Artéria coronária direita é o nome de uma artéria que nasce no seio aórtico anterior (direito). Se as coisas lhe correm de feição, e os preparativos logísticos foram atempadamente concluídos, a artéria costuma fazer uns pequenos exercícios de aquecimento antes de tudo começar, dando uma corridinha para frente e para direita, pausando para alongamentos entre o tronco da pulmonar e aurícula direita. Pouco depois do apito inicial, a artéria prossegue o seu jogging taciturno, contornando a margem direita do coração, escrevendo cartas de suicídio imaginárias e implorando silenciosa clemência, enquanto se dedica a espoliar o frigorífico das suas diligentemente acumuladas garrafas de Sagres Boémia. O ambiente costuma ser pesado.
Aos treze minutos de jogo, contra as suas mais ridiculamente exacerbadas expectativas, a artéria observa a destreza cardiovascular de Helton, e volta-se para a esquerda, percorrendo aos gritos a parte posterior do ventrículo direito ao longo do sulco coronário até ao sulco interventricular posterior - tudo feito, atenção, sem entornar uma gota. Talvez seja útil, nesta altura, imaginar a artéria sentada à mesa da cozinha, com a Sagres Boémia tremulamente enrodilhada pelo rosário com o símbolo do SCP que a sua avó Maria da Conceição lhe trouxe um dia de Fátima, pensando que isto é bom demais para ser verdade.
A artéria coronária direita tem agora várias opções: pode emitir ramos atriais na direção do átrio, obviamente; ou pode relembrar tantas alturas igualmente promissoras no seu passado que resultaram em infâmia, cataclismo, ou passeios à chuva; a artéria decide regressar ao frigorífico e tentar controlar o optimismo. Mas eis que!, meros dois minutos depois - antes até de o seu primeiro ramo atrial ter tido tempo para nutrir o átrio direito, circundando o óstio da veia cava superior - Izmailov quase interrompe este singelo processo, tornando toda a situação coronariamente insustentável. A artéria está incrédula. A artéria está atónita. A artéria tem de ir até ao quintal apanhar ar fresco.
A artéria coronária direita tem agora várias opções: pode emitir ramos atriais na direção do átrio, obviamente; ou pode relembrar tantas alturas igualmente promissoras no seu passado que resultaram em infâmia, cataclismo, ou passeios à chuva; a artéria decide regressar ao frigorífico e tentar controlar o optimismo. Mas eis que!, meros dois minutos depois - antes até de o seu primeiro ramo atrial ter tido tempo para nutrir o átrio direito, circundando o óstio da veia cava superior - Izmailov quase interrompe este singelo processo, tornando toda a situação coronariamente insustentável. A artéria está incrédula. A artéria está atónita. A artéria tem de ir até ao quintal apanhar ar fresco.
É certo e sabido que, na primeira metade do seu trajecto, a artéria coronária direita emite ramos que irão acudir ao cone arterial, mas entretanto há que trocar sms's frenéticos com outros vasos sanguíneos metafisicamente esclarecidos, que possam lançar alguma luz sobre este momento. Alguém esclarece esta pobre artéria? Esta irrigação desenfreada está mesmo a acontecer? As respostas são lúcidas e conclusivas: a ilusão cruel e passageira não é propriamente uma novidade neste percurso anatómico. A artéria é aconselhada a refrear os seus humores, a olhar para uma tabela classificativa, e a não escrever tantos palavrões nos seus sms's.
A segunda metade do trajecto é penosa, e durante grande parte do tempo a artéria mantém os olhos fechados, o que origina alguns derrames de Sagres Boémia, felizmente minimizados pela agilidade que a artéria sempre demonstra em alturas de sofrimento. Pontualmente, a artéria interroga-se sobre o que terá comido Pereirinha ao pequeno-almoço. Já na derradeira secção, a artéria emite mais um ramo, que percorre o sulco interventricular posterior. Isto pode parecer uma manobra desesperada, mas os peritos em anatomia garantem que faz todo o sentido. Perto do ápice, supostamente, esse ramo irá unir-se por anastomose com o ramo interventricular anterior da artéria coronária esquerda, permitindo suportar o interminável período de desconto sem ter de recorrer ao INEM. Nesta altura, claro, a artéria já ultrapassou todas e quaisquer intenções irrigativas; o que ela quer mesmo é flirtar com linfonodos, enviar ramos de flores a todos os gânglios, e praticar amor hippie com um cacho de vasos linfáticos, indiferente ao pormenor de este ter sido um pedaço de circulação que se deveu mais à sorte do que a uma dieta rigorosa ou a um estilo de vida saudável.
Pelo menos por agora, a artéria não quer saber. A artéria coronária direita fez o seu trabalho, encontra-se num sétimo céu de vascularização orgiástica, e vai permanecer assim até começar a drenagem. Ou até ver, na manhã seguinte, o estado em que deixou a cozinha.
4 comentários:
Brilhante!
eu podia estar o resto da noite a beber boémia que não me saía nada assim.Mas vou tentar na mesma só naquela da experiência.
(e lá te escapaste ao livro do rodrigues dos santos...)
Sempre a somar pontos...
PD
Isto está óptimo. Até eu que tenho as entranhas azuis e brancas me comovi com a história da pequena artéria. No entanto, e sem literatura, convém dizer que num dia normal (em que Júpiter não estivesse alinhado com Paulo Bento e Vukcevic ligeiramente adiantado) o Sporting, muito mais SAD do que os outros, teria levado quatro ou cinco em passos de tango mesmo com o Pereirinha em fase Pereirão.
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