quinta-feira, maio 21, 2009

O meu nível de alerta com a situação James Wood está prestes a ser actualizado para 4

Tenho tantos, mas tantos problemas com este texto que o mais provável é que nunca comece a confessá-los. Uma pessoa deixa passar a ligeira sugestão de desonestidade em pelo menos duas conclusões. Uma pessoa deixa até passar a gritante confusão conceptual com um termo de Shklovsky. Uma pessoa deixa passar essas coisas todos os dias, no fundo, neste mundo cão. O que é realmente revolucionário no texto, suficientemente revolucionário para inaugurar novos canais de transpiração intelectual na minha pessoa, é o facto de ser o primeiro texto de James Wood com um parágrafo completamente incoerente. Não digo qual é, evidentemente, porque primeiro tenho de decidir o que é que vou fazer à minha vida. O primeiro passo será talvez admitir que estou muito, muito errado em relação a isto tudo e que James Wood tem toda a razão.

Estamos todos mais uma vez de parabéns

«O meu número favorito é nove, qualquer coisa nove. Há muito tempo que o é. Desde muito antes de, ainda vós nem. Aquilo de estar lá quase é muito bem conseguido. O seguir-se-lhe o zero, então, é perfeito. O nove, qualquer coisa nove, prova que afinal sempre somos capazes. Estamos todos mais uma vez de parabéns.»

(No Agrafo, que, para circunscrever a coisa o mais possível, é um dos três melhores blogues do mundo).

segunda-feira, maio 18, 2009

Watergate

Mais um fim-de-semana televisivo concluído com sucesso. A maratona começou a todo o vapor com uma sessãozinha de All The President's Men (um filme que hei-de rever todos os anos até atinar com a dicção de Jason Robards), e depois com o Festival da Eurovisão, que agora se encontra numa fase de expansão semelhante à que a Liga dos Campeões atravessou aqui há uns anos; muito em breve deveremos ter uma fase de grupos. Para já, tivemos direito a duas semi-finais - o que é mais ou menos equivalente a dizer que o Inferno de Dante tinha nove eliminatórias.
A apresentação dos participantes foi feita com recurso à habitual estenografia biográfica do certame: aprendemos, por exemplo, que os eslovenos são "bons esquiadores". Uma das cantoras foi descrita como uma "economista com formação em teatro", o que sugeriu uma panóplia de possibilidades interessantes para o futuro de Manuel Pinho, como emagrecer dezasseis quilos antes de uma conferência de imprensa, ou anunciar um pacote de medidas de incentivo às pequenas e médias empresas directamente baseado nos ensinamentos de Lee Strasberg ("Breathe! Breathe!").
O destaque da noite (além da estonteante representante do Azerbeijão, que piscava os olhos como se estivesse a preparar um esturgido) foi a delegação de um dos países de Leste, cujo nome não apanhei, mas que provavelmente é terra de bons esquiadores, e cuja vocalista berrou um par de estrofes escondida atrás de um biombo. Muita gente não sabe, mas foi assim que Mark Felt revelou a Bob Woodward os pormenores do caso Watergate: atrás de um biombo, e rodeado de violinistas eslavos de sapatos amarelos.
Na SIC, Bárbara Guimarães deu início à gala dos Globos de Ouro soprando um saxofone como se estivesse a ser atacada por ele. Antes disso, um especial de meia-hora subordinado ao tema "passadeira vermelha" revelara algumas informações pertinentes, nomeadamente o facto de a passadeira em questão ser cor-de-rosa. O repórter Daniel Nascimento revelou um notável talento para transformar a pergunta mais inócua num insulto. Ao falar com um dos candidatos ao galardão de melhor modelo, incluiu na pergunta uma sugestão de cambalacho: "Foste a nomeação mais inesperada do ano. Tens alguma ideia de que porque é que foste nomeado?". Ao falar com o Rui Reininho, incluiu na pergunta uma sugestão de obsolescência: "Rui, nessa idade... ainda faz algum sentido ganhar prémios?" Conseguiu, no entanto, redimir-se, terminando a entrevista com Manoel de Oliveira com os votos sinceros de "um brilhante futuro", para essa jovem promessa. Manoel de Oliveira, com palavras à altura das circunstâncias, revelou que não se sentia uma estrela, apenas "um pobre planeta".
Jesualdo Ferreira, com o ar inconfundível de quem se sente uma próspera supernova, cruzou-se por breves momentos com Gary Oldman, ainda envergando a maquilhagem que usou em Dracula, mas que a entrevistadora tratou estranhamente como "Lili Caneças". Ricardo Costa e Nuno Rogeiro assinalaram a sua seriedade com um permanente cruzar de braços; podiam muito bem marcar presença naquela Babilónia, mas ninguém os ia apanhar a esbracejar que nem plebeus.
A cerimónia progrediu a bom ritmo. Os prémios de representação, em que pessoas são reconhecidas pelo seu soberbo talento em fingir que são outras pessoas, foram entregues seguindo o modelo dos Óscares: um apresentador diferente recitava um pequeno poema em prosa a cada candidato. O estilo era consistentemente catastrófico, apesar de Ruy de Carvalho ter agido como se estivesse perante uma resma de pentâmetros iâmbicos. Soraia Chaves, lendo o teleponto como se fosse o Código de Hammurabi, deu por si a dizer que o trabalho de uma determinada actriz revelava "a dedicação de uma actriz dedicada". Maria José Paschoal e Nuno Lopes foram considerados os nomeados com mais talento para fingirem que não são Maria José Paschoal e Nuno Lopes. O seio esquerdo de Bárbara Guimarães, como Steve McQueen em The Great Escape, passou grande parte da noite a congeminar planos de fuga, mas sem grande sucesso. Cristiano Ronaldo entrou em directo, salientando a importância deste "globo de Portugal". Um convidado musical foi identificado como Pol Pot. Tudo acabou demasiado cedo, como o segundo mandato de Nixon.

Corta-mato na Jordânia

Ocorreu-me recentemente a indecência de nunca se ter aqui feito um link para este blogue, nomeadamente quando no blogue em questão se podem ler coisas como este post, ou um post ainda melhor, que é este post, do qual passo a apresentar um excerto relevante, em itálico:

«Liguei a televisão e, ao meio-dia, a RTP2 passava um filme de Abbas Kiarostami. A cena mostra em primeiro plano uma mulher de lenço branco na cabeça a caminhar ao lado de um homem de parka vermelha. Ao fundo, uma multidão em movimento rápido aproxima-se. A câmara ignora o casal e foca o grupo que se desloca em passo de corrida. Percebe-se agora que são na sua maioria mulheres negras, provavelmente masai. Só quando passam junto à câmara é que me apercebo que estou a ver o campeonato do mundo de corta-mato, na Jordânia. »

(O autor do blogue é a pessoa com três nomes atlânticos Bruno Vieira Amaral, uma das poucas pessoas com três nomes atlânticos cujos três nomes atlânticos nunca se vão tornar intercambiáveis na minha cabeça fatigada. Os avanços na ciência neurológica podem fazer-me chegar aos noventa anos: tenho a certeza absoluta de que nunca lhe vou chamar Bruno Andrade Neves ou Bruno Azevedo Abrantes.)

quinta-feira, maio 14, 2009

Os dias sem vocês não são a mesma coisa

Tenho estado ocupado a consubstanciar dilematicamente conceitos prévios tolhidos pelas dificuldades operacionais da metacomunicação interna, mas tirando isso está tudo relativamente bem. Não queria deixar de realçar a grande notícia que vem escondidinha na secção "In Production" da Sight & Sound de Maio, e que passo a transcrever, com a delicadeza e amabilidade que me caracterizam nestes períodos pré-eleitorais (por favor, não votem na lista do Pedro Souto, o homem é claramente louco):

«The Coen Brothers follow their forthcoming black comedy 'A Serious Man' with an adaptation of CHARLES PORTIS' [as maiúsculas e negritos histéricos são meus] western novel 'True Grit', about a 14-year-old girl who travels with two lawmen to track down her father's killer. The novel was of course previously adapted in 1969, with John Wayne winning an Oscar for his iconic portrayal of ageing lawman Rooster Cogburn. The Coens promise a different spin on the story by telling it from the point of view of the girl [o que, no fundo, é tudo o que pedi]».

E tu, não dizes nada? Hã?