Exclusivo Pastoral Portuguesa: ontem, na Feira do Livro de Lisboa, Paulo Portas adquiriu um exemplar da revista Cais, depois de ter sido barbaramente ameaçado pelo vendedor com uma declamação integral do «Cântico Negro» de José Régio.
Segundo Exclusivo Pastoral Portuguesa: na mesma Feira do Livro, no pavilhão da Cotovia, é possível adquirir, pela sóbria quantia de onze euros e vinte cêntimos, a mais interessante recolha de crónicas em língua portuguesa que li nos últimos anos. O título é Valsas Nobres e Sentimentais, e o autor chama-se Frederico Lourenço, nome que desconhecia até há poucos dias, facto do qual me envergonho profundamente, mas pelo qual também vos culpo um bocadinho (custava muito avisar-me?).
Uma das crónicas («O Som de Portugal», publicada originalmente no Público) aborda um tema que me interessa bastante: o ponto de articulação da letra 'R'. Frederico Lourenço usa como exemplos os candidatos presidenciais (o texto é de Janeiro de 2006), e nota que os candidatos de esquerda
«...têm outra coisa em comum, além do facto de serem de esquerda. Algo de muito sonoro os distingue de Aníbal Cavaco Silva. Trata-se do som da letra 'r' em início de palavra ("revolução"), com grafia dupla no interior de um vocábulo ("terra"), ou em sequências como "honra" e "guelra". O ponto de articulação do "r" dos candidatos de esquerda é apical: a ponta da língua contra o palato duro, um pouco atrás daquilo a que Homero chamou "a barreira dos dentes". No caso de Cavaco Silva, o "r" é articulado na garganta: é o som gutural de quem anuncia a intenção de escarrar.»
Tendo sido, há muitos anos, convertido a esta peculiar maneira de ouvir o mundo, não pude deixar de reparar que Paulo Portas é um homem de 'R's inconfundivelmente guturais; e que o senhor vendedor da revista Cais (que, de resto, me confessou em privado preferir "o irmão, o outro Portas"), não poderia ser mais apical na sua articulação dos vários 'R's do Cântico Negro.
Esqueçam os Compassos Políticos ou aqueles totobolas ideológicos que varrem ciclicamente a blogosfera. O derradeiro teste tem de partir deste facto: há 'R's de esquerda, e há 'R's de direita.
E você, leitor? Como é que pronuncia a palavra "Rogério"?
6 comentários:
Não pronuncio. Não me atrevo. Limito-me a constatar que conjuga com "Os Belenenses".
Excelente.
Um abraço,
V. N. Fernandes
Já agora, poupando trabalho ao leitor filisteu: com a boca.
Outro abraço,
V. N. Fernandes
O Frederico Lourenço é professor da tua ex-faculdade. Se não fosse o latim...
Em tom lamuriento:
Se passasses mais vezes pelo meu blogue, haver-te-ias confrontado com este texto que escrevi há mais de 1 mês...
Um abraço ressentido (sinceramente não sei como se materializa um amplexo deste género),
André
Estive aqui a puxar pela cabeça e o único professor de Latim de que me lembro na FLUL (e cheguei a ir a pelo menos quatro aulas, portanto vamos refrear o impulso difamatório) era um gajo de cabeça rapada, que usava calças e botas militares. Não era esse. Não era esse?
André pá, isto é uma vergonha: puseste lá o texto agora só para me embaraçares.
A verdade é que vou ao teu blogue e só costumo ler os textos sobre os autores americanos ou ingleses. Os outros salto. E depois venho para aqui queixar-me. Eu não mereço mesmo nada.
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