«Daqui a 50 anos, quando dois gays se puderem beijar no emprego sem provocar mais que indiferença, poderemos todos ridicularizar os exóticos gostos dos gays por homens, como hoje em dia gozamos um colega de trabalho pela derrota do Benfica no fim-de-semana. Até lá, parece-me de muito mau gosto esse tipo de humor baseado na ridicularização das diferenças, demasiado reforçador de preconceitos idiotas.
Se não resistimos a fazer piadas sobre minorias, seria mais interessante (digo eu) rirmo-nos de minorias dominantes (as que detêm o poder político, económico, cultural), em vez de nos rirmos de quem precisa de se esconder para ser aceite como igual.Ou então rirmo-nos de nós próprios, que ainda é o mais saudável e divertido, como o maradona saberá se já experimentou.
Em todo o caso, não achei piada nenhuma ao seu texto (eu que acho piada a quase tudo). É que, ao contrário de si, tenho a sorte de ter amigos gays, e imaginação suficiente para adivinhar a incomodidade e o sofrimento que esse facto, tão anódino e normal, pode ainda provocar nas suas vidas.»
(Mais uma adição ao Clube dos Amigos da Comédia como Instrumento de Justiça Social. Não conheço outro tipo de humor que não o baseado - em maior ou menor grau - na "ridicularização das diferenças", mas admito que o quintal me ocupa muito tempo. De qualquer maneira, vale a pena ler aquela página inteira, desde o "marialvismo literário destes queques terríveis" à "cumplicidade com autos-de-fé". O estagiário que a Danone destaca para ler o meu blogue já deve estar a escrever memorandos frenéticos. E esta, meus amigos, é para epígrafe de qualquer coisa:
Se não resistimos a fazer piadas sobre minorias, seria mais interessante (digo eu) rirmo-nos de minorias dominantes (as que detêm o poder político, económico, cultural), em vez de nos rirmos de quem precisa de se esconder para ser aceite como igual.Ou então rirmo-nos de nós próprios, que ainda é o mais saudável e divertido, como o maradona saberá se já experimentou.
Em todo o caso, não achei piada nenhuma ao seu texto (eu que acho piada a quase tudo). É que, ao contrário de si, tenho a sorte de ter amigos gays, e imaginação suficiente para adivinhar a incomodidade e o sofrimento que esse facto, tão anódino e normal, pode ainda provocar nas suas vidas.»
(Mais uma adição ao Clube dos Amigos da Comédia como Instrumento de Justiça Social. Não conheço outro tipo de humor que não o baseado - em maior ou menor grau - na "ridicularização das diferenças", mas admito que o quintal me ocupa muito tempo. De qualquer maneira, vale a pena ler aquela página inteira, desde o "marialvismo literário destes queques terríveis" à "cumplicidade com autos-de-fé". O estagiário que a Danone destaca para ler o meu blogue já deve estar a escrever memorandos frenéticos. E esta, meus amigos, é para epígrafe de qualquer coisa:
«Ninguém nos protege de quem nos quer, à força, proteger.» - maradona, 13/11/07)
21 comentários:
Discordo ligeiramente. Comparo o humor ao crime organizado e, dentro do crime, prefiro os assaltantes de comboios correios aos assaltantes de velhinhas, e isso não tem nada a ver com razões sociais mas de lucro, profissionalismo e compaixão nata. Quanto aos gays para utilização humorística, concordo, só se poderia prescindir dos que viajam na Transtejo se houvesse muitos que atravessassem o rio de helicóptero ou de Mercedes.
quanto ao txto original do maradona (agora já sei quem é), acho que responde por si a uma crítica bastante pertinente de jms, que é: «por que é que não vais gozar contigo próprio?» O maradona põe-se na pele do homófobo e goza-se (auto-ironia), e aí o txto resulta. Mas na composição e no desenvolvimento excede-se no mau sentido, tornando a situação pouco credível (embora s baseie num facto real). Aí falha.
Julgo que não é preciso "saber quem é" o maradona para perceber que aquele texto está nitidamente a rir-se de si próprio, e a mostrar que qualquer preconceito - seja positivo ou negativo - é irracional e, consequentemente, ridículo. O JMS não percebeu, no seu slalom pelos lugares-comuns do "alvo fácil" e etc. que o texto está a ridicularizar outra minoria, que não a dos "paneleiros": a minoria constituída pelos que têm um problema atávico conceptual com a própria noção de "paneleirice". O maradona bem tentou explicar a equação, mas uma equação é sempre difícil de explicar a alguém que apresenta todos os sinais de não dominar sequer a tabuada.
Mas o que o JMS faz é tão ou mais ridículo que isso: quando acha que sabe o que é directamente"reforçador de preconceitos idiotas" está a emprestar simetria determinista àqueles destroços intelectuais que acham que sabem o que é que "causa" a homossexualidade. Nem ele nem eu sabemos o que é que cria um homofóbico. Pode ser um texto do maradona, mas duvido seriamente, porque o mundo é deveras complicado - demasiado complicado para ser influenciado por um post sobre cacilheiros, por mais genial que seja.
Para pegar no teu exemplo, eu não consigo preferir um tipo de crime ao outro, porque sou incapaz de calcular as consequências. Um gajo que rouba uma velhinha pode limitar-se a roubar uma velhinha. Um gajo que rouba um comboio-correio pode, por hipótese, roubar os cheques-pensão de centena e meia de velhinhas. Eu não sei, Filipe. E tu também não.
O que eu sei é que artilhar critérios deste género para definir o que deve ou não ser alvo de tratamento cómico é contra-natura e, regra geral, contra-producente. Para as causas, sejam elas quais forem, e, o que é muitíssimo mais grave, para a comédia.
Pois eu, que detesto o maradona, um ignorante que escreve «há maneira o séc. XXI» por «à maneira do século XXI», erro que tem em mim o efeito irritante de um ataque de alforrecas delinquentes achei o texto bom. Até, infelizmente, razoavelmente bom - e seria muito bom se a receita não fosse conhecida: a descrição de um estado - aqui de pânico - desencadeada por um incerto acontecimento «exterior» ao narrador, incerteza que se mantém até final: não há no texto modo de saber se, de facto, os gays perceberam que o narrador os reconheceu no jornal: tudo pode ser mera panicação, imaginação do narrador o que dá sentido cómico ao alívio perante aquilo de que ele imagina ter-se livrado: uma violação. O humor é patente a partir da manutenção dessa dubiez, razoavelmente conseguida. Por outro lado, se o narrador é homofóbico, é-o tão superlativamente que se oferece como objecto de comicidade e descrença na eficácia mesma da reacção fóbica e está a porta aberta ao humor.
Lamento, lamento muito, mas o texto é razoável, muito raoável, raios o partam.
De divertido, extra-texto, o facto de maradona parecer suportar muito mal situaçoes de rejeição e perante o ofendido e empertigado texto do não sei quantos - não é desprezo, é preguiça, vem justificar-se. Ele, maradona, não quer ser tido por grunho e por mal intencionado, o que torna tudo mais magnificamente risivel. Eu, que sou um estupor, ri com gosto e embora não goste nada de si, maradona, sempre lhe digo que grunhice de grand monde não é aquela que lhe assaca,mas escrever ataques do jaez daquele que lhe fazem: «Eu que tenho a sorte de ter a amigos gays» é pura pornografia sentimental.
E, também, esse seu medo de aldeia de não desagradar a ninguém.
Boa tarde
Só quis repetir, uma vez em cada frase, a palavra paneleiro, que é uma palavra de que gosto. Tudo o resto, nunca imginei. Quer dizer, imaginei, mas nunca na forma que tomou, nomeadamente essa do assalto a "velhinhas" versus "assalto a comboios" (very british). Acho que é querer implicar, e eu não mereço tanto (quer dizer, a minha mãe acha que mereço, mas mais ninguém).
Aqui o anónimo de cima, para além de se enganar no que é mais fácil (é assim com as pessoas que não gostam da escrita do sec xxi) toca num ponto importante: não quero ser acusado de grunho. Realmente, não quero, não quero passar por homofobico. Até por razões que não posso explicar aqui. É daquelas coisas. Julguei que esclarecer era uma coisa boa. De facto, levei-me um bocado a sério, uma pele que não me fica bem (como as blusas com riscas horizontais), e levei a sério o que o outro disse. É que nem foi por achar que aquilo fizesse muito sentido ou merecesse resposta, mas porque queria dizer que não era homofobico. Se um gajo que escreve com tantas palavras dificeis e tão robin dos bosques é capaz de pensar aquilo depois de ler o meu coisino, imagine-se o que anda por aí. ele deve ter tanta gente para acusar de homofobia que me fez confusão ve-lo gastar toda a sua consciencia social com um tipo extremamente simpático como eu.
maradona
maradona, não quis implicar, e isso das velhinhas e dos comboios correios tem a ver com o humor em geral e não com o seu texto em particular, é uma imagem, se calhar falhada, na base do que escreveu o Casas. Louvo também o jms por ter lvantado um problema importante, que ao Casanova levou a esta conclusão, que me convenceu: o humor é sempre sobre «diferentes» e não se pode submeter ao social e ao moral.
Casanova, como não sei fazer humor gosto de teorizar sobre ele, e depois de Gogol, Daniil Harms, quase toda a britcom, os Simpsons, etc, tenho pano para mangas para teorizar (e acho que daí não vem mal ao mundo). Mas não percebi essa das «consequências que não se podem calcular». É tão evidente que acabei por não perceber a que propósito vem. E é precisamente a inconsequência que está na base de todo o non-sens (uma forma requintada de humor).
Sobre o comboio correio e as velhinhas: tinha na cabeça os Gato Fedorento (fase Magazine), em que de facto eles caíram nisso: atacam onde é mais fácil, no bombo da festa já cliché, como quem ataca velhinhas (e aí o jms tem razão), e até acabam por não ter piada. Atacar um comboi correio é ter tomates para atacar humoristicamente, por xemplo, o Jardim Gonçalves e o seu opus dei, e não é por ser rico (socialmente superior, e aqui o jms não tem razão), mas por ser RESPEITADO como pilar do poder. No verdadeiro humor (na sátira), tem de haver muita, muita falta de respeito. É claro que também é possível satirizar um pobre-diabo que respeita cegamente o poder, e aí também o poder está a ser satirizado...
O Borges tem um texto sobre o humor, naquele estilo numérico dele pré-joão miranda, um texto que não consigo encontrar. Mas classificava as diferentes formas de fazer humor. Ora, suponho que é isto. A teorização do humor não pode nunca ser um estudo dos alvos, e nessa medida não concordo muito com o Casanova (que sublinha o "diferente"), nem com o GAF. Uma coisa tem piada ou não tem piada. É aqui que entra essa coisa da facilidade, que tem pano para mangas e gabardines. No meu entender, é muito mais dificil caricaturar com sucesso um maricas (porque toda a gente já o fez milhares de milhões de vezes), do que o Jardim Gonçalves. Nesta medida, e se quisermos teorizar o humor, "assaltar o comboio" é conseguir caricaturar com sucesso os maricas, enquanto assaltar velhinhas será gozar com o José Sócrates, o Paulo Bento ou o Jardim Gonçalves.
A politização do humor, que é no fundo o que se quer com esta historia - isto é, julgar a piada de uma coisa pela suposta adequação a um qualquer projecto para a sociedade -, é algo de perigoso e, com franqueza, tão estafado que já não há paciencia.
O humor é quando uma pessoa se ri. Eu, com franqueza, escrevi aquilo porque me estava a rir com aquilo. Sim, sou assim tão ridiculo, ri-me com as minhas piadas. E isso para mim chegou. Não tenho intenções de que toda a gente ache piada às mesmas coisas que eu acho piada. Não acho é piada nenhuma quando me vêm com lições de moral. Porque, pensando melhor e utilizando mais um lugar comum, este assunto é talvez demasiado importante para ser deixado aos moralistas.
cumprimentos
maradona
GAF,
Eu explico, desde que fique bem claro que cada minuto que estou aqui a falar disto é menos uma laranja que estou a proteger.
A conversa das "consequências" só foi atordoada, açaimada e arrastada para aqui porque me pareceu ver na referência aos comboios e às velhinhas um apriorismo semi-romântico que me parece espelhar o problema de interpretação do JMS. Para espremer o mesmo exemplo mais um bocadinho: só quis demonstrar que quando se expressa uma preferência abstracta por "assaltos a comboios-correio" em vez de "assaltos a velhinhas" por motivos de "compaixão nata", está a ignorar-se um comboio-correio de razões que podem tornar essa situação irritantemente concreta - e logo para o lado menos previsível. Da mesma maneira, dizer que um texto cómico, pela simples facto de usar um expediente formal que é repetir a palavra "paneleiros", está a reforçar preconceitos idiotas, é um doghnut hermenêutico do caraças. Como se não houvesse uma centena de patamares entre, digamos, chamar "matraquilho" a uma pessoa numa cadeira-de-rodas e um sketch do Ricky Gervais.
O JMS, a dada altura escreve uma coisa espantosa: "seria mais interessante rir-mo-nos de.... bla bla bla". Rir-mo-nos de qualquer coisa porque seria sociologicamente mais interessante? Mas o que é isto: eu falhei alguma reunião? Decidiu-se que os comediantes iriam ter preocupações de equilíbrio e proporcionalidade enquanto eu estava ali a tratar do míldio?
Nem os Gato Fedorento nem os outros, Filipe, têm obrigações éticas de atacar onde é "fácil" ou onde é "difícil". Não é o alvo em si que interessa aqui, mas sim a forma como a flecha é disparada.
A comédia não precisa de meta-sinaleiros a coordenar o trânsito entre a vida como ela é e como ela deve ser. Uma piada já vem com o seu próprio mecanismo de validação; isto porque uma coisa que não tem piada, se repararem bem, não tem mesmo piada. Devo ter ouvido umas duas dezenas de piadas sobre "paneleiros" na minha vida. Recordo-mo de ter achado piada a uma (envolvia uma foca amestrada e um merengue de limão, um dia conto-a). O texto do maradona não joga sequer no mesmo campeonato de uma piadinha de balneário. Espero não ser preciso deixar morrer o pomar inteiro para vir explicar porquê.
O meu tom de hoje está a sair azedo. Peço desculpa, não sou e não estou nada azedo. Tenho uma ambição: parecer ácido. Mas é preciso arte ou trabalho para parecer ácido, e eu estou há 12 horas à frente de um computador a escrever sobre silicatos. Mereço a mesma imunidade na avaliação do meu PH que se quer oferecer aos maricas em relação às tentativas de fazer humor!
Um abraço a todos, inclusive
maradona
Mas tu também aqui andas?
O que uma pessoa faz para não ter iniciar as conlusões de um relatório sobre um hectare e meio de Barros de Beja, já viste?
A propósito, o mapa naquele tal estudo de impacte ambiental não inclui a minha casa. Ou então fui eu que não consegui encontrá-la, revelando ser tão estúpido como os taxistas que passo a vida a criticar.
eu não percebi onze destes doze comentários. o único que faz sentido é o meu.
Sim, uma piada traz dentro de si a validação mas também já traz a indicação do alvo, a flecha, como deve ser atirada, e tudo isso é que a valida ou não. estás a fazer implicações de mais a isso das velhinhas e dos alvos, foi a minha maneira rebuscada de dizer que não gosto do humor fácil, independentemente do alvo ou da arma. Senão ria-me de cada vez que ouvia um gajo dar um peido a despropósito, outro a falar espanhol, outro a escorregar e cair porque está estipulado que isso parece que tem piada. E os gato fedorento não têm obrigação ética nenhuma, nunca o disse, só têm obrigação de ter piada, que não têm agora, e não é por causa do alvo, aí estou de acordo.
maradona e casanova, uma boa noite de trabalho (não é piada).
Não publicou o meu comentário e eu que fazia tanto gosto em dizer ao maradona que ele tinha escrito mal esdrúxulo.
Enfim... desilusões.
Vou-me deitar. Vais pagar por essa do esdruxulo, oh marmelo. "Hades" sofrer uma praga de ganfanhotos só aí no teu quintal que te levam até as fundações. Não há abrigo nuclear que te salve.
Maradona, creio que rogou uma praga à pessoa errada, o eu sou o autor do reparo esdrúxulo e do «há maneira do sec XXI».
Reoriente a praga que, na falta do relapso do jardineiro, alguns gafanhotos limpariam o jardim.
Sobre o restante: os textos respondem por eles, ou sao textos falhados, não precisam que o autor os defenda ou esclareça - e muito menos se esclareça (e muito menos no modo patético como Vc o faz).
Caro Sr. Casanova: como sempre é um gosto lê-lo, e refiro-me ao que diz a gaf sobre obrigações éticas. Nada pior do que as boas intenções, seja no que for (embora em «arte» sejm particularmente letais)
Ah pronto, estava com sono, doía-me as costas. Peço desculpa pelo lapso. Sofro muito.
maradona
Eu não gostei do início do post mas depois fui lendo, fui lendo, e gostei, está muito bem escrito, é o que importa, porque se fosse mau era mesmo muito mau. O maradona usa muito expressões como "que eu seja enrabado por [inserir minoria racial] suado se não é verdade que [inserir argumento sobre um tema interessante]" há décadas, o que é uma forma original e insuspeita de reforçar os próprios pontos de vista :)
Caro lb, cliquei no seu nome e fui parar ao seu blog. Que avassalador optimismo!
Os textos são bons se são verdadeiros, mas trata-se de uma verdade do texto, longe daquilo a que tem por hábito classificar como boas intenções. Muitos bons textos não querem casar,apenas passar um bom momento. E quem sou eu para condenar isso?
Não gosto muito de tentar esventrar a alma portuguesa, mas tenho notado que cá pelo nosso quintal - estou certo que noutros quintais o mesmo se passará - acontece muitas vezes que o mesmo infeliz leitor que não percebe a auto-ironia de um texto (digamos: a diatribe "paneleira" do maradona)é o mesmo infeliz leitor que lhe aponta o "há" em vez do "à".
Fico, por vezes, com a ideia de que esta gente se irrita. Com o tom de um texto, com a sensação de que está alguma coisa a escapar-lhe, e que, inebriados de raiva, buscam, farejam um erro, um erro só que possam apontar para diminuir o pobre escrevente assim se agigantando. Esta gente - e repare-se como a minha tristeza para com o caso é tal que até uso expressões denotadas com práticas mais Pulido Valentianas, que, miseravelmente, abomino - acaso um Nobel da Economia usasse a expressão "É fazer as contas" logo ali concluiriam que o desgraçado nada saberia de balanços. Esta gente - é a terceira que vez que uso a expressão, o que, na prática, me qualifica a zurzir contra o país mesmo que dele nada saiba - é merceeira.
Temos, talvez, um grave défice de literatura, uma tremenda incapacidade de perceber os contronos das palavras, as suas esquinas, as suas zonas cinzentas, o pequeno teatro de colocar a máscara errada de uma palavra apenas para realçar-lhe o erro. Lê-se como se as palavras fossem inscrições imutáveis na pedra tumular do tempo, ao invés de serem átomos instáveis e rabiantes. (Estes átomos têm o seu quê de espermatozóides, admito.) Quer-me parecer que se lê como quem está à procura de rebaixar quem escreveu, não à procura do texto, mas do que no texto confirme uma qualquer prévia razão de zanga com o mundo.
Resumidamente: ler pede disponibilidade mental. Não se pode querer ler o outro quando já se tem a cabeça cheia das próprias manias e certezas.
(Note-se que uso o exemplo do "há" e do "à" independentemente de no caso em concreto o autor que aponta o erro gostar do texto em que o erro surgiu. Este esclarecimento é nitidamente fundamental.)
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