terça-feira, setembro 26, 2006

Bruxelas

Não é, de todo, semelhante ao esbatido postal mental que dela tinha.
Esperava a opulência burocrática do centro do Império; mas esta tem apenas uma visibilidade residual em meia dezena de quarteirões, onde sedes bancárias e tribunais futuristas se espelham monotonamente uns aos outros.
Esperava também uma cidade multi-cultural - o velho cliché londrino; não esperava um bi-culturalismo nervoso, que me fizesse lembrar certos bairros de Birmingham.
Tivémos décadas para assimilar a ameaça de que o crescente impulso para a homogeneização económica e cultural faria com que todas as grandes capitais se parecessem umas com as outras, as diferenças lentamente erodidas pela presença ubíqua dos espectros de John Pemberton e Dick e Mac McDonald. Mas esta ameaça sempre teve concretização interna num certo tipo de "viajante" (palavra que deve ser sempre sequestrada entre aspas).
Pessoalmente, noto que cada lugar que visito é semelhante aos que visitei anteriormente, e é totalmente diferente daqueles onde nunca estive. O factor de ligação é, obviamente, a minha pessoa.
Disto resulta que um cartaz prometendo revelações sobre a vida sexual de Tintim, colado à porta de uma sapataria abandonada, me tenha feito lembrar Moscavide. Ou que uma mulher de meia-idade envergando um par de óculos amarelos absurdamente grandes e um par de sandálias amarelas absurdamente pequenas me tenha feito lembrar Cracóvia. Ou que um mulato esquelético empurrando uma máquina de Raios-x ao longo da linha do Eléctrico me tenha feito lembrar Glasgow (onde nem sequer há Eléctrico).
Cada cidade nova é um espelho adequado apenas dos bolsos traseiros das calças. Do direito, onde tenho os cartões de débito; e do esquerdo, onde guardo, no seu estado embriónico, o índice remissivo da desordem no interior da minha cabeça.

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