Há um nobre e enternecedor maneirismo na recensão literária curta que consiste em subjugar uma obra de difícil classificação através de uma imaginária triangulação de precursores, envolvendo-os em interactividades lunáticas. Murakami, um daqueles autores sem voz que usa as influências no peito como se fossem medalhinhas, tem sido uma vítima justa e recorrente desta tendência; os paperbacks ingleses das suas obras estão crivados de citações hilariantes. ("The kind of book that Raymond Carver would have written, after spending a drunken gay weekend with F. Scott Fitzgerald in a Tokyo brothel managed by William Gibson", ou coisas deste género).
O grande especialista nesta técnica é John Leonard, que escreve para a Nation e para o NYRB. Ultimamente em baixo de forma, Leonard conseguiu a proeza de escrever três peças consecutivas sem colocar autores mortos em bacanais autistas, mas neste texto para o NYRB (uma crítica ao mais recente calhamaço de Michael Chabon), apesar de não regressar aos tempos gloriosos em que empilhava toda a carne disponível no assador cultural, conseguiu sair-se com um bastante aceitável "as if Raymond Chandler and Philip K. Dick had smoked a joint with I. B. Singer".
O grande especialista nesta técnica é John Leonard, que escreve para a Nation e para o NYRB. Ultimamente em baixo de forma, Leonard conseguiu a proeza de escrever três peças consecutivas sem colocar autores mortos em bacanais autistas, mas neste texto para o NYRB (uma crítica ao mais recente calhamaço de Michael Chabon), apesar de não regressar aos tempos gloriosos em que empilhava toda a carne disponível no assador cultural, conseguiu sair-se com um bastante aceitável "as if Raymond Chandler and Philip K. Dick had smoked a joint with I. B. Singer".
O que importa aqui ter em conta é a componente surreal da ideia, que deve ser encarada como uma abstracção lúdica e nunca como uma útil especulação sobre a obra. (Até porque julgo existir um consenso neste ponto: se Chandler e Philip K. Dick tentassem partilhar um charro, com ou sem o beneplácito de Isaac, o resultado final não seria um romance de 400 páginas, mas sim um pequeno e triste incêndio num prédio em São Francisco).
Teoricamente, uma frase deste género poderia prolongar-se ad infinitum, acumulando referências absurdas e aberrações cronológicas. O tipo de maratona semântica idealizada por Douglas Adams, Arthur Balfour e pelo Duque de Palmela, depois de partilharem um furtivo croissant num cemitério em Viena - em que um dos coveiros é tio por afinidade de Franz Grillparzer - sob o olhar atento de uma delegação diplomática americana presidida por Jane Fonda, cuja gabardine revela uma mancha de humidade resultante de uma secreta e rancorosa urinadela de Edgar Allan Poe, num tasco em Baltimore que....
2 comentários:
Ora se fazes o favor inicia uma compilação, o carácter lúdico da coisa assim o exige.
É curioso que a propósito de Murakami e de uma frase do género "um cruzamento entre Kafka e Woody Allen" (estou com preguiça de procurar no blogue, já nem sei se foi neste ou no anterior...) aposta na capa também discorri sobre a idiotia desses chavões.
Os criadores de cães fazem isso há centenas de anos:
The Poodle is what you get by crossing a the nearly extinct French Water Dog, the Barbet and possibly the Hungarian Water Hound.
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