quinta-feira, maio 31, 2007

'That Guy'




A mais esplêndida lista dos últimos tempos, com uma introdução que vale a pena citar na íntegra: «What is a "That Guy"? A That Guy is a B-list character actor who's just talented enough to secure bit parts in a handful of movies every year, but not quite talented enough to become a brand-name star like Chris Kattan. Some specialize in playing villains and others in having freaky-enormous chest tattoos, but combined, these brave, barely handsome men have appeared in every single movie produced in the last decade.».

Creio que cada um de nós teria dois ou três nomes de culto para adicionar à lista. Pessoalmente acho quase criminosas as ausências de Reginald VelJohnson (que, depois do seu papel em Die Hard, interpretou o mesmo "polícia decente e honrado' em pelo menos mais duas centenas de filmes) e Brian Dennehy (o tal que, décadas depois de ter atormentado Rambo, ainda anda por aí a fazer de "xerife corrupto e violento de pequena cidade americana", papel estereotipado que vai intercalando com algumas variações artísticas sobre o tema "xerife bonacheirão, porém algo cínico, de pequena cidade americana").
Mas os meus preferidos são Michael Wincott e Michael Lerner (os senhores nas imagens). O primeiro especializou-se em fazer de vilão roufenho, preferencialmente contra heróis semi-desenhados. Foi némesis de Robin Hood, do Corvo, dos Mosqueteiros, e até de Cristóvão Colombo, tendo ainda arranjado tempo para produzir discos dos Doors no filme de Oliver Stone.
O segundo tem menos visibilidade, mas foi o responsável pelo supremo "That Guy" do cinema recente: o seu fabuloso ditador de gabinete em Barton Fink não fez escola, mas devia ter feito.

(Adenda: Já não me lembro se a peça do O'Neill inclui algum xerife corrupto, mas acredito que o Dennehy tenha sido inexcedível na dita, independentemente do papel que lhe coube.
Mas o currículo teatral não é para aqui chamado. Ser um 'That Guy' não exclui necessariamente a posse de um enorme e camaleónico talento. A melhor experiência teatral acessível ao público português nos últimos 50 anos foi a interpretação de um homem chamado Fernando Luís na peça "O Poder da Górgone", do Peter Shaffer. O Fernando Luís é o "That Guy" que fez uma série da SIC chamada "Médico de Família" e mais um programazeco com um cão-polícia. E garanto que seria igualmente notável a fazer de intelectual tuberculoso, ou de xerife corrupto.)

quarta-feira, maio 30, 2007

Jackson C. Frank





Catch a boat to England, baby,
Maybe to Spain.
Wherever I have gone,
Wherever I've been and gone,
Wherever I have gone,
The blues are all the same.

Send out for whisky, baby,
Send out for gin.
Me and room service, honey,
Me and room service, babe,
Me and room service, well
We're living a life of sin.

When I'm not drinking, baby,
You are on my mind.
When I'm not sleeping, honey,
When I ain't sleeping, mama,
When I'm not sleeping,
Then you know you'll find me crying.

Try another city, baby,
Another town.
Wherever I have gone,
Wherever I've been and gone,
Wherever I have gone,
The blues come following down.

Living is a gamble, baby,

Loving's much the same.
Wherever I have played,
Whenever I've thrown them dice,
Wherever I have played,
The blues have run the game.

Maybe tomorrow, honey,
Some place down the line,
I'll wake up older,
So much older, mama,
I'll wake up older,
And I'll just stop all my trying.

Catch a boat to England, baby,
Maybe to Spain.
Wherever I have gone,
Wherever I've been and gone,
Wherever I have gone,
The blues are just the same.


(Jackson C. Frank, «Blues Run the Game»)

Fogueteiro über alles

Ouvi hoje, de passagem, as seguintes palavras, proferidas por um grisalho cavalheiro à porta de uma barbearia na Margem Sul: «... as mulheres portuguesas, a fidelidade portuguesa, o vinho português, o pão português...»
Desconheço a direcção que levou este apetitoso fragmento. Desconheço até se o senhor sabia que estava a cometer uma pequena glosa sobre a segunda estrofe da Deutschlandlied.

(Curiosamente, ontem à noite, no aprazível espaço que é o novo restaurante da Cinemateca [novo para mim, que não o conhecia, e onde comi um hambúrguer de carne alentejana, acompanhado com molho de mostarda, puré frio, e um cone de massa folhada recheado de batatas fritas], oito alemães passaram mais de uma hora em amena cavaqueira. Apesar dos meus esforços, não consegui entender uma palavra do que disseram, mas parece-me inteiramente plausível que tenham trocado entre si versos de Henrique Lopes de Mendonça. O sentido de humor teutónico tem sido injusta e consistentemente sub-valorizado pela História.)

Sei que fui por ali, no Parque Eduardo VII

Exclusivo Pastoral Portuguesa: ontem, na Feira do Livro de Lisboa, Paulo Portas adquiriu um exemplar da revista Cais, depois de ter sido barbaramente ameaçado pelo vendedor com uma declamação integral do «Cântico Negro» de José Régio.
Segundo Exclusivo Pastoral Portuguesa: na mesma Feira do Livro, no pavilhão da Cotovia, é possível adquirir, pela sóbria quantia de onze euros e vinte cêntimos, a mais interessante recolha de crónicas em língua portuguesa que li nos últimos anos. O título é Valsas Nobres e Sentimentais, e o autor chama-se Frederico Lourenço, nome que desconhecia até há poucos dias, facto do qual me envergonho profundamente, mas pelo qual também vos culpo um bocadinho (custava muito avisar-me?).
Uma das crónicas («O Som de Portugal», publicada originalmente no Público) aborda um tema que me interessa bastante: o ponto de articulação da letra 'R'. Frederico Lourenço usa como exemplos os candidatos presidenciais (o texto é de Janeiro de 2006), e nota que os candidatos de esquerda

«...têm outra coisa em comum, além do facto de serem de esquerda. Algo de muito sonoro os distingue de Aníbal Cavaco Silva. Trata-se do som da letra 'r' em início de palavra ("revolução"), com grafia dupla no interior de um vocábulo ("terra"), ou em sequências como "honra" e "guelra". O ponto de articulação do "r" dos candidatos de esquerda é apical: a ponta da língua contra o palato duro, um pouco atrás daquilo a que Homero chamou "a barreira dos dentes". No caso de Cavaco Silva, o "r" é articulado na garganta: é o som gutural de quem anuncia a intenção de escarrar.»

Tendo sido, há muitos anos, convertido a esta peculiar maneira de ouvir o mundo, não pude deixar de reparar que Paulo Portas é um homem de 'R's inconfundivelmente guturais; e que o senhor vendedor da revista Cais (que, de resto, me confessou em privado preferir "o irmão, o outro Portas"), não poderia ser mais apical na sua articulação dos vários 'R's do Cântico Negro.
Esqueçam os Compassos Políticos ou aqueles totobolas ideológicos que varrem ciclicamente a blogosfera. O derradeiro teste tem de partir deste facto: há 'R's de esquerda, e há 'R's de direita.
E você, leitor? Como é que pronuncia a palavra "Rogério"?

domingo, maio 27, 2007

Venho por este meio espojar-me humildemente aos santos pés de Pipi Romagnoli

«Ganhar a Taça é como ganhar a Liga» - epigrama de Paulo Bento, que deveria ser imediatamente transformado em graffiti e espalhado por todo o país (o epigrama, e não Paulo Bento, cuja actual composição química e estado físico indivisível este blogue aprova inequivocamente).

Parecem-me mais ou menos evidentes os motivos pelos quais o Sporting Clube de Portugal venceu hoje (peúgas, chuva, Fátima, cachecol da sorte, lesão do Amaral, comentários abertos na Causa, problema dorsal do meu melhor amigo, etc), pelo que me vou abster de os explicar aqui.
A minha maior preocupação dos últimos tempos (superando, neste aspecto, até o enredo complicadíssimo do livro policial que ando a ler) era saber como iria a equipa reagir quando fosse finalmente confrontada com a inevitabilidade de não marcar um golo praticamente antes de o jogo ter começado. Noventa minutos de domínio intelectual confirmaram o descabimento do receio; nenhum dos adolescentes em campo deixou acumular as tensões de décadas que assombram o vulgar adepto, continuando todos a tratar o resto do jogo como se o senhor árbitro tivesse acabado de apitar para o rola-bola, independentemente de certas acções atrevidas de jogadores do Belenenses, inexplicavelmente alheios à superioridade metafísica do oponente. Os nervos, esses, estavam todos nas bancadas. (Uma situação que revela curiosos paralelos com o referido livro: Ellery Queen cheio de paciência metafísica, e eu a roer as unhas do lado de fora das páginas, tentando perceber se a incongruência no horário dos comboios no capítulo VII é relevante ou mero erro tipográfico).
O resultado é justíssimo, e a nação sportinguista poderá agora dedicar-se a uma preocupação racional e muito mais urgente: a permanência de Leandro Atilio Romagnoli. O ritual estival mantido por sucessivas direcções ao longo dos anos repetir-se-á: um vice-presidente virá para os jornais falar de "contenção financeira" e o desgraçado do rapaz regressará ao México, sendo prontamente substituído por um internacional "B" peruano emprestado por um clube austríaco, após recomendação de um cunhado de Carlos Janela. Aviso desde já que estarei indisponível para campanhas que envolvam NIBs e slogans embaraçosos ("Fica Pipi!"), mas não queria deixar de salientar que se a porção do orçamento para esta temporada empregue nos obscenos salários do não menos obsceno Alecsandro e do verdadeiramente pornográfico Carlos Bueno tivesse sido investida nos cavalinhos Slim Pickings (Grand National) e Dun Doire (Cheltenham), os retornos teriam sido mais do que suficientes não apenas para garantir a continuidade de Romagnoli até ao final da sua trágica carreira, mas também para trazer mais três ou quatro internacionais argentinos.
(Dr. Soares Franco, a Royal Ascot é na terceira semana de Junho. Seja inteligente. Pergunte-me como.)
Parece-me também cada vez mais óbvio que o Sporting conseguiu, por meios certamente sobrenaturais, instaurar um sistema táctico-dinâmico perpétuo, que é independente do treinador, e que está directamente relacionado com as características do seu centro-campista dominante. O Sporting de Rochemback (nunca houve um "Sporting de Peseiro", e gostaria, aliás, de não voltar a ler nem a ouvir essa caluniosa expressão) movia-se com a graça e acutilância dos elefantes de Aníbal. Era uma tropa pesadona e lenta - muita mais física que esta -- cujo famoso losango se dedicava a fabricar um tecido ininterrupto de toma-lá-dá-cás, na esperança de que, mais tarde ou mais cedo, o adversário ficasse tão encantado com a coisa que escancarasse os Pirinéus. E Rochemback e Pedro Barbosa, além de quatro colecções de tarsos e metatarsos como já não se fazem, tinham a vantagem de possuír arcaboiços normalmente associados com grandes mamíferos, que lhes permitiam caminhar por ali cheios da paciência que o público ingrato raramente tinha, rodopiando e atropelando gente com sucessivas cargas de ombro, até que fosse possível prosseguir a jogada sem envolver o Custódio.
Já o Sporting de hoje - além de ser abençoado com o melhor 'trinco' português desde Paulo Sousa - é indiscutivelmente o Sporting de Romagnoli. O sacrossanto losango é o mesmo, mas o bicho é diferente, com menos afinidade com elefantes do que com uma praga de gafanhotos bíblicos. Rochemback atropelava romanos, e parecia mais pesado do que era; Romagnoli esvoaça entre eles, e parece mais pessoas do que é (é apenas um, tomei o cuidado de verificar). Vi muito poucos jogos completos esta época, mas parece-me que a jogada-padrão aperfeiçoada pelo Sporting é arranjar maneira (não sei como) de colocar Romagnoli sozinho numa das quinas da área, sem qualquer adversário num raio de cinco metros. Isto acontece vezes sem conta, e o adversário nunca aprende (nem eu). Romagnoli, com a bola nos pés, é tão bom como os melhores médios estrangeiros que vi jogar no Sporting (Balakov, Rochemback e, respirar fundo, Roberto Assis). Mas sem bola, é melhor que todos eles.
E pelo tal sobrenatural processo de osmose, a própria equipa parece adaptar-se à essência de Romagnoli. O losango de Rochemback era gordo, lento, tecnicamente perfeito, rematava bem de longe e dividia o seu tempo entre esmagar equipas por 4 ou 5-0 e perder com clubes dolorosamente inferiores, sempre com 80% de posse de bola. O losango de Pipi é pequenito, móvel, tecnicamente perfeito, só domina no máximo metade do tempo de jogo útil, e não sabe chutar à baliza, mas a brincar, a brincar, já ganhou uma Taça de Portugal, o que é precisamente um título a mais do que os conquistados pelo losango de Rochemback.
Por tudo isto, e por mais uma série de motivos que as lágrimas nos olhos me impedem de desenvolver, sugiro as seguintes prioridades para 2007/08: contratem Romagnoli por tudo quanto ainda é sagrado neste mundo cão. Contratem um guarda-costas para o impedir de fumar durante as folgas. Contratem um cardiologista para o acompanhar a partir da linha lateral sempre que o jogo passar dos 60 minutos. Contratem o João Cutileiro para lhe fazer a estátua que ele merecerá no final da época.

(E, já agora, façam regressar o Varela do deserto espiritual da Margem Sul para onde o baniram. Se o Varela tem começado o jogo de hoje no lugar de Alecsandro, o Sporting teria falhado pelo menos doze oportunidades claras antes do intervalo, em vez daquelas parcas três ou quatro.)


(Adenda com olhitos semi-secos: uma pequena observação sobre Nani, que empena um pouco a teoria, já que, pelas suas características, tem muito mais em comum com o "losango Rochemback" do que com o "losango Pipi". Estarei aqui para comer estas doutas palavras, caso isso se prove necessário, mas creio que Nani nunca terá sequer o sucesso de Quaresma (falta-lhe a precisão no cruzamento e remate) ou de Simão (falta-lhe um clube dependente dele), quanto mais o de C. Ronaldo (falta-lhe a potência) ou de Figo (falta-lhe tudo). Mas parece-me que, com o acompanhamento certo, Nani poderá, em vez dessa coisa quase banal nestes tempos Alcochetianos que é ser o novo Figo ou o novo Ronaldo, ser uma coisa muito mais rara, e muito mais benéfica para a Humanidade em geral: o novo Pedro Barbosa. Para isso, e para uma longa carreira de mártir, atraíndo a parcela maior dos injustos e irritantes assobios dos sócios, só precisa de se libertar do vício de fazer aqueles arranques idiotas, dos quais só 10% têm conclusão satisfatória. Para correr está lá a bola. E o Abel Hargreaves...)

sexta-feira, maio 25, 2007

That Summer Feeling


Soube agora mesmo pelo Público (jornal com sede na Margem Norte) que Jonathan Richman vai ao Santiago Alquimista (na Margem Norte) na próxima Quarta-feira. Lanço o apelo às pessoas do costume (que moram quase todas na Margem Norte): eu sei que o dia seguinte, para vocês, é dia de trabalho (nos vossos empregos da Margem Norte), mas isto é diferente.
Jonathan Richman, que um dia, em resposta à pergunta asinina de um jornalista, disse "I sing about what matters", é diferente. Jonathan Richman, que um dia terminou um espectáculo com dezassete versões diferentes de «Roadrunner», é diferente. Jonathan Richman, que um dia interrompeu uma canção para discursar durante aproximadamente dez minutos em hebraico perante uma estupefacta plateia londrina, e que terminou a palestra com um peremptório "What I meant by that, ladies and gentlemen, is that people in love should never be ridiculed", é mesmo diferente.
Jonathan Richman até já esteve em Portugal antes (sempre na Margem Norte), e eu até já o vi duas vezes (na Margem Norte do Tamisa), mas isto é diferente. Frank Black, não sei se sabem, dedicou-lhe os seguintes versos: «Though le loved to rock and roll/All these many years/He cared about the old people/And little children's ears»
Isto, ladies and gentlemen, para além de ser rigorosamente verdade, é diferente, e merece aprovação universal (em ambas as Margens).
Vou ver de bilhetes (à Margem Norte). E vocês (os do costume, os da Margem Norte) ficam avisados: se ninguém alinhar, vou ali apanhar um avião (à Margem Norte) e não volto a pôr cá os pés tão depressa.

(Penso que é pertinente assinalar que estou a escrever este post a partir da Margem Sul, acto que se tornará ainda mais frequente num futuro não muito longínquo. A Margem Sul precisa de muitas coisas - nomeadamente que a minha presença se torne mais assídua - mas parece-me extravagantemente óbvio que não precisa de todas as coisas. Precisa, por exemplo, de mais quiosques cujos donos não se recusem a vender-me o Público quando eu tento pagá-lo com uma nota de dez euros. Isso precisa. Não precisa, por exemplo, de um aeroporto, nem de uma falangezinha de beatos histéricos a defender a sua honra ferida. Isso não precisa.)

Programas

Pela primeira vez em muitos anos, troquei isto por isto.

Trabalhos de sopro

«Now, speaking of blowjobs, do you know why they call it a blowjob? So it'll sound like it has kind of a work ethic attached to it. Make you feel like you did something useful for the economy.
And as long as I'm being a complete pig up here, let me ask you guys a question. Let me ask one question of the men. Are you ever able to watch a woman eating a banana and not think about a blowjob? Huh? I can't do it and I know why: I'm a sick evil fuck. I accept that, but I can't do it. Eating a banana, eating a pickle, licking on an ice-cream cone. I'm saying to myself, look at the tongue on her. Wooowww. So you women be careful when you're standing in front of that Hägen Daz.
'Cause goddammit we're watching, and goddammit we're thinking.»

(George Carlin, Explicit Lyrics)

quarta-feira, maio 23, 2007

segunda-feira, maio 21, 2007

Chomsky e pilinhas



No humor literário anglo-saxónico existe uma figura cuja centralidade é tão manca que deu origem a um pantanal de teorias: o cínico rancoroso.
V. S. Pritchett (que todos os leitores do Pastoral Portuguesa, a bem ou a mal, um dia aprenderão a venerar), tentou a seguinte explicação, num ensaio clássico sobre Mark Twain:

«Twain (...) represents the obverse side of Puritanism. We have never had this obverse in England, for the political power of Puritanism lasted for only a generation and has since always bowed if it has not succumbed to civilised orthodoxy. If an Englishman hated Puritanism, there was the rest of the elaborate English tradition to support him; but American Puritanism was totalitarian and if an American opposed it, he found himself alone in a wilderness with nothing but bottomless cynicism and humorous bitterness for his consolation.»

Como qualquer generalização, isto é vulnerável ao ocasional exemplo de excepção (Swift, que na definição de Pritchett seria americano), mas impõe, no abstracto, uma certa lógica cambaleante.
O “bottomless cynicism” e a “humorous bitterness” fundaram uma tradição cómica indiscutivelmente americana, que sobreviveu às condicionantes que a fizeram nascer; a resposta de combate teve tantos aderentes que acabou por se tornar ela própria uma ortodoxia. Essa tradição, que começou com Twain, que inclui Ambrose Bierce e H. L. Mencken, e que até admite vitais modulações (Gore Vidal, que é a face aristocrática do estereótipo, e Kurt Vonnegut, que representa o seu lado mais meigo e resignado), veio também a influenciar uma escola de stand-up (oposta à comédia "de observação"), de que Lenny Bruce é o exemplo mais conhecido, e Bill Hicks o mais talentoso.
Na hierarquia dos meus comediantes de eleição, Hicks não faz sequer parte do pódio. Prefiro a verborreia surreal de Ross Noble, a pose anti-social de Larry David, as torrentes de non-sequiturs de Demetri Martin e Mitch Hedberg (uma descoberta recente), ou a eloquência chula de Richard Pryor.
Mas Bill Hicks tem cá um lugarinho, conquistado a ferro e fogo. No seu melhor, Hicks era um Gore Vidal sem o verniz patrício, ou um Vonnegut sem a calma farfalhuda. Um pessimista amnésico: aquele que espera o pior da raça humana, mas que reage sempre com espanto quando esta corresponde às suas mais baixas expectativas.
Que Hicks tenha conseguido trabalhar toda a sua carga negativa em rotinas por vezes incrivelmente cómicas parece quase um acidente. A sua misantropia (ou a sua - uma expressão melhor para a qual agora não me lembro de equivalente - self-righteousness) estava sempre a um curto passo de rasteirar o seu talento, embora seja inegável que também o tenha alimentado. Ainda assim, há alturas em que Hicks transmite a ideia de que o palco está abaixo dele; o que ele deseja é um púlpito, de onde possa vociferar as suas sisudíssimas missas negras.
Mas há muitos, muitos motivos para amar incondicionalmente Bill Hicks, e até para uma rendição parcial ao mito. E motivos políticos, convém explicar isto às crianças, não estão entre os principais. A “comédia de intervenção” de Hicks cumpre exactamente o mesmo propósito, e deve apelar às mesmas sensibilidades, que os míticos “State of the Union” alternativos que Vidal dava nos anos 70, ou que os melhores livros de P. J. O’Rourke. Quem consome estas coisas à procura de nutrição ideológica está a cometer um erro duplo.
Tal como muitas das pessoas de quem me sinto politicamente mais próximo, Hicks não era bem de Esquerda, nem bem de Direita (apesar de alguns equívocos, e de ele próprio ter definido o seu espectáculo de palco como “Chomsky with dick jokes”); pertencia antes ao partido mais numeroso e mais balcanizado do planeta: o Partido Libertário no Interior das Nossas Cabeças; aquele que sanciona moral e juridicamente tudo aquilo que é apetitoso.

(*Caso alguém esteja interessado, o meu enclave político é mais ou menos este: uma utopia fiscal laica, com um sistema de saúde universal financiado pela generosidade dos magnatas proprietários dos inúmeros casinos e agências de apostas (que existem em cada esquina), e que me permita passar uma tranquila tarde de Domingo no meu bunker, empunhando a minha arma semi-automática adquirida legalmente e sobre a qual não paguei um cêntimo de imposto, fumando um charro monstruoso adquirido legalmente e sobre o qual não paguei um cêntimo de imposto, à espera que as três louras com quem coabito em tripla união de facto cheguem dos seus respectivos empregos no hipódromo local, para podermos ir à cerimónia de casamento civil dos nossos vizinhos imigrantes homossexuais.
No fundo, uma espécie de cruzamento entre o rancho de Hunter S. Thompson, a cabeça de Milton Friedman, o palácio de Tibério e a social-democracia sueca.
Admiro-me eu de ter poucos amigos.)

Bill Hicks - on smoking



(Há uma versão mais longa e muito melhor desta rotina aqui)

sábado, maio 19, 2007

Taça Xanax

Não deverá demorar muito tempo até que se começe a dizer que esta foi a pior final da FA Cup de todos os tempos. Mas não é preciso ter grande memória desportiva para recordar a final de 1995, a qual, curiosamente, um Man United exausto também perdeu por 1-0 para um soporífero vestido de azul.

Esta, portanto, foi apenas a segunda pior final da FA Cup de todos os tempos.

sexta-feira, maio 18, 2007

Formem filas ordeiras


Venho por este meio informar a população lisboeta de que há dois exemplares do Bend Sinister dos The Fall na Fnac do Chiado a €7.95 cada. Bend Sinister é o álbum que inclui a faixa «Shoulder Pads #1», a tal com a famosa linha sobre as pessoas incapazes de distinguir Lou Reed de Doug Yule (que alguém citou noutro blogue aqui há tempos), bem como um assobiozinho inacreditavelmente contangiante.
Para dar algum interesse à inevitável corrida, tomei a liberdade de esconder os dois CDs numa secção diferente. Pensem nisto: podem achar The Fall na prateleira do jazz ou entre os DVDs estrangeiros. Não é excitante? Levem a família e façam uma espécie de "egg hunt". Tentem não magoar ninguém.

(Mark E. Smith é o Gonçalo M. Tavares da punk britânica. Não pela críptica inicial que divide o nome, mas por ter transformado a palavra "prolificidade" num pálido eufemismo. Os The Fall - tal como Gonçalo M. Tavares - editam material novo aproximadamente de cinco em cinco minutos; material, diga-se, de invariável qualidade. No tempo que demoraram a ler este post, Mark E. Smith gravou sete faixas originais, um álbum ao vivo oficial, e ajudou a organizar o bootleg de um concerto em Croyden no Outono de 1987. Gonçalo M. Tavares acabou de escrever o segundo romance da semana, mas vai fazer uma pausa para respirar antes de o enviar para a editora.
Tanto os The Fall como Gonçalo M. Tavares têm fãs completistas - aqueles que compram mesmo tudo. Esta estirpe pode distinguir-se da população em geral pela grande quantidade de anexos que mandam construir nas suas casas, e pelo ar resignado com que tiram o dinheiro da carteira.)

Leituras em lugares públicos ©

Não me agrada estar a meter a foice em seara alheia. Mas se vejo alguém a ler o Fads and Fallacies de Martin Gardner no Metro (linha amarela), sinto que é um dever de cidadania vir gritá-lo dos telhados.

quinta-feira, maio 17, 2007

O lado negro da Escala Warhol



(A história destas tristes imagens pode ser lida aqui. O segmento - e o seu ridículo comentário - fazem parte da curta-metragem documental A Journey into the Mind of [P], que eu cometi o erro de ir ver ao ICA de Londres em 2003. Despachem-se a cometer o erro de ver o vídeo, para eu tirar isto do blogue, se faz favor.)

Aposto que foi no Pingo Doce do Fogueteiro

Ouvido hoje, na Sic Notícias:
«O bacon mais caro de sempre foi vendido por €19.000.000».

terça-feira, maio 15, 2007

Pedagogic measure

«… The next picture… shows our third tutor standing on his head. He was a large, formidably athletic Lett, who walked on his hands, lifted enormous weights, juggled with dumbbells and in a trice could fill a large room with a garrison’s worth of sweat reek. When he deemed fit to punish me for some slight misdemeanor (I remember, for instance, letting a child’s marble fall from an upper landing upon his attractive, hard-looking head as he walked downstairs), he would adopt the remarkable pedagogic measure of suggesting that he and I put on boxing gloves for a bit of sparring. He would then punch me in the face with stinging accuracy.»

(V. Nabokov, Speak, Memory)

Papel de Arroz


Já não será, nesta altura, novidade para ninguém. Falo do brinde que a revista Sábado escondeu entre as páginas da sua última edição - ainda nas bancas - e que constituiu verdadeiro serviço público.
Nunca tinha utilizado mortalhas Smoking DeLuxe™, embora o nome me fosse familiar. As mortalhas Smoking DeLuxe™ gozam de uma reputação vestalina entre fumadores, o que terá alimentado algumas dúvidas minhas em relação ao seu real valor (a velha mania idiota de desconfiar do que é unânime ou quase). Este preconceito, esclareço, sempre foi assumida e necessariamente provisório, até que o primeiro contacto com a realidade fumável os confirmasse ou explodisse.
A realidade esteve aqui, nas minhas mãos. First things first: a qualidade existe, e sente-se em cada inalação. Fazer uma mortalha não é o mesmo que fazer um tapete de Arraiolos, mas a forma exige algumas competências específicas que, no caso das Smoking DeLuxe™, se notam a léguas. É inegável que há ali muito talento. Agora, o que também é inegável é a tremenda irregularidade do artífice. Não há duas mortalhas iguais no pacotinho. Mais insólito, não há sequer duas mortalhas de valor aproximado. A mortalha nº 41, por exemplo, achei-a um pequeno prodígio de fumabilidade. Fumei-a várias vezes (sim, é possível), sempre com frequentes acenos de aprovação. Pensei: é assim que eu gosto de sentir a garganta. Na mortalha nº 23 notei uma textura duvidosa e alguns arabescos desnecessários, sinais inequívocos de uma mortalha que quer ser lenço de bolso, mas não sabe como. Resultado: desfez-se em borboletas microscópicas ao primeiro sinal de um isqueiro adulto.
Já da francamente ridícula mortalha nº 7 - que me causou um acesso de tosse convulsa - é impossível falar sem exigir a demissão imediata do responsável pelo controlo de qualidade.
O que fica disto tudo? Porque não há tempo para mais, fica a minha telegráfica contribuição para o estudo de mercado:
O balanço final: é positivo? Creio que sim. Há a tal inconsistência, mas o pulmão é um órgão muito temperamental. Nem sempre se pode confiar nele para juízos imparciais.
Dada a oportunidade, voltaria a consumir mortalhas Smoking DeLuxe™? Sem dúvida. Aliás, ando já à procura de outro pacote, por aí, nos quiosques. Mas também ando à procura de muitas outras coisas, por aí, nos quiosques, sublinhe-se.
A reputação que precede a marca: é merecida? Ah, isso. Tenho as minhas dúvidas.
Em última instância depende daquilo que se espera de uma mortalha. Do formato "rice paper" não podemos, realisticamente, esperar frequentes supernovas. Mas há patamares não-explorados do universo bucal que podem ser alcançados com uma baforada competentemente conduzida.
E se por um lado é indiscutível que as Smoking DeLuxe™ não me provocaram ulcerações nas mucosas, a verdade é que nenhuma das que incendiei me levou ao início e ao fim do Universo, o que me chegou a ser prometido. O fumo funciona, e a espaços funciona bem, mas não é mais do que fumo.
E há uma parte de mim que (algo envergonhadamente) ainda quer saber o porquê de tanto alarido. É que a marca O'Rourke™ anda por aí há muitos mais anos, proporcionando o dobro do prazer, com apenas metade da expectoração. E tem ainda esta vantagem adicional: evita-se aquela esporádica, mas incómoda sensação de se estar a apanhar com fumo secundário.

segunda-feira, maio 14, 2007

Escala Warhol


Mesmo ignorando as celebridades mortas que continuo a ver todos os dias nas ruas de Lisboa (ontem foi Lyndon Johnson a beber um carioca em Entrecampos) é inquestionável que dou um bigode ao Pedro Mexia na questão importantíssima da Escala Warhol. Aliás, nem sei como é que gestos tão irrisórios como "apertar a mão" e "trocar duas frases" podem entrar nesta contabilidade.
Antes de mais, o Martin Amis. Toda a gente já conheceu o Martin Amis. Toda a gente já conheceu o Martin Amis duas vezes. Mas quantos se podem gabar de lhe terem roubado uma esferográfica? ("I don't know Mr. Amis. I saw it on the table, and then it just vanished.")
Julgo não ter de recordar os leitores mais atentos de que Jimmy Page já bebeu uma cerveja debaixo do mesmo telhado que eu, numa sessão repleta de abraços e juras de amizade eterna. O encontro com Gore Vidal não foi tão memorável, por causa do jet lag (dele, não meu), mas ainda assim o Decano do Boato arranjou tempo para elogiar a esferográfica que lhe estendi para assinar o meu exemplar de Duluth ("That's a Carabiner: an excellent pen." "Thank you, Mr. Vidal. It used to belong to Martin Amis." "Oh yes, Martin Amis. I've met him. Twice.")
Mas a nêspera no topo do pudim é mesmo David Suchet, para quem, no saudoso Verão de 2001, preparei uma esplêndida refeição de peixe e batatas cozidas. (Tudo, devo frisar, dentro da mais estrita heterossexualidade.)
Poirot, robalo e vinho branco: beat that, Mexia.

(Já agora, não sei quem terá sido o responsável pelo conceito revolucionário dos parênteses em letra pequenina no fim dos posts, mas eu limitei-me a roubá-lo daqui).

sábado, maio 12, 2007

Drinking Blogger Award

Há um post algures ali para baixo em que eu escrevi "penteados anatómicos" quando queria obviamente escrever "penteados aerodinâmicos". Só agora, passadas três semanas, é que alguém teve a gentileza de me alertar para o lapsus calami. Mais ninguém deu por nada? Mas alguém lê isto? Amigos? Leitores? Mãe?
E o que raio é um "penteado anatómico", afinal?
Com deslizes destes, não admira que o Pastoral Portuguesa ponha pessoas a pensar.

Stiff Upper Lippi


(Quando Eriksson cessou funções como seleccionador inglês, o nome de Marcelo Lippi foi um dos aventados para o substituir. Na altura, apostei com um colega que a frase que dá o título a este post seria a manchete com que o The Sun apresentaria a notícia. O cenário nunca se materializou, o que é uma pena.)

sexta-feira, maio 11, 2007

Uma cidade de William Wilsons

Não sei se o fenómeno se deve a algum irrepetível alinhamento cósmico, ou se uma convenção internacional de agências de sósias está a decorrer em Lisboa, mas em pouco menos de quatro horas vi a Charlotte Rampling na rotunda do Areeiro, o George Bataille a pedir esmola no Cais do Sodré, e o Milton Friedman a renovar o BI na Loja do Cidadão nos Restauradores.

Lusitânia hirsuta

Uma pessoa passa muito tempo sem cá vir e quase se esquece de que há lugares no mundo onde os seres humanos ainda têm sobrancelhas.

quarta-feira, maio 09, 2007

Roger has a plane ticket

Por motivos nada, mas mesmo nada profissionais vou passar as próximas semanas num país onde as apostas em eventos desportivos não são permitidas por lei, e onde os cavalos fogem aos touros em vez de saltarem sebes.
O Pastoral Portuguesa vai comigo, numa caixinha de sapatos forrada a algodão, e com buraquinhos na tampa (para poder respirar).

Vlad has a frown


Proud in the possession of certain tools

«I learned to read English before I could read Russian. My first English friends were four simple souls in my grammar - Ben, Dan, Sam and Ned. There used to be a great deal of fuss about their identities and whereabouts - 'Who is Ben?' 'He is Dan' 'Sam is in bed,' and so on. Although it all remained rather stiff and patchy (the compiler was handicapped by having to employ - for the initial lessons, at least - words of not more than three letters), my imagination somehow managed to obtain the necessary data. Wan-faced, big-limbed, silent, nitwits, proud in the possession of certain tools ('Ben has an axe'), they now drift with a slow-motioned slouch across the remotest backdrop of my memory; and, akin to the mad alphabet of an optician's chart, the grammar-book lettering looms again before me.»

(V. Nabokov, Speak, Memory)

segunda-feira, maio 07, 2007

"Não é verdade"

«Um dos apresentadores num noticiário qualquer televisivo disse de passagem, certamente pensando nas dezenas de minutos que em cada noticiário se passa especulando sobre o possível rapto de uma menina inglesa no Algarve, que é o assunto a que todos os jornais ingleses dão a primeira página. Não é verdade. Devia ter dito a que todos os tablóides ingleses dão a primeira página. É essa a comparação certa com os nossos noticiários televisivos (com triste relevo para a RTP, a do "serviço público"), a dos jornais tablóides.»

Se o único objectivo deste parágrafo era dar uma alfinetada nos noticiários televisivos portugueses (e pelo que me lembro, qualquer alfinetada é bem dada) julgo que não havia necessidade de alistar a imprensa britânica como dedal. Até porque as distinções entre os tablóides e os broadsheets são sobretudo de tom, de qualidade de escrita, e de apresentação gráfica; as decisões editoriais são frequentemente as mesmas.
A verdade é que o rapto da menina inglesa no Algarve teve direito a tantos minutos no noticiário da BBC1 como as eleições francesas. A verdade é que o rapto da menina inglesa no Algarve foi ontem destaque de capa no Observer, no Sunday Times e no Sunday Telegraph. A verdade é que o rapto da menina inglesa no Algarve volta hoje a ocupar quase metade das primeiras páginas do Times e do Daily Telegraph, curiosamente um espaço muito maior do que o atribuído pelos editores do The Sun, que estão já ocupados com outra coisa.

(No The Sun, já agora, podem ler-se as duas melhores manchetes do dia: 'Swing to the Riot' e 'Paris in prison lesbian alert'. Apenas uma delas diz respeito às presidenciais.)

It's Beginning To Look A Lot Like Fishmen

Geekish tendencies



Um pertinente teste online: The Geek Test. O meu score foi um já suspeito 10.65089%.
Ainda assim, para alguém que leu a obra inteira de Lovecraft, e que admite: "I have looked forward to doing my taxes", até nem está nada mau.

sábado, maio 05, 2007

Tartaruga melancólica

«Nominally, the housekeeping was in the hands of her former nurse, at that time a bleary, incredibly wrinkled old woman (born a slave around 1830) with the small face of a melancholy tortoise and big shuffling feet. She wore a nunnish brown dress and gave off a slight but unforgettable smell of coffee and decay. Her dreaded congratulation on our birthdays and namedays was the serfage kiss on the shoulder. Age had developed in her a pathological stinginess, especially in regard to sugar and preserves, so that by degrees, and with sanction of my parents. other domestic arrangements, kept secret from her, had quietly come into force. Without knowing it (the knowledge would have broken her heart) she remained dangling as it were, from her own key ring, while my mother did her best to allay with soothing words the suspicions that now and then flitted across the old woman's weakening mind. Sole mistress of her moldy and remote little kingdom, which she thought was the real one (we would have starved had it been so), she was followed by the mocking glances of lackeys and maids as she steadily plodded through long corridors to store away half an apple or a couple of broken Petit-Beurre biscuits she had found on a plate.»

(V. Nabokov, Speak, Memory)

(Este parágrafo turbulento, tão cheio de coisinhas boas, aparece na página 37. 'Melancholy tortoise' não é apenas uma expressão memorável, é todo um tratado de sensibilidade e inteligência visual. Nabokov foi, tanto quanto sei, o primeiro autor a descobrir uma das leis de ferro da eloquência: é quase impossível estragar uma passagem descritiva que combine a palavra 'tartaruga' com um adjectivo moral. Martin Amis, um dos grandes discípulos de Nabokov, e que tantos tiques e truques lhe apropriou ao longo dos anos, descreveu o rosto de Saul Bellow como o de uma "omniscient tortoise". E tinha toda a razão. Eu acho que o rosto de Nabokov é como o de uma "disdainful tortoise". E tenho toda a razão.
Recomendo ao leitor o seguinte jogo de salão para noites primaveris: vá escolhendo atributos emocionais, atrele-os a nomes de répteis, aplique-os a figuras públicas, e submeta os resultados à aprovação geral.
Garanto que isto é tão satisfatório como uma longa sessão de Monopólio™ com amigos temperamentais.)

Once Upon a Time in the West


- O quinto parágrafo desta peça no The Guardian sobre a caótica noite eleitoral escocesa termina com um dos mais apropriados erros tipográficos de que tenho memória.

- Os ouvintes da BBC 6 não encontram qualquer redenção estética na rima ghost/toast. Pedantes.

- Quem é que idealizou o novo formato das fotografias dos cronistas no DN online? Sergio Leone? A expansão de céu azul em extreme wide shot atrás dos crânios reduzidos de Vasco Graça Moura, João Miranda e Ferreira Fernandes significa o quê, exactamente? E porque é que o mesmo efeito não foi aplicado a todos os cronistas? E - mais importante - serei eu o único leitor a achar que a composição teria muito mais impacto se uns bocadinhos de Monument Valley fossem adicionados à mistura?

- O Record arranjou maneira de me explicar aquilo que está verdadeiramente em causa na polémica da Câmara de Lisboa.

- A corrida 2000 Guineas em Newmarket foi ganha pelo cavalinho Cockney Rebel, cujo nome foi gentilmente cedido por Steve Harley, ex-vocalista da banda londrina com o mesmo nome. A reportagem do Channel 4 (hoje não fui à pista) conseguiu apanhar Steve Harley nas bancadas e colocou-lhe um microfone à frente da boca: "I have lived a life and I have just lived it all again in two minutes there." Steve Harley é responsável por uma canção chamada «Sebastian». Lembro-me de ouvir «Sebastian» pela primeira vez no Bar da Associação de Estudantes da FLUL, uma experiência auditiva que durou cerca de quatro mil anos; entendo perfeitamente o insólito processo temporal a que Steve Harley se refere.

quinta-feira, maio 03, 2007

Para Averiguar o Seu Grau de Liberalismo

Cheguei, através deste post n' O Insurgente, ao teste do European Political Ideologies. Sem grandes surpresas, os meus resultados foram os seguintes:

#1
You are a social psychedelic anarcho bubblicious libertarian badass supercalifragilisticexpialidocious chocolate covered liberal.
You think that freedom both rocks and rules. You adhere to old-fashioned beliefs about the sanctity of mayonnaise. You're hip, but you don't hop. You have a disproportionately large index finger, and you often use it to point out other people's egregious mistakes. You become restless when someone whispers "equality of income", and your trembling fingers reach for your betting slips in a blind panic. You believe the State should be soft, creamy and delightful. You trust the people. You do, you really do. (Except people from Liverpool, who you believe were spawned by the Devil). You are turned on by women with ridiculously long eyelashes, and also by the private sector. You look at the private sector and your knees turn to jelly; you will love it long time. You hold that the best way of organizing economic activity is to abolish a little something here and there, and maybe tax something else, just a tiny, puckish, charming little tax. You look at taxes sideways, as if they were a benign-looking congregation of crocodiles in a Kenyan safari park, but you are fascinated by them. And you love strawberries, have we mentioned the strawberries? You also believe in free markets. You have seen them: they are definitely free and undoubtedly markets. And they're all over the place; you would have to be quite mad not to believe them. You feel that social responsibility is a very good thing. You feel the breeze in your hair. You enjoy it. You think that all individual human behaviour should be regulated by an arbitrary system of numbered balls. That goes without saying. You think that smokers should smoke, coughers should cough, doctors should use euphemisms and gravediggers should dig oh so very slowly. You think that 'yellow' is an evil colour. Your views on personal morality vary according to the number of drinks the blond girl across the table is prepared to ingest. You strongly oppose receding hairlines and are willing to take radical action to combat them.
You see checks and balances as the cornerstone of democracy. You move a little to the Left and a little to the Right. You jump up and down and you shake it all around.
You are too sexy for your shirt.

terça-feira, maio 01, 2007

How to Hate the Working Classes





Dressed like that you're gonna get roughed up
You're like a benefit scrounger in a fun pub
I'll meet you on the corner of Amherst Road
Let's start a party of our own
The stupid years we spent together
We had pet names for each other
Since we stopped talking years and years ago
Let's start a party of our own
I'm on a mission for the masses
How to hate the working classes
And everybody that we ever knew
Let's start a party, just we two
The bloody rain, the bloody dogs,
This bloody town's gone to the dogs
And everybody's gay, the straight boys know
Let's start a party of our own
Where everyone we've ever loved
And everyone we've ever fucked
Will collect their interest in eternity
Not deposit, no return; invest in me
I need a holiday in heaven
The working classes and how to hate them
Everybody that we've ever known
Let's start a party of our own
Let's start a party of our own
I need a holiday in heaven
I need a holiday.

(Luke Haines, «How to Hate the Working Classes». O triplo álbum Luke Haines is Dead é uma recolha de a-sides, b-sides, out-takes, sessões de rádio e raridades. Está disponível na Amazon, pelo mesmo preço de um pacote de cacau Praline. Luke Haines, felizmente, não está morto.)

"If it was a boxing match it would have been stopped because it was too boring"

«(...) the football remained loveless, full of sour faces and dour tactics. It is, of course, hard to enjoy playing under this pressure - gravity always wins - but the likes of Ronaldinho manage to show their teeth from time to time. The only teeth on show here were those being pulled by unfortunate neutrals. It all evoked the famous headline after the dire draw between Ireland and England at Italia 90: 'No Football Please, We're British'. While there was glory and spoils for the victors, anyone with a knowledge of football knows that this rudimentary nonsense is spoiling the game.»

(Rob Smyth, no The Guardian, sobre o bonito jogo desta noite. A meio da segunda parte, um insecto veio pousar no parapeito da minha janela. O insecto era esverdeado e tinha dois pares de asinhas translúcidas. Creio que era uma libélula. Esteve ali no parapeito da minha janela. A tinta por baixo do parapeito da minha janela está a lascar. Vou ter de resolver isto.)