domingo, julho 30, 2006

O meu momento David Brent

Não foi o primeiro e não será o último. Fui em Junho deste ano, durante a mini-onda de calor que visitou a Grã-Bretanha, a Slough, para uma entrevista de emprego. A companhia era uma seguradora, daquelas cuja especialidade é "atender às necessidades específicas do segmento feminino e da terceira idade". A vaga era no departamento de serviço ao cliente e o grosso da carga de trabalho seria providenciar assistência telefónica a pessoas que sofressem acidentes no estrangeiro. Numa conversa informal antes do questionário propriamente dito ("So what assets do you feel you can contribute to our company..." etc, etc) o chefe do departamento perguntou-me o que achava de Slough. Respondi que apenas conhecia a cidade pela reputação (não muito boa) e pelo retrato que dela tinha sido feito no poema de Betjeman (pior) e na série de Ricky Gervais (muito muito pior). Disse-lhe, também, com toda a honestidade, que um passeio de meia-hora pelo centro antes da entrevista tinha sido uma agradável surpresa. Que o ambiente era o de uma cidade universitária, com muita gente jovem e de várias nacionalidades. Esse era o ponto em que me devia ter calado. Em vez disso continuei a falar. E partilhei esta observação curiosíssima: "O que é estranho é que desde a estação de comboio que não me lembro de ver uma única pessoa de idade. Mesmo no centro da cidade, não vi nenhuma." Uma pausa - e a cara dele devia ter sido uma dica suplementar, "A sério? Curioso, nunca reparei." E eu? Calei-me? Deixei-o mudar de assunto? Pois claro que não. "Bem" opinei, com um sorrisinho amigável "se calhar morreram todos com o calor". O meu sorriso acabou por morrer também, sem qualquer outro por perto. O resto da entrevista correu bem, embora tenha sido bem mais curta que o costume. Três dias depois recebi um e-mail agradecendo-me a disponibilidade demonstrada e informando-me de que eu não era "de forma alguma" o tipo de pessoa que eles procuravam para aquela posição específica. O facto de isto -um "trademark David Brent moment"- se ter passado em Slough, de todos os sítios, convenceu-me de três coisas: 1. Manipulando ligeiramente um slogan da NRA, não é a televisão que faz mal ao cérebro das pessoas; as pessoas é que fazem mal ao cérebro das pessoas. E a televisão faz a autópsia. 2. O Woody Allen só em parte tinha razão quando disse "a vida não imita a arte, imita a má televisão". É que por vezes também imita a boa e a assim-assim. 3. Na eventualidade de nunca ganhar o Euro-Milhões vou provavelmente passar mais vergonhas deste género.

1 comentário:

Anónimo disse...

Continuas o mesmo... Beijos grandes doido.