segunda-feira, março 03, 2008

Blogspoticamente vosso

«The poet Glyn Maxwell likes to conduct the following test in his writing classes, one apparently used by Auden. He gives them Philip Larkin's poem 'The Whitsun Weddings', with certain words blacked out. He tells them what kind of words - nouns, verbs, adjectives - have been omitted, and how they complete the metre of the line. The aspiring poets must try to fill the blanks. Larkin is travelling by train from the north of England to London, and as he watches from the window, he records passing sights. One of these is a hothouse, which he renders: 'A hothouse flashed uniquely.' Maxwell excises 'uniquely', telling his students that a trisyllabic adverb is missing. Not once has a student supplied 'uniquely'..»

- James Wood, How Fiction Works

(Não sei o que é que será mais surpreendente nesta história: o facto de haver jovens aspirantes a poetas que não conheçam o 'The Whitsun Weddings', ou o facto de autorizarem um poeta a dar aulas. Há alguém que não goste de advérbios de modo? Infelizmente há. Há uma certa escola de composição literária que tem horror ao advérbio de modo. É composta, maioritariamente, pelas mesmas pessoas que têm horror ao ponto-e-vírgula, ao Sporting, à civilização, aos animaizinhos fofos do bosque. São pessoas muito más. A verdade é que não há nada de errado com advérbios de modo, desde que sejam bem utilizados. Frank Kermode, um homem que podia facilmente ser meu amigo se me conhecesse, explicou isto muito bem. neste texto sobre Martin Amis. Qualquer pessoa que dê pontapézinhos em Don DeLillo podia facilmente ser meu amigo:

«
An especially favoured site of cliché infection is the adverb. When Don DeLillo has a character say something ‘quietly’ you know he’s drawing on a long tradition of ‘said quietly’ as a conventional announcement that the remark it follows should be taken as particularly impressive. Ordinary reviewers, and even this extraordinary reviewer, cannot manage without the likes of ‘genuinely pleased’ or ‘brilliantly realised’, ‘brilliantly told’. These are rare instances of Amis himself catching a dose of the disease, and, like much of his rather less brilliant writing, they tend to occur in essays on the authors he most respects, in this case V.S. Naipaul.
Normally he protects his health and virtue by ranging as far as possible from adverbial conventionality. I made a list of recherché adverbs, of which this is a selection: ‘beamingly upbeat’, ‘lurchingly written’, ‘deeply unshocked’, ‘embarrassingly good’, ‘tremendously unrelaxed’, ‘fruitfully uneasy’ (Pritchett), ‘pitifully denuded’ (admittedly apt, for a Leavisian bookshelf), ‘janglingly discursive’, ‘remorselessly indulgent’, ‘scarily illusionless’, ‘hugely charmless’, ‘promiscuously absorbed’, ‘customarily rotted’, ‘chortlingly habituate’, ‘finessingly cruel’, ‘implacably talented’, ‘bicker halitotically’.
The great thing about these expressions is that the author can be fairly sure they will never be used again, much less become new enemies of clear thought and virtue.
»

Bom, a votação ali de baixo foi adulterada por pessoas ligadas ao Sapo, numa manifestação de despudor anti-democrático que me deixou boquiaberto. O Sapo não quis deixar o povo decidir. Eu registo. O número de pessoas que suspira quando pensa neste blogue é também consideravelmente menor do que eu julgava. Eu registo. O novo livro de James Wood já está disponível na FNAC do Chiado (em capa mole, não percebo), por dezasseis euros, permitindo que a população lisboeta se torne finalmente tão chata quanto eu. Aquilo era penalty. Aquilo nem sequer era canto. Estou muito desencantado com toda uma série de coisas.)

18 comentários:

Anónimo disse...

Eu sou um homem à moda antiga, votei no suspiro, e assumo-o sem problemas.
Aquela oxford coma está bem?

Anónimo disse...

Também votei como se não houvesse amanhã e não pertenço ao Sapo...muito infeliz essa análise.

Anónimo disse...

Ah...e como no local onde me encontro, que não é o Sapo, bloqueam o acesso a funcionalidades do blogger, nao me consegui identificar...ora cá vai:

Nome: Phil
Blog: http://iphil.blogs.sapo.pt

Anónimo disse...

Mas isto não é uma análise. Eu tenho provas de tudo: http://jonasnuts.blogs.sapo.pt/173554.html

Foi a maior fraude eleitoral numa democracia desde que o Mayor Daley aldrabou os votos de Illinois para ajudar o Kennedy em 1960. Senti-me tão intimidado com o poder do Sapo que cheguei a pensar mudar. Mais ninguém fica chocado com isto? Francamente. É por isso que este país, etc.

André Moura e Cunha disse...

Sinceramente,
Deixa-me perfeitamente obnóxio a guerra que, impudicamente, se faz ao advérbio de modo.
Mas há que aceitá-los complacentemente, os (sufixo)menteófobos.
García Márquez é a cara da organização internacional anti-advérbios-de-modo (mas da cara dele apenas gostei quando ostentou o olho negro do murro bem assestado por Vargas Llosa); mas, francamente, na sua calhamácica autobiografia "Viver para Contá-la" perdi a conta aos pauzinhos que traçava na mesa por cada adv. de modo que foi empregue, ou melhor, perdi os espaço livre no tampo da mesa.
Agora, só não entendo estúpida e verdadeiramente o teu ódio ao DeLillo... ‘da-se, nem Ruído Branco, Mao II, Os Nomes, Libra, Underworld (que não li, aguardando a edição para breve da Sextante) e Cosmópolis (OK, este último era a brincar… mas, se queres que to diga: gostei; tal como não gostei mesmo nada de O Homem em Queda. Sinceramente, RC…
Creio, convictamente, (acabei de me gostar a crer com convicção) que o campeão mundial do "advérbio de modo" é John Banville, tal como McCarthy é o campeão intergaláctico do uso da conjunção copulativa... e que bem que lhe fica, verazmente (pronto citei o VGM via Petrarca).

Anónimo disse...

Não estou familiarizado com essa situação do Banville, mas estou disposto a acreditar e a pensar imediatamente uma carrada de coisas positivas sobre ele.
Há uma passagem do Speak, Memory em que o Nabokov utiliza, salvo erro, sete advérbios de modo em cinco linhas.
Aliás, encontro-me com tanto tempo disponível que sou capaz de ir buscar o livro ao sótão só para meter aqui a citação.
Reparem como estou a responder aos comentários quase em directo, não estão impressionados com o meu profissionalismo?

bloom disse...

eu cá gosto das conjunções copulativas. Mas quem não gosta?...

Anónimo disse...

Bem, o Bloom (reparem bem no tempo que passou entre o comentário dele e o meu) toca num ponto importante. Mas acho que vale a pena frisar isto: o McCarthy pode ser o campeão actual da conjunção copulativa, mas não inventou nada. Os senhores responsáveis pela KJV fizeram-lhe a papinha toda. Dito isto, vou agora então ao sótão buscar o Nabokov, e também preparar qualquer coisa para o meu lanche. Agradeço que não comentem na minha ausência.

Anónimo disse...

Já terá finalmente acabado o lanchito, que a avaliar pelo demoradamente que foi, comeu majestosamente? Devia estar deliciosamente saboroso...; mas continuo ansiosamente à espera da citação do Nabokov...

Anónimo disse...

Peço desculpa pela demora. O meu lanche foi uma posta de salmão fumado em pão de forma integral, com mini-pepinos avinagrados cortados às rodelas, e maionese. Soube-me muito bem, obrigado por perguntarem.
Afinal os advérbios são apenas seis:

«...aged five, mooning in my cot after lunch, I used to turn over on my stomach and, carefully, lovingly, hopelessly, in an artistically detailed fashion difficult to reconcile with the ridiculously small number of seasons that had gone to form the inexplicably nostalgic image of 'home'...»

Está na página 61 da edição da Penguin.

André Moura e Cunha disse...

Pois, o Aníbal Fernandes (tradutor do Speak, Memory) Na Outra Margem da Memória da Difel (edição de 1986) amortece a adverbite pág. 63:
«Tinha eu cinco anos (...) costumava deitar-me depois do almoço na minha cama de criança e passar um bocado de barriga para baixo, como era meu hábito, com o dedo muito cuidadoso e apaixonado a desenhar no travesseiro, num desesperado estilo cheio de pormenores, difícil de conciliar com o número de estações ridiculamente pequeno que tinham passado e de forma alguma podia explicar aquelas saudades de "casa"»
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Ora aí estava uma boa tese: Cormac McCarthy e a influência KJV.

André Moura e Cunha disse...

Ah, não encontro as passagens de Banville.
E quanto ao García Márquez ele afirma o ódio pelos advérbios de modo na sua biografia, mas, por exemplo, os seus contos estão atulhados deles. Foi sempre muito coerente o fidelista Gabo...

Anónimo disse...

O que eu não suporto é a substantivação dos verbos - o pensar, o construir e o fruir - é um problema grave da iliteracia nacional. Também me irrita viver num país em que o segundo maior clube da capital pensa que está indignado por causa de lances em que os seus jogadores deviam ser punidos por simulação e ninguém diz esta coisa óbvia. Não estou a brincar convosco...

Anónimo disse...

Mini-pepinos? De evitar essas designações que lembram poderosamente as «mines com sandes de rissol e familariedade com o dono da tasca e use o nome adequado: cornichons
E não é uma posta de salmão, mas uma fatia. Ou foi mesmo uma posta???

Anónimo disse...

Com toda o respeito pelo senhor anónimo, mas cornichon é o vizinho de cima do senhor anónimo. Eu sempre lhes chamei gherkins, mas, por não querer abusar dos termos anglo-saxónicos, tive o cuidado de perguntar ao Senhor Vicente da mercearia que nome é que ele lhes dava. Mini-pepinos avinagrados foi a resposta que o Senhor Vicente me deu.
O Senhor Vicente é a única pessoa na Margem Sul que me conseguiu vender o dito produto, portanto vou usar a designação do Senhor Vicente, mesmo que ele mude de ideias amanhã e lhes passe a chamar salsichinhas fleumáticas.
E sim, foi mesmo uma posta. Já cheguei a meter animais inteiros numa sanduíche.

Anónimo disse...

Caro Sr. Casanova,

Não tenho vizinhos.
Tenho o gosto de enviar uma página com cornichons, para que verifique se se trata do mesmo legume (http://images.google.pt/images?hl=pt-PT&resnum=0&q=cornichons&um=1&ie=UTF-8&sa=N&tab=wi).
Irei um dia, certamente, experimentar uma sanduíche de postas. Já quanto a animais inteiros, só vislumbro cordonizes ou perdiz em «vinaigrette» ou fria, que dão grandes sanduíches. Gosto muito das de perdiz.

Anónimo disse...

vamos lá pôr o salmão em ordem: fatias diz-se de melão, melancia, pão, queijo (às fatias), bolo e pouco mais; tranche é para o filet mignon. Entre cornichon e gherkins prefiro "os pepinos, desses pequenos, em frasco". Quanto a um animal inteiro na sandes só se for de barata mexicana comestível. A este propósito estava eu dia na selva da Papuásia, sozinho, ferido, com uma fome de 5 dias após o naufrágio; praticamente só podia comer vermes, era o que havia, mas seriam comestíveis? Pus-me a observar atentamente os animais, incluindo os pica-paus, para ver o que eles comiam. Sangrava por todos os buracos menos pelo ânus e disse "meu Deus, valei-me". Às tantas, não aguentando mais, ultrapassei o cansaço e arrastei-me 300 metros até à rulote mais próxima e pedi "uma sandes de posta de salmão SEM maionese e com pepinos desses aí de frasco" Ingurgitei três mines e finalmente adormeci.

Anónimo disse...

«pepinos desses pequenos, em frasco» está perfeito.
De melão e melancia dizia-se cá em casa talhada (mas somos um pouco broncos).
O que o salvou foi ter pedido SEM maionese!