O sketch parlamentar, como tantas outras instituições britânicas, evoluiu estaticamente durante dois séculos, desenvolvendo uma coerência interna e consolidando um formato tão reconhecível como o haiku ou o soneto petrarquiano; novos praticantes limitavam-se a aderir a um modelo pré-estabelecido, sem fazer ondas, nem barulho, nem nada de tangencialmente interessante.
Esta inércia formal funcionou como um excelente recurso de curto-alcance, permitindo um reflexo rigorosamente inóspito do processo político: tal como os mecanismos parlamentares que descrevia, o sketch parlamentar era solene, esporadicamente ridículo e frequentemente enfadonho. Um casamento feito no céu, que durou quase duzentos anos.
(Isto, já agora, não é necessariamente negativo. Há efeitos bem piores que o ramo legislativo de uma democracia pode induzir do que tédio ou humor involuntário; nomeadamente estridência e terror voluntário. Uma democracia representativa que não seja um bocadinho entediante e um bocadinho ridícula, arrisca-se a deixar rapidamente de ser representativa e até democracia.)
Foi um iconoclasta, o mítico Frank Johnson, a aparecer em cena com o seu álcool e o seu charuto, reformulando o paradigma e aperfeiçoando o modelo actual, nas páginas do Telegraph durante a década de 70. Johnson limitou-se a descartar o entediante e a conceder maior atenção ao ridículo, injectando um cinismo bem-disposto e informado no lugar da solenidade papagaia de outrora. Esta revolução táctica inverteu a tradição; o sketch parlamentar é hoje - quase sem excepções - a página mais interessante das secções de política na maioria dos jornais britânicos, ainda que os eventos relatados sejam tão soporíferos como sempre.
Simon Hoggart, que pode e deve ser lido diariamente no The Guardian, é o mais talentoso dos seus sucessores. The Hands of History agrupa dez anos de colunas, estrategicamente acomodadas de forma a coincidirem com a década de Blair no poder, e providencia o primeiro estudo documental do New Labour com interesse residual para o não-masoquista. Antes das inevitáveis análises profundas e contextualizações de larga escala, vêm os arlequins e o seu malabarismo de rumores. Um aviso à navegação: o livro é inapelavelmente mais interessante do que os monstruosos Campbell Diaries, que foram o maior embuste editorial do ano. Separado de 25 libras pela promessa implícita de boataria Vidaliana e revelações de alto nível West Wing-style, acabei por levar com o equivalente literário da cena de voleibol no Top Gun ("You rocked tonight, Tony." "Yeah, Alistair, I was on fire.") Gostaria de martelar com imparcialidade as suas 816 páginas, mas o livro perdeu-me algures nas primeiras 80, logo a seguir a um parágrafo que incluía a frase "Tony's choice of underwear".
Hoggart compensa a falta de acesso com duas ou três vantagens: fundamentalmente, o facto de escrever melhor e de não ser um mitómano semi-sociopata. Em termos metodológicos, o catecismo de Frank Johnson é seguido à risca: ceder a pá aos visados e deixá-los cavar sozinhos. A subida ao poder do séquito Blairista foi imediatamente reconhecido pelos sketch-writers do Reino como uma benção sem precedentes, facto assumido logo no prefácio: «Who could fail with this material? All we have to do is write down what they say and how they say it. The job is done for us. It has been, from our point of view, a wonderful ten years.»
E de outros pontos de vista, o que fica de dez anos de Blairismo? O consenso simplificante da opinião pública não anda muito longe da verdade; conseguiu captar a essência de um momento em meia-dúzia de lugares-comuns: esperança e apatia; confiança e desilusão; Blair como o homem que recuperou os Trabalhistas para a governação substituindo ideologia por intuição mediática; e que comprometeu irremediavelmente a sua popularidade e o seu legado quando a sensata proximidade estratégica à Casa Branca o arrastou para a guerra mais impopular da História recente.
New Labour não foi uma revolução. A inovadora apropriação do legado económico Thatcheriano, e a sua agregação a preocupações de justiça social era um salto quase inevitável na altura, e representou, acima de tudo, uma estratégia eleitoral: um sensacional esforço de pan-sedução, incluindo na mesma ideologia vaga os órfãos operários apoiantes do Old Labour, o patrocínio corporativo que os Tories alienaram com a sua estridente paranóia anti-Europeia, e o apoio dos media sedentos de novidade adolescente.
A avalanche de 1997 trouxe ao poder a primeira geração de ministros e secretários formados não em filosofia ou ciência política, mas em cursos de gestão e seminários motivacionais. Os centros de poder foram sendo sucessivamente ocupados por pessoas cujo modo de expressão básico era o memorando inter-departamental, infectado pelo jargão demente do management-speak. "Politics and the English Language" é aqui o texto operacional, funcionando não tanto como cautionary tale, mas como manual de instruções. A comunicação com o público passou a ser acolchoada numa malévola plasticina linguística, moldada de forma a tornar o processo político simultaneamente obscuro e inócuo, competentemente inofensivo e purgado de qualquer significado. O acto de governar era agora tão esotérico como a Poesia Modernista dos anos 20. Blair, particularmente a partir do segundo mandato, cometeu desvios ocasionais de retórica sub-Churchilliana, mas os seus funcionários nunca mais olharam para trás.
Uma tríade de exemplos, mais ou menos ao acaso:
«Secure removal centres will enable us to protect the integrity of the system»; «A diverse selection of individual stakeholders, within a framework of equal opportunity for personal development, aknowledging the pursuit of the best practice»; «leadind and supporting a delivery programme, by shared endeavour with the ministers, coupled with regular stocktake meetings and flexible delivery structures». Seguem-se incontáveis referências a "trajectórias de sucesso", "alvos realistas", "competição e contestabilidade", "matérias de consequência managerial", e "unidades estruturais integradas".
O pináculo estilístico do livro é a intervenção de Barbara Follet, que falou nestes termos de uma iniciativa para reduzir a poluição sonora perto do aeroporto de Luton:
«Using noise controls and encouraging measures such as noise preferential routes, and in the civil aviation bill we have the power to clarify powers (...) The government encouraging social responses... profiling local noise contours...» Uma performance memorável, terminando com um aforismo gnómico para enfiar rapidamente nos livros: «The power of designation remains». Não existe, na obra inteira de Eliot ou Pound, um verso tão impenetravelmente soberbo como este.
Julgando pelas parcas intervenções de Brown e Cameron documentadas no livro, o verdadeiro legado de Blair está mais do que seguro. Nas catacumbas, centenas de funcionários continuarão a trabalhar arduamente, a estender os limites da língua inglesa até milímetros do ponto de rotura.
They all go into the dark, and we também.
3 comentários:
Não queria, de modo algum, fugir ao tema, mas anda por aí um blog, diz que fenomenal, o melhor de sempre, diz, o maior dos criados por individuos por sua vez criados em agosto de 90. Não sei, diz-se.
Há que o comprovar: http://entelectual.blogspot.com
Excelente.
Um abraço,
Tiago.
Não é por acaso que os ingleses que mais nos fazem rir são os que fazem dos seus podres o material das suas obras.
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