escrever "bicos de Bunsen" sem soltar um risinho pueril).
Uma coisa é certa: por motivos vários, que não vou aqui escalpelizar, uma rubrica intitulada "Os Meus Professores" nunca terá espaço para crescer neste blog. Mas não é por falta de material. Só do Professor Cardoso haveria dezenas e dezenas de incidentes para relatar, todos eles com a capacidade para deleitar e instruir. E da Professora_ (Odete? Bernardete?) outras tantas.
Não sei se ela chegou a falar do planeta Sirius na aula. Ou da conspiração dos Illuminati. Ou de Nikola Tesla. Ocupado como estava a encostar os dedos a testas alheias, confesso que não me lembro de muita coisa.
Mas lembro-me da Segunda Lei da Termodinâmica, cuja hábil formulação pelo Senhor de Todo o Mal nunca é demais relembrar: "A entropia de qualquer sistema isolado tende para aumentar ao longo do tempo, aproximando-se de um máximo". E isto, caro leitor, não é uma boa notícia para ninguém.

Coisas que provavelmente aconteceriam se o Universo fosse regulado pelas mesmas leis que regem a música Country

. um Buraco Negro formar-se-ia apenas quando uma estrela encolhesse os ombros e se rendesse ao bourbon;
. a distribuição de Maxwell-Boltzmann para um gás ideal de N moléculas teria dificuldades em impor a sua relevância perante a mágoa irascível do marido de Sally-Ann;
. a chuva tombaria ininterruptamente sobre o Modelo das Partículas Fluidas, misturando-se com as suas lágrimas;
. um electrão perdido numa estrada secundária perto de Denver, Colorado seria incapaz de arranjar boleia;
. a Via Láctea afastar-se-ia de guitarra na mão, ignorando a Lei de Hubble-Homason, e sem nunca olhar para trás.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Lides domésticas

Na minha casa, os livros é que se vão acumulando sobre o pó.

Obrigação estatutária

Os zigues e os zagues do debate político na blogosfera não costumam alterar o nível do mercúrio aqui no Pastoral Portuguesa, daí a minha esporádica e limitada navegação por esse género de blogs. E numa hipotética lista de assuntos que não me interessam, a oeuvre dos senhores Lapierre, Collins e Tavares ocuparia certamente uma posição de topo.
Dadas estas circunstâncias, sempre achei que no dia em que um leitor se virasse para mim e dissesse "Sabes, Casanova, ainda hei-de ver no teu esplêndido blog um link para um texto do Aspirina B sobre o Miguel Sousa Tavares" eu responderia de imediato "Que disparate, leitor! Não o faria!"
Mas o link aqui fica, em conformidade com a alínea 3 do artigo II dos estatutos do Pastoral Portuguesa, que me obriga a referir qualquer texto em português onde o Moby Dick e o Gravity's Rainbow sejam mencionados na mesma frase.

(Espero agora que outros blogs não desatem a fazer referências gratuitas ao Herzog, Mating, «The Beast in the Jungle» ou To the Lighthouse, tentando aproveitar-se das alíneas 4 e 5 do mesmo artigo)

Grandes Portugueses

Qualquer lista deste género que não inclua um único dos Cinco Violinos não me parece merecedora de comentários sérios. Ainda assim, como não-participante, alimento uma esperança: que as massas se unam para demonstrar ao Poderes Vigentes que a memória dos feitos de Pêro da Covilhã está bem viva e que nenhuma conspiração silenciosa a conseguirá extinguir.

Buttercup wisdom


Things are seldom what they seem,
Skim milk masquerades as cream;
Highlows pass as patent leathers;
Jackdaws strut in peacock's feathers

Black sheep dwell in every fold;
All that glitters is not gold;
Storks turn out to be but logs;
Bulls are but inflated frogs

HMS Pinafore


(É verdade, Buttercup. Por exemplo, o som que se ouve nos primeiros segundos da canção «Groovin'», dos Young Rascals, parece ser o canto de um canário. Mas não é. Não é.)

terça-feira, outubro 24, 2006

Adenda ao post anterior

Para que não restem dúvidas sobre a minha capacidade para formular opiniões incendiárias sobre assuntos polémicos, reclamo de imediato a legitimidade intelectual que advém de possuir um blog para deixar aqui três:
. tenho a firme convicção de que o Rodrigo Tello merece neste momento o estatuto de titular indiscutível, seja em que posição for;
. tenho a firme convicção de que o Scott Walker mete o Jacques Brel num chinelo de senhora;
. tenho a firme convicção de que há certas tonalidades de amarelo que, por se desviarem tanto do que entendemos por amarelo numa sociedade civilizada, mereciam uma designação diferente, e não apenas uma variante hifenada.

Madrugada avulsa

Há seis anos que sou leitor regular de jornais britânicos e, neste período, apenas por quatro vezes exerci um dos mais aprazíveis direitos que essa condição proporciona: o puxar da indignação e escrever uma carta ao editor. Estreei-me nas vésperas do Euro 2004, com uma vociferante reprimenda a um jornalista desportivo do The Guardian, corrigindo um artigo seu onde uma declaração de Luís Felipe Scolari fora espectacularmente mal traduzida. Na segunda, para a secção de livros do Independent, protestei contra o elitismo bonacheirão que detectei numa apreciação a Philip K. Dick, e que considerei (deve ter sido antes do pequeno-almoço) uma gravíssima falta de respeito. A terceira foi para o The Scotsman, a propósito da Lei anti-tabagista. A quarta foi para o The Scotsman, a propósito da Lei anti-tabagista. O que aconteceu foi isto: apercebi-me de uma falha descomunal no meu primeiro argumento e, sob pseudónimo, escrevi nova carta a desmantelar a missiva original. Devidamente desmantelado, o argumento morreu, sem ninguém ter ligado pevide a mim ou a mim.
(O incidente, já agora, veio-me à memória porque acabei de jogar uma partida de xadrês contra mim próprio, na qual fui sumariamente derrotado; posso não ser o meu mais temível adversário, mas sou certamente o meu mais temível adversário).
Serve este preâmbulo para justificar a minha relutância em usar o blog para opinar sobre matérias "correntes". Não há qualquer alínea nos estatutos do "Pastoral Portuguesa" que me proíba de falar em referendos, manifestações e outros temas de interesse público. O receio de incorrer em polémicas estéreis e prolongadas com terceiros também é quase nulo. O que me apavora é a possibilidade de dar voz a um ponto de vista tão objeccionável que me impeça de voltar a olhar para mim próprio da mesma maneira.
A propósito, no dia 24 de Outubro de 1966, morria em Moscovo (de diabetes) a matemática russa Sofya Yanovskaya. Foi ela quem persuadiu Wittgenstein e Francis Skinner a abandonarem a sua curta aventura Soviética em 1935.
Não sei que extenso novelo Histórico esta singela acção terá desenrolado, mas de uma coisa estou certo: tenho sono e não consigo pregar olho. Não há quem me receite uma mezinha?

Esta noite ouve-se



well they sent back all the bodies
who were looking really hopeless
well it didn't seem that callous
till they stopped you in your flow
she's surrounded by her wardens
and they're looking really nervous
all about the man from reuters
here to nullify your glow


everything you say will destroy you
- anyway
everything you say will come haunt you
round each corner
everything you say will destroy you

well you may think that you're buddha
sitting on a mound of ashes
you were mentioned in the postscript of
dispatches anyway
and the major's really nervous
when he's walking round the airport
you know your master's card is marked
your upstart charge is cool and smart


everything you say will destroy you
- anyway
everything you say will come haunt you
round each corner
everything you say will destroy you

your unwanted suitor
leaves his things around your home
he's marking out his territory
he's pissing on your answerphone
well you may think that you're buddha
lying on a mound of ashes
you were mentioned in the postscript
of dispatches anyway


(Luke Haines & The Auteurs, «Everything You Say Will Destroy You», After Murder Park)

domingo, outubro 22, 2006

Coleridge


Nascia a 21 de Outubro de 1772, um dos grandes esgazeados da nossa Espécie, e um dos amigos deste blog. Se consultarem uma enciclopédia qualquer é provável que o encontrem definido como poeta, crítico literário, teólogo, filósofo, formulador de uma teoria estética revolucionária, entre outros disparates. Mas rogo-vos: entalem o bocejo e continuem a ler. Vasculhem até, se estiverem para aí virados (e tiverem os mesmos problemas em adormecer que eu tenho) a biografia de 2 volumes escrita pelo Richard Holmes. Depois leiam o que o próprio Coleridge teve a dizer sobre a sua vida. Nas cartas, nos Notebooks, e especialmente na Biographia Literaria - a autobiografia mais exuberantemente espatafúrdia da Literatura, que ainda por cima vem mascarada de "teoria" literária. Prometo-vos um fartote dos antigos.
Coleridge foi também, além dos outros títulos oficiais, o fundador oficioso de uma longa tradição: a do artista como esponja. Mantida por Poe, Faulkner, Lowry, Dylan Thomas, Brendan Behan, Burroughs, Capote, et al, cada um com os seus venenos de eleição, e todos dedicados a celebrar (nas palavras do aborrecidamente sóbrio Saul Bellow) "a seguinte proposição: a consciência é uma coisa terrível e deve ser evitada a todo o custo". O custo, por norma, é elevado. Coleridge, por exemplo, passou os últimos 30 anos da sua vida com prisão de ventre, e com pavor de adormecer, devido aos pesadelos provocados pelo ópio.
Virginia Woolf, que escreveu sobre a degradação do impulso criativo com uma clareza assustadora, escancarou o mito: Coleridge (e aqui podemos extrapolar: "o Artista") não sabotou o seu talento com o consumo excessivo de ópio; o que Coleridge fez foi consumir excessivamente ópio para dissimular o que ele suspeitava ser o rápido desaparecimento de um talento moribundo. Nos últimos anos da sua vida, tornou-se um escritor quase obsessivamente não-sistemático: o que nos resta dessas décadas é uma amálgama (não raras vezes brilhante) de fragmentos, pensées, notas soltas, marginalia e cartas. Sobretudo cartas. Se pensarmos bem, a plataforma ideal para abandonar uma ideia a meia-frase, e com uma audiência cativa que podia aplaudir com relativa rapidez uma intenção em vez de uma obra completa. Há dezenas de referências a livros que Coleridge planeou mas nunca chegou a escrever, por estar demasiado ocupado a drunfar-se.
Ou a chular regimes de meia-pensão, o que fazia como ninguém. Era frequente cravar estadias em casa de amigos, prometendo ficar apenas alguns dias, e barricar-se depois no meio de uma muralha de papéis e livros, acabando por ficar meses a fio. O seu último médico, o quase-santo Dr. Gillman, receando que o vício de Coleridge estivesse a ficar fora de controlo (até no séc. XIX havia eufemistas), acolheu-o em sua casa em 1818 para uma espécie de detox intensiva, e teve de o aturar durante 16 anos. E o mais estranho nesta história é que Coleridge (como Heraclito) era essa figura sempre garante de boa comédia: um hipocondríaco que detestava médicos. A sua vida está repleta de incidentes, entre o escabroso e o patético, resultantes desta contradição. Como o ter de se sujeitar a uma série de enemas durante um cruzeiro até Malta. Ou o tentar tratar uma doença venérea esfregando nos genitais uma solução doméstica de vinagre, chumbo e pão ralado.
Mas o paradoxo era, nele, um estilo de vida. Coleridge foi o homem que tentou sistematizar o seu horror a sistemas numa teoria coerente; que tentou curar a sua fobia da medicação tornando-se opiómano; que pregava um Cristianismo ortodoxo e pejava os seus textos com negações casuais da verdade da Ressurreição e ridicularizações da Eucaristia. O seu erro (um erro exumado pelos que nele tentam descobrir uma filosofia estética ou uma teologia organizada) foi o de tentar aplicar um talento meramente especulativo a tarefas logísticas. A sua escrita está ao seu melhor quando se limita a polvilhar de metáforas inesperadas uma série de ideias sem qualquer encadeamento. Mas, tipicamente, Coleridge continuou, até aos últimos dias, a planear tratados morais.
Um farrapo de humanidade, em suma, mas que transmite a ideia (rara) de ter estado sempre penosamente consciente de todos os seus defeitos. Era excelente no insulto (normalmente o sinal de um intelecto superior) mas as melhores farpas eram auto-infligidas. Na Biographia, ou nas cartas, é frequente encontrarmos a demolição rigorosa de um pai que abandona os filhos, de um amigo com quem não se pode contar, ou de um tipo oleoso que não paga as dívidas que contrai - e é de si próprio que ele está a falar.
O que fica disto tudo é a prosa, claro, que é magnífica. Da poesia não falo, porque quase não conheço - mas não me parece grande coisa.
Costumava dizer-se (aprendi esta com o Bloom) que Coleridge foi o último homem a ler tudo. Acrescento: foi também - apesar do ridículo que permeia muito do que escreveu, disse e fez - um daqueles raros artistas que nos deixam com vontade de fazer o mesmo.

(Nota: em homenagem ao estilo de quem tenta homenagear, este texto foi escrito de madrugada, sem método, sem quaisquer esquemas ou notas auxiliares , e sob a influência de - à falta de ópio - copiosas quantidade de Coca-Cola fora de prazo. Por uns instantes ainda considerei a hipótese de fazer umas rimas, mas isso já seria abusar da minha própria paciência, quanto mais da vossa.)

sábado, outubro 21, 2006

O Blog de Coleridge (III)

«To read Dryden, Pope & co, you need only count syllables; but to read Donne you must measure Time, & discover the Time of Each word by the Sense and Passion. - I would ask no surer Test of a Scotch-man's Substratum (for the Turf-cover of Pretension they all have) than to make him read Donne's Satires aloud. If he made many Metre of them, & yet strict metre, -then- why, then he wasn't a Scotchman, or his Soul was geographically slandered by his Body's appearing there.-»

(Nota escrita pelo mestre da divagação gratuita, na margem de uma antologia de poemas de John Donne. "his Soul was geographically slandered", já agora, é o que eu quero na minha lápide...)

A vida corre-me mal por isto, e isto, e isto...



«A lover's task is what Peter meant: something he could do to demonstrate to Katherine that he loves her like life and language themselves despite mosquitoes, heat, humidity, her parents' trying unsuccessfully not to be a bother, precious little sex since Kath's on the cusp, no tennis but brutal with macho male Sherritts all save Andy the youngest of whom blow him off the family court in straight sets, every day less swimming in Sherritt Cove, less windsurfing and waterskiing out in Goldsborough Creek, because on each new tide the sea nettles move a bit farther in like a billion old condoms with their miserable sting and beautiful name, Chrysaora quinquecirrha, which means five-filamented gold-edge but ought to mean God's five-month curse upon the Talbot County Gold Coast, no respite from Kathy's old prep-school and college chums, family friends, and fellow ASPS (American Society for the Preservation of Storytelling), swarming like sheepflies on Nopoint Point, including her onetime (one time) lesbian lover, a black-belt balladeer and sometime pain in our marital tush, though Kathy won't hear May Jump spoken ill of except by Peter in extremis. And more.»

(Oferece-se agora uma tablete de Cadbury's Dairy Milk [o Lindt & Sprüngli escasseia e tenho, como a formiguinha da fábula, um longo Inverno à minha frente] ao primeiro leitor a identificar correctamente o fragmento, sem recorrer à batota do google. Tablete adicional para quem conseguir detectar a pequena alteração ao texto original, maliciosamente introduzida pelo transcritor, que é danado para a brincadeira e está a ter grandes dificuldades nisto do "adormecer".)

sexta-feira, outubro 20, 2006

No comboio

Um instante de negligência logística, que espero não se venha a repetir, fez com que tivesse de me sujeitar a uma viagem de 45 minutos sem qualquer material de leitura.
Aqui ficam alguns pormenores que me teriam passado despercebidos caso estivesse embrenhado nos desvarios fictícios de algum narrador de bolso:

. uma rapariga envergando uma saia curta de um material que me pareceu poliéster (mas que podia muito bem não ser) cruzou e descruzou as pernas sete vezes num período certamente inferior a cinco minutos;

. um indivíduo de sobretudo cinzento e gravata amarela lia, com palpável desdém, um artigo de opinião no Daily Telegraph sobre a problemática da integração muçulmana na sociedade britânica;

. alguém desenhara um rudimentar cavalo (ou um touro), completo com pénis desproporcionadamente grande, por cima de um cartaz prometendo aos jovens dinâmicos excelentes perspectivas de carreira no ramo da revisão de títulos de transporte;

. num terreno de pasto entre as estações de Longbridge e Alvechurch, um rebanho de ovelhas assumiu uma disposição que, durante escassos segundos, me sugeriu o símbolo do Sporting, o que me fez entoar em voz alta o nosso mote centenário: "Esforço, Dedicação, Devoção e Glória!", para consternação dos restantes passageiros;

. hoje, julgo que pela primeira vez desde a escola primária, calcei peúgas desirmanadas.

Where is Ms Bobone when I need her?

As minhas noções de ética bloguística são ainda incipientes e isso nota-se. A questão do elogio circular, por exemplo. Quando me elogiam o blog em público, devo agradecer em público ou em privado? E quando o elogiam em privado, devo agradecer em privado ou em público? E quando não o elogiam de todo, o que é o mais frequente, devo entrar em pânico?
Enfim, a senhora do Bomba Inteligente (uma página algo intimidante, a que acederia com muito mais frequência se soubesse como desactivar os assustadores ficheiros de som sem ter de colocar o meu sistema inteiro em mute) colocou-me no seu espaço de "destaques" diários. Interpretei imediatamente o gesto como um elogio. Mas depois do lanche, analisando a situação mais a frio, recordei o meu professor de Francês na Luísa de Gusmão (o deveras intimidante Professor Cardoso) que também tinha por hábito "destacar" largas secções dos meus testes escritos. E nenhuma das suas notas marginais traduzia uma intenção elogiosa. Portanto fico na dúvida. Mas em todo o caso, como disse ao Professor Cardoso no final do 9º ano, desculpe, obrigado por tudo, e desculpe.
Já o senhor do Tradução Simultânea, um dos blogs que visito com assiduidade, referiu-se a este espaço em termos embaraçosamente inequívocos. O senhor do Tradução Simultânea é claramente uma pessoa de bem.

Linha editorial


A todos os leitores que se têm queixado do enfraquecido caudal de fotografias de gatinhos e de mulheres que não moram na minha rua, o "Pastoral Portuguesa" pede paciência, confirmando que a linha editorial se mantém a mesma, ainda que, por vezes, seja necessário acumular intenções em espaços reduzidos.

Encíclica

Urge esclarecer aquele que é porventura o ponto mais nebuloso da doutrina teológica do "Pastoral Portuguesa": Sadi Carnot não é o Anticristo. Peço encarecidamente desculpa a quem tenha reajustado as suas crenças em conformidade com esta errónea inferência, e afirmo que nunca foi minha intenção induzir em erro o meu rebanho.
Não. O Anticristo (que está vivo, e entre nós) é Rudolf Clausius. Sadi Carnot é o Falso Profeta. Papel que, de resto, não deve ser, de forma alguma, menosprezado.

Sub-empreitada

Não me dei ao trabalho de verificar, mas creio que a curta história deste blog não regista o uso de qualquer turpilóquio.
A firme intenção de não abrir um precedente estilístico coíbe-me de alinhavar quaisquer comentários sobre o jogo de quarta-feira em Alvalade.
Mas não me impede de subscrever comentários alheios. Recomendo aos eventuais interessados que se despachem a ler o texto antes que o seu temperamental autor os oblitere (os comentários, não os interessados).

Insónia

Suponho que o abuso de Carte Noir não ajude. Suponho que uma dieta literária nocturna à base de Henry James pós-1895 não ajude. Suponho que a irregularidade das rotinas não ajude.
Mas tenho a certezinha absoluta de que o estalar de fogos-de-artifício a esta hora, a 5 metros da janela do meu quarto, não contribui em nada para melhorar a situação.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Os Factos

quarta-feira, outubro 18, 2006

"...restricted to the point of non-existence..."

Armando Iannucci, um dos mais talentosos e originais comediantes britânicos, discorreu ontem, no Tate Britain Lecture 2006, sobre o que aconteceu à realidade nos últimos cinco anos.
Um excerto da sua palestra pode ser lido hoje no The Guardian.

Notícias do Reino

Aprendi hoje, numa paragem de autocarro em Edgbaston, perto da Universidade de Birmingham, que um estudante do 4º ano de Psicologia se tentou enforcar com uma corda de violoncelo, que foi mal sucedido, e que está agora a recuperar em casa de uma tia na Cornualha.
A rapariga que contou esta história a duas colegas indiferentes, lambia com inusitada sofreguidão um gelado de baunilha, apesar das baixas temperaturas que se começam a fazer sentir, e continuou a fazê-lo já dentro do autocarro, apesar de isso ser claramente proibido pelos regulamentos da Travel Midlands, como comprovam os avisos em vermelho-vivo espalhados pelos dois pisos do autocarro em questão (um dos quais, ironicamente, mesmo diante do lugar escolhido pela transgressora).

aspas aspas

Uma alma caridosa recomendou-me lecitina de soja para aliviar as minhas deficiências de memória, recalibrando porém o conselho com a seguinte advertência:
"Não julgues que uma memória melhor te vai resolver os problemas sociais. Eu sei as datas de aniversário de todos os meus amigos e familiares, mas como nunca sei em que dia estou, acabo por ficar na mesma."

O que fazer, perante tal panorama, senão suspirar? Por vezes, quando pondero estas coisas, só tenho vontade de repetir umas linhas de um certo conto de Fitzgerald, que viriam certamente iluminar esta matéria, mas das quais, infelizmente, não me recordo.

terça-feira, outubro 17, 2006

Mitridatismo

Projecto:
Na primeira semana, ler um conto de Henry James. Na segunda semana, ler dois contos de Henry James. Na terceira semana, ler...
Ir aumentando gradualmente as doses até ao Natal, e encetar a leitura de The Ambassadors no dia 1 de Janeiro de 2007, sem receio de intoxicação.

segunda-feira, outubro 16, 2006

E já agora

Não me parece despropositado aproveitar este momento para reiterar que o autor deste blog é, como a Grande Sombra que o tutela, veementemente a favor de todas as coisas boas e contra todas as coisas más.

"Tu lembras-te muito bem do que é que eu disse"

Começa a ganhar contornos de "padrão", e confesso que dos mais enfadonhos, isto de explicar constantemente às pessoas que, na esmagadora maioria dos casos, eu não me lembro mesmo do que é que foi dito.
Especialmente enfadonho quando o tenho de repetir a pessoas que se lembram muito bem que eu já lhes expliquei isto anteriormente.

domingo, outubro 15, 2006

Errata

Não era bem isto que eu queria dizer.

1º Concurso "Pastoral Portuguesa"

Oferece-se uma barra de chocolate Lindt & Sprüngli (deluxe) a quem souber a resposta certa a esta pergunta?

Wikipedia is bad for you


O meu propósito era simples: encontrar uma boa foto de Bridget Moynahan, uma das actrizes mais bonitas que vi num ecrã de televisão nos últimos tempos. Estava tudo a correr bem. Aprendi que ela tem a tatuagem de uma lua verde no tornozelo e que, no liceu, atacou uma colega com uma rede de lacrosse. Os problemas começaram aqui: não tinha bem a certeza do que raio era lacrosse. Na minha resoluta ignorância sobre qualquer desporto que nunca tenha sido praticado pelo Sá Pinto, pelo Ivanisevic ou pelo Capablanca, imaginei uma coisa com cavalos e tacos compridos, mas sem balizas. Carreguei no link para confirmar. Feita a confirmação (não há cavalos nem tacos) lancei-me de cabeça para a página sobre Jean de Brébeuf, o missionário jesuíta que trouxe o jogo para a Europa depois de ter visto os Iroquois a jogar uma partidinha entre massacres. Esperem lá, Iroquois? Isto parece-me interessante... e por aí fora.
Utilizo a internet há seis anos e ainda não aprendi as duas regras cardinais: parar ao terceiro link, e nunca deixar comida no forno. Assim não há alarme de incêndio que resista.
Mas enfim, perguntem-me o que quiserem sobre o profeta Handsome Lake, Quakers, ou serviços de ambulâncias voluntários.

Capitalismo selvagem

Uma confissão:
Nas férias grandes de 1989, aproveitando um raro momento de distracção de um adversário volátil mas sempre leal, ergui um hotel na Rua do Ouro (Verde - Lisboa) quando nela tinha apenas três casas.
Amigo, desculpa.

Pódio

Um apaga os arquivos durante a noite, outro queixa-se do relógio e do calendário, este tira férias durante um mês e não escreve aos fins-de-semana,
Mas os três continuam a formar o pódio, aparentemente inalterável*, dos meus blogs de cabeceira.

*Pelo menos, até este deixar de brincar aos Lázaros.

Actualização

Mais dois blogs que justificam inclusão na lista de favoritos. Um é de Gaia e já sai de casa sozinho; o outro é de Londres e ainda vem envolvido na placenta. Ainda é cedo, mas ambos me parecem dignos de atenção.

sábado, outubro 14, 2006

Uma dica do Edgar


Se fosse vivo, Degas diria certamente que hoje é um excelente dia para meter uns trocos no cavalinho Kaseema, treinado por Sir Michael Stoute, na das 16:45 em Newmarket. E com Degas não se discute.

Pesadelo II

Não me recordo - e julgo que aqui fica bem o advérbio "felizmente" - de muitos pormenores. Mas sei que o pesadelo, como quase todos os meus pesadelos, foi uma adaptação livre de uma certa fantasia de Chesterton transposta para o Prior Velho, e que teve a duração aproximada de 60 minutos, sem intervalo.

Pesadelo I

A noite passada tive um pesadelo relacionado com blogs.
Se isto não é um sinal de que preciso respirar fundo, acalmar-me e passar a comer mais vegetais, não sei o que é que será um sinal de que preciso respirar fundo, acalmar-me e passar a comer mais vegetais.

Kramnik


Kramnik venceu o tie-break, com muita retenção de líquidos e um pouco de sorte à mistura. Na conferência de imprensa pós-encontro, revelou que estava desejoso de "se ir embebedar com os seus amigos" e que iria depois concentrar-se no jogo contra o programa de computador Deep Fritz em Novembro.
Quanto ao derrotado Topalov, vai agora dedicar mais tempo a melhorar a sua imitação de um boneco de neve parcialmente derretido.

sexta-feira, outubro 13, 2006

The Conquistador of the Useless

Pamuk

E por falar em preços, há quatro anos que tenho vinte libras empatadas no Philip Roth (a 12/1). Os lacaios de Sadi Carnot que mexem os cordelinhos das marionetas Nobel andam, claramente, a testar a minha força de vontade. Não pus dinheiro no Pynchon, nem na Ozick, nem no Barth, porque tenho juízo e sei o que é que a casa gasta. Mas caramba, o Roth agora porta-se bem. O Zuckerman deixou de escrever sobre o que é escrever sobre o Zuckerman. Já não há counterlives a diluir a seriedade formal. Na última década, ele premiu os botões todos.
O que é que o homem precisa fazer mais: ser preso por comparar desfavoravelmente o Presidente dos Estados Unidos ao gerente de uma loja de ferragens?
Dou-lhes mais um ano para exumarem um (digamos) poeta albanês encarcerado cuja obra grita por reconhecimento, mas em 2008 podem contar com a minha carta de protesto.

... meanwhile, back in Kalmykia

6-6, depois de dois empates arranhados. Kramnik já seria campeão, caso não tivesse vergonha de usar fraldas. A incontinência, claro, não é motivo para gracejos. O sinistro Topalov (que desenha pentagramas nos azulejos da casa-de-banho comum para perturbar o adversário) continua a sua rota indiferente para o inferno. As agências de apostas cá do sítio dão-lhe 15/8, um preço ligeiramente melhor que o de Kramnik, mas o meu interesse nisto dos preços é meramente académico.

Big Muzzy would never do this

No princípio achava giro, e tentava ser prestável. Depois veio a irritação. Por fim ocorreu-me que era possível começar a mentir - e tudo melhorou.
Falo de algo que a honestidade antropológica não me permite definir como tendência, apesar de já me ter acontecido dezenas de vezes neste país: a propósito de nada perguntarem-me "como se diz isto na tua língua?"
Ora, há um número restrito de vezes que um gajo pode explicar a estrangeiros a pronúncia correcta de algo tão inócuo como "bom dia" antes de se aborrecer. Por isso, lá para 2002 (deve ter sido em Abril, quando a bolha do tédio incha mais) passei a ensinar frases erradas. Primeiro o disparate, e depois (inevitavelmente) o palavrão.
É um vício. Sou o primeiro a admiti-lo. E, como todos os vícios, pode parecer infantil, supérfluo e desagradável, especialmente a terceiros que não o partilham. Mas o logro agarra. Diverte. Além disso, já estou muito bom na coisa para me reformar agora.
Portanto, da próxima vez que forem abordados em Lisboa por um sorridente cidadão britânico, e este vos pergunte, com sotaque bastante aceitável, se a vossa sogra gosta de felar dromedários no deserto, tenham calma e não pensem mal do "bife". Provavelmente, é apenas um amigo meu a perguntar por um bom restaurante.

Quando acometido por crises de sinestesia literária...

... o paciente gostava de descer a Silentwine Road, assobiando baixinho o "In The Cage" de Henry James.

quarta-feira, outubro 11, 2006

The Education of Franz Kafka


«Quando penso nisso, é-me necessário confessar que a minha educação me prejudicou muito por várias razões. Esta censura dirige-se a uma quantidade de pessoas, a saber: os meus pais, alguns membros da minha família, alguns frequentadores da nossa casa, diversos escritores, uma certa cozinheira que, durante um ano, me levava à escola, uma multidão de professores (que, na minha recordação, sou obrigado a comprimir estreitamente, sob pena de ver escapar algum, mas uma vez a multidão condensada, eis que o todo se desagrega em alguns lugares), um inspector escolar, transeuntes que caminhavam lentamente, afinal de contas esta censura volta-se como um punhal contra a sociedade inteira e nula, repito-o, ninguém pode estar certo de que este punhal não o venha a ameaçar um dia, à frente, nas costas ou no flanco. Esta censura, não podia suportar que a contradissessem. Como já ouvi muitas contradições, de que a maior parte foi refutada, alargarei a minha censura a essas contradições e declaro presentemente que a minha educação e esta refutação me prejudicaram por muitas razões.»

(Franz Kafka, num fabuloso "momento Henry Adams")

What could have been

Britpop should have been about two people: Neil Hannon and Luke Haines. Instead they made it about Damon fucking Albarn and Liam fucking Gallagher. What a waste.

(Um amigo meu, que sabe o que diz.)

O disco da casa


I fall in love with someone new practically every day
but that's ok
It's just the price I pay for being a man
(if that' really what I am)
And I refuse to take it all too seriously
It's such a strange activity
far too peculiar to be taken any other way

(Divine Comedy, «In and Out of Paris and London», da obra-prima que é Casanova)

terça-feira, outubro 10, 2006

The Kenosha Kid


(1)
The Kenosha Kid
General Delivery
Kenosha, Wisconsin, U.S.A.
Dear Sir:
Did I ever bother you, ever, for anything, in your life?

Yours truly,
Lt. Tyrone Slothrop


Tyrone Slothrop, Esq.
TDY Abreaction Ward
St. Veronica’s Hospital
Bonechapel Gate, E1
London, England

Dear Mr. Slothrop:
You never did.

The Kenosha Kid


(2)
Smartass youth: Aw, I did all them old fashioned dances, I did the “Charleston,” a-and the “Big Apple,” too!
Old veteran hoofer: Bet you never did the “Kenosha,” kid!
(2.1)
S.Y.: Shucks, I did all them dances, I did the “Castle Walk,” and I did the “Lindy,” too!
O.V.H.: Bet you never did the “Kenosha Kid!”

(3)
Minor employee: Well, he certainly has been avoiding me, and I thought that it might be because of the Slothrop Affair. If he somehow held me responsible—
Superior (haughtily): You! Never did the Kenosha Kid think for one instant that you...
(3.1) Superior (incredulously): You! Never! Did the Kenosha Kid think for one instant that you...?

4)
And on the mighty day on which he gave us in fiery letters across the sky all the words we’d ever need, words we today enjoy, and fill our dictionaries with, the meek little voice of Tyrone Slothrop, celebrated ever after in tradition and song, ventured to filter upward to the Kid’s attention: “You never did ‘the,’ Kenosha Kid!”

(5)
Maybe you did fool the Philadelphia, rag the Rochester, josh the Joliet. But you never did the Kenosha kid.

(6)
(The day of Ascent and sacrifice. A nation-wide observance. Fats searing, blood dripping and burning to a salty brown...) You did the Charleston stoat, check, the Forest Hills foal, check. (Fading now...) The Loredo lamb. Check. Oh-oh. Wait. What’s this, Slothrop? You never did the Kenosha kid. Snap to, Slothrop.

( . . . )
Slothrop: Where is he? Why didn't he show? Who are you?
Voice: The Kid got busted. And you know me, Slothrop. Remember? I'm Never.
Slothrop (peering): You, Never? (A pause.) Did the Kenosha Kid?

(Thomas Pynchon, Gravity's Rainbow)

Vê como bate o meu coração alcalino

Descobri uma marca de pilhas (muito obscura, e cujo nome desconhecia até há cerca de um mês) que é aflitivamente superior a todas as outras.
Onde as Energizer, Panasonic e Thomson sobreviviam entre seis a oito rotações completas da playlist do mp3, estas aguentam catorze, quinze, até mesmo - juro - dezasseis. Ando danadinho para lhes tecer louvores públicos.
O dilema é o seguinte: uma parte de mim (a mesma patética repartição mental que me leva a vestir como um labrego ensebado para certas partidas de futebol porque "estas são as roupas da sorte") receia que a magia das pilhas se acabe no momento em que revele o nome dos feiticeiros.
Chega um gajo ao século XXI para dar consigo a pensar desta maneira.

Você sabia que...

... em 1922, Marianne Moore fez Hart Crane chorar?

segunda-feira, outubro 09, 2006

O blog de Moisés (II)


«One way or another the no doubt mad idea entered my mind that my own actions had historic importance and this (fantasy?) made it appear that people who harmed me were interfering with an important experience.»

(Saul Bellow, Herzog)

Evangelismo

Três descobertas musicais relativamente recentes que inflamaram o meu proselitismo.
Antes de mais, Sufjan Stevens, a quem cheguei com alguns anos de atraso. O rapaz do 50 States Project não é apenas muito melhor do que eu pensava: é também muito melhor do que vocês pensam. E como se não lhe bastasse o talento, o lambe-botas teve o desplante de incluir no seu mais recente Avalanche (uma recolha de excedentes das sessões de Illinois) uma canção intitulada "Saul Bellow". Ora, há atalhos ainda mais rápidos para o coração casanovense, mas são poucos, e secretos.
De seguida, os 16 Horsepower, que escutei pela primeira vez há duas semanas, num banco de jardim em Bruxelas. Comprei o Folklore, que é sublime, e adivinhava já o nascer de uma dispendiosa obsessão. Felizmente os senhores separaram-se, portanto só tenho de me preocupar com o catálogo antigo.
Na mesma linha, mas noutro patamar, estão os Lift to Experience. O que é que eu posso dizer sobre os Lift to Experience, sem desamordaçar uma histeria que seria tão embaraçosa para mim como para o leitor? Vou, para bem de todos, limitar-me a transmitir informação. Dizer que o álbum de estreia é duplo e se chama The Texas-Jerusalem Crossroads. Que tem alguns pontos de contacto conceptuais com dois álbuns que me dizem muito, Hallowed Ground, dos Violent Femmes, e No More Shall We Part, de Nick Cave, embora musicalmente não se assemelhe a um nem a outro - nem a qualquer outra coisa, já agora, embora tenham sido repetidamente comparados aos My Bloody Valentine (é falso, falso!). Que o líder do grupo, Josh Pearson, descreve The Texas-Jerusalem Crossroads como um concept album sobre o fim do mundo, em que o Texas é a Terra Prometida. Que o Antigo Testamento nunca teve acordes tão bons.
Dizer, em suma, que são os Lift to Experience, senhoras e senhores, e que merecem a nossa devoção e o nosso dinheiro.

Stulta est gloria

Já vos contei daquela vez em que um avião de papel, construído e atirado por mim, fez um voo perfeito de 17 metros, precisamente quando ninguém estava a olhar?

Casanova, o útil

Podem achar aqui um simulador de lançamento de aviões de papel. Quem é amigo, quem é?

domingo, outubro 08, 2006

Birmingham - trilha sonora

(22:57)
"... Só quero realçar que eu não subscrevo aquela onda toda da autenticidade e do real; para mim, o real é um espaço interno que pode ou não ser partilhado, tipo, a níveis diferentes, estás a ver?..."

(23:12)
"... Sou perfeitamente capaz de falar com idiotas, mas apenas com um de cada vez..."

(23:45)
"... o seu olho fixava-me; parecia oco, a pupila suspensa no vazio, até que um feixe de luz incidiu nele, reflectindo tudo o resto. O efeito foi aflitivo: como ver uma cavidade encher-se de portentos..."

(00:49)
"...cancro! E logo a mim!..."

(01:36)
"... Se calhar o melhor é o pessoal ir para casa...
Qual ir para casa qual quê? Passei a vida inteira a ir para casa: sempre foi a pior parte da manhã. Nada do que eu quero está em casa. A casa nunca me alegra. E palpita-me que ela também não rejubila quando eu meto a chave à porta. Não. Isso de ir para casa é para outros, comigo não funciona. O exterior que me ature, há muito espaço livre por aí, fora de casa.
Olha, vem lá um táxi..."

Esta noite ouve-se


I said, Mama, he's crazy and he scares me
But I want him by my side.
Though he's wild and he's bad, and sometimes just plain mad
I need him to keep me satisfied.

I said, Papa, don't cry cause it's all right,
And I see you in some of his ways.
Though he might not give me the life that you wanted
I'll love him the rest of my days.

I said, Brother, you speak to me of passion.
You said never to settle for nothing less.
Well, it's in the way he walks, it's in the way he talks;
His smile, his anger and his kisses.

I said, Sister, don't you understand?
He's all I ever wanted in a man.
I'm tired of sitting around the T.V. every night
Hoping I'm finding a Mr. Right.

He says, Baby, don't listen to what they say.
There comes a time when you have to break away.
He says, Baby there are things we all cling to all our life.
It's time to let them go and become my wife.

Misguided Angel hanging over me.
Heart like a Gabriel, pure and white as ivory.
Soul like a Lucifer, black and cold like a piece of lead.
Misguided Angel, love you 'til I'm dead.



(«Misguided Angel», dos Cowboy Junkies. O álbum, o magnífico The Trinity Session, foi gravado em sessão única e com equipagem mínima, numa igreja de Toronto, na noite de 27 de Novembro de 1987. Nem tudo dos Junkies é merecedor de atenção; são frequentemente repetitivos, e muitas das suas composições soam apressadas ou inacabadas. Neste disco, contudo, não há esboços. Margo Timmins tem o tipo de voz que se associa mais facilmente ao trip-hop de Bristol do que a baladas de enterro, mas o seu timbre glacial é estranhamente adequado para narrar este conto vulnerável - que no fundo é o registo de um vício.
O resto é melhor ouvido no escuro, de preferência com a vida privada em farrapos, a televisão ligada no canal da mira técnica, e uma vela esculpida na forma de Sadi Carnot a arder lentamente dentro de um frasco de maionese vazio.)

O blog de Moisés (I)


«I've always wanted very much to lead a moral, useful, active life. I never knew where to begin. One can't become utopian. It only makes it harder to discover where your duty really lies.»

(Saul Bellow, Herzog)

quinta-feira, outubro 05, 2006

6 de Outubro, 1910


Não sei de figura mais encharcada em pathos que a do monarca exilado. Bonaparte a coxear por Sta. Helena, o Rei Hussain a apaixonar-se por uma égua ao sol de Chipre, os Habsburgos a apodrecerem no Funchal, desdobrando-se em ineptas séances nocturnas às quais teimavam em comparecer os espíritos errados.
Desconheço como ocupou Dom Manuel II as suas últimas décadas em Twickenham, mas desconfio que se dedicou a ler folhas de chá e conjunções planetárias, que apostou bastante nos cavalos, e que evitou tráficos de qualquer espécie com avatares de Sadi Carnot, sendo por isso merecedor do nosso veemente respeito.
Desconheço também se o iate real «Amélia» desbravou tempestades a caminho de Gibraltar, naquela noite aziaga, em qual caso podem muito bem ter ocorrido ao último dos Braganças reais ("reais") aqueles melancólicos versos incluídos nas cartas de exílio de Ovídio, quod nisi mutatas emiserit Aeolus auras/in loca iam nobis non adeunda ferar, recitados de si para si, enquanto, debruçado sobre a amurada, tentava combater o enjoo.

Birmânia!


O meu sketch favorito - 2ª série, 9º episódio.

Feriado silencioso

Noto com tristeza que o 5 de Outubro passou praticamente despercebido na blogosfera portuguesa. Se há efemérides que merecem ser condignamente assinaladas, o aniversário da transmissão do 1º episódio do Monty Python's Flying Circus na BBC é certamente uma delas.
Fica aqui o reparo, e um solitário assoprar de velas.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Oitava estrofe


Este melro está envolvido no que eu sei.

Eram vinte acções da Hartford, por favor

Em 1934, o vice-presidente da Hartford Accident & Indemnity Company escreveu o seguinte no seu bloco de notas, depois de uma longa reunião:

The sea was not a mask. No more was she.

It wasn't funny the first time

terça-feira, outubro 03, 2006

I dream of cherry pies, candy bars and chocolate chip cookies



Eu sei que ninguém me perguntou, mas a melhor canção dos Talking Heads chama-se Nothing but Flowers, está incluída neste álbum, e eu achei que devia informar-vos.

O outro

Há um Rogério Casanova no Brasil. É membro da Associação Brasileira de Soldadores, e a sua especialidade é a soldagem com arco eléctrico. O seu curriculum vitae (que não vou divulgar, por respeito à sua privacidade) é muito mais impressionante que o meu.
Queria enviar-lhe um abraço transatlântico e dizer-lhe que, se ele estiver interessado, tenho experiências de vida para a troca.

Numa Economia Planeada isto não acontecia

Entrei recentemente numa loja de artigos para viagem, onde encontrei à venda (por 129 euros), um isqueiro capaz de funcionar até nas mais não-colaborantes condições meteorológicas - incluindo furacões.
Não querendo tecer quaisquer considerações sobre o consumidor-alvo, há, contudo, uma questão que me parece relevante: a não ser que a mesma companhia se dedique também ao fabrico de um tipo de cigarro que obedeça aos mesmos princípios, o artigo não será um bocado supérfluo? De que me serve conseguir acender o isqueiro na próxima visita do Gordon se o Marlboro teima em se apagar logo de seguida?

(Nota: o lojista evitou estas minhas perguntas/observações com um nível de serenidade visivelmente decrescente)

segunda-feira, outubro 02, 2006

O autocarro vermelho e o choque dos bules


«...On my first trip anywhere - it was 1957 and I landed in Edinburgh with the roaring of the plane's four mammoth propellers for days afterwards embedded in my ears - I rode a red airport bus to the middle of the city, out of which ascended its great castle. Is is a fairy-book castle, dreamlike, Arthurian, secured in the long-ago. But the shuddery red bus -hadn't I been bounced along in an old bus before, perhaps not so terrifically red as this one? - the red bus was not within reach of plain sense. Every inch of its interior streamed with unearthliness, with an undivulged and consummate witchery. It put me in the grip of a wild Elsewhere. This unexceptional vehicle, with its bright forward snout, was all at once eclipsed by a rush of the abnormal, the unfathomably Martian. It was the bus, not the phantasmagorical castle, that clouded over and bewildered our reasoned humanity. The red bus was what I intimately knew: only I had never seen it before. (...)
This is what travellers discover: that when you sever the links of normality and its claims, when you break off from the quotidian, it is the teapots that truly shock.»

A incomparável Cynthia Ozick, que viaja ainda pior do que eu, descobriu assim a minha cidade. Ofereço o seu testemunho como esclarecedora adenda e lúcido epílogo à minha passagem por Bruxelas.

(Nota: o texto completo está incluído na recolha de ensaios Metaphor & Memory, de 1991)
(Nota 2: não me vou casar com Cynthia Ozick, apesar dos seus pedidos insistentes)

Revisão do BI

Na autobiografia de Gore Vidal, Palimpsest, o coscuvilheiro de serviço das letras americanas revela que Tennesse Williams cultivava o hábito de subtrair quatro anos à sua idade real. Quando confrontado por um jornalista mais atento, Tennesse justificou a discrepância dizendo que não contava ("obviamente") os quatro anos que passara em empregos aborrecidíssimos.
Seguindo uma fórmula actualizada - que exclui igualmente todo o tempo que passei a ver televisão, a jogar computador, a esforçar-me por perceber a importância de John Coltrane, e a tentar reparar as persianas cinzentas de uma janela de cozinha em Alverca - eu completei hoje dezoito anos.
Parabéns, portanto, a mim.

Ego pendente

Os relatórios de entrega de sms's, apesar de úteis, estão muito aquém do desejado. Faço votos sinceros para que os telemóveis de 4ª geração nos cheguem às mãos com a capacidade de informar se a mensagem, além de recebida, foi também lida, relida, entendida, saboreada - e gravada permanentemente na memória.
Senhores engenheiros: ao trabalho.

domingo, outubro 01, 2006

Cocoa bean politics

Que existem chocolates "de esquerda" e chocolates "de direita", parece-me relativamente incontroverso. Mas eu não sou um ideólogo. Nunca tendo cedido aos satânicos encantos das barras vintage da marca Valrhona (um chocolate de direita, se é que há um), e orgulhosamente invulnerável à corrupta tentação da marca Nestlé (cujo próprio cacau está mais à esquerda que a Rosa Luxemburgo), mantive uma duradoura fidelidade ao singelo (se, admito-o, algo conservador) centrismo das barras Dairy Milk da Cadbury.
(Isto se não contarmos com um brevíssimo devaneio na minha radical adolescência, que me conduziu ao consumo de sete rectângulos de Grand Couva - não me peçam para elaborar).
Mas até as mais moderadas tendências estão sujeitas a flutuações. E eu quero declarar aqui que sofri, nas últimas 48 horas, uma conversão. E que é grande a probabilidade de nunca mais vir a tocar numa tablete que não traga o selo inconfundível da Lindt & Sprüngli, edição deluxe.

... Pois se é a própria Natureza que te alerta?

Num programa da BBC2, aprendo que os frequentes bocejos do papa-formigas são um mecanismo corporal que lhe permite humedecer a língua, mantendo-a com o grau de viscosidade necessário para a caça.
Interrogo-me, no instante seguinte, sobre a possibilidade de os meus próprios bocejos frequentes serem um mecanismo cerebral, informando-me que já tenho idade suficiente para deixar de fingir que gosto de programas sobre a vida animal.