sábado, novembro 04, 2006

Esta noite ouve-se


Well, meet me, Jesus, meet me, meet me in the middle of the air
If these wings should fail me, Lord, won't you meet me with another pair
Well, well, well, so I can die easy
Well, well, well, well, well, well, so I can die easy
Jesus goin' make up
Jesus goin' make up
Jesus goin' make my dyin' bed

Blind Willie Johnson, «Jesus Make Up My Dyin' Bed», Dark Was The Night

(Um guitarrista rebelde de Sacavém chamado Luciano [deste lembro-me do nome, vá-se lá saber porquê] passou alguns meses entre 1992 e 1993 - com paciência de santo - a tentar ensinar-me a extrair de uma guitarra algo mais do que arrepios de indignação. Não foi bem sucedido, mas não por falta de ânimo ou boa vontade. Ficaram-me, na memória muscular, apenas os primeiros acordes do «Stairway to Heaven», o que não é grande motivo de orgulho: creio que alguns estudos científicos recentes mostraram que 95% da raça humana sabe tocar os primeiros acordes do «Stairway to Heaven», mesmo aqueles que nunca pegaram numa guitarra.
Mas o maior legado que o Luciano me deixou foi um indecoroso entusiasmo por três bluesmen da velha guarda (o blues de Chicago não me diz muito): Robert Johnson, Skip James e sobretudo, Blind Willie Johnson.
Diz-se que os Delta bluesmen não têm biografias, têm mitos. O mito de Blind Willie faz-se da sua primeira guitarra, construida por ele a partir de uma caixa de charutos; do canivete que usava para o efeito "slide"; de um blues sobre Sansão e Dalila que cantou à porta de um tribunal de New Orleans, e que causou um motim; de uma carreira de sucesso cortada pela Grande Depressão, que o forçou a cantar na rua, dependente de esmolas; e da sua morte prematura, de pneumonia, depois te ter dormido à chuva, nas ruínas de uma casa incendiada.
Uma das suas composições, o hipnótico «Dark Was The Night, Cold Was The Ground», foi usado por Pasolini em A Paixão de São Mateus, e viria mais tarde a servir de inspiração à soberba banda sonora de Ry Cooder para um dos filmes da minha vida.
Desafio qualquer possuidor de credenciais humanas a ouvir «Dark Was The Night, Cold Was The Ground» e a negar subtis movimentos capilares e dérmicos. Pessoalmente, cada vez que ouço isto sinto-me mais amnésico que nunca.)

2 comentários:

Tiago Cavaco disse...

Eu tenho esse disco. Só por causa deste post vou ouvi-lo hoje.

"Rogério Casanova" disse...

Então o meu trabalho aqui está feito.