sábado, janeiro 17, 2009

Sem olhos em casa



Este título era tão previsível que, do alto da minha intrigante conta à ordem no BPI, apostei na sua aparição num prazo de 48 horas depois de a primeira bomba ter caído. Falhei na data e no sítio (por pouco mais que um oceano), o que não prova rigorosamente nada, nem sequer que a perpétua busca de ressonância alusiva em títulos alusivamente ressonantes conduz quase sempre à previsibilidade.
Sem olhos em Gaza, de qualquer forma, é uma descrição que não parece despropositada ("Por Quem os Sinos Dobram", ou "A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty" seriam opções manifestamente piores). Ter uma "opinião" sobre o que se passa hoje em Gaza é o equivalente intelectual a brincar ao quarto escuro com duas primas gordas. Eu próprio, alguém cuja opinião tem sido ansiosamente aguardada, ainda não encontrei qualquer indício de possuir sequer as faculdades necessárias para emitir uma daquelas "opiniões" que se pode ter sobre "o assunto". Pela razão óbvia: tenho um preconceito inultrapassável em relação a Israel - um preconceito que, para agravar a coisa, tem uma forte componente racial. O preconceito em questão, por puro acaso (e é mesmo um acaso: um resultado de acidentes biográficos menores e de um sortido de motivos aflitivamente superficiais) é um preconceito positivo, mas, para o caso, isso não faz a menor diferença. O meu filo-semitismo (e devia haver uma maneira melhor de uma pessoa dizer que curte Judeus e lá as coisas deles) faz tanto sentido como o anti-semitismo de outro maluquinho qualquer. Como qualquer preconceito, é cego, monolítico, irracional e completamente estanque. Não permite gradações nem encoraja nuances. Terá uma inevitável e bastante limitada utilidade como ferramenta de configuração (cf. enfim, Burke, ou a dezena de chatos que o citam), mas é também uma forma muito boa de afunilar as respostas emocionais, e diminuir drasticamente as probabilidades de conseguirmos identificar a nossa própria imbecilidade.
Se a minha posição instintiva e imediata é acreditar que o IDF tem, não apenas o direito, mas o dever de bombardear todos os metros quadrados de planeta que bem quiser e entender, inclusivamente toda a área entre a farmácia velha de Fernão Ferro e ali o começo do pinhal, terei alguma justificação em colocar a hipótese de não estar realmente a pensar, mas sim de estar a sofrer um espasmo do neocórtex. Posso chegar a uma situação em que já nem terei a certeza de que as respostas continuam a obedecer ao mesmo cego preconceito positivo ou se são apenas já reacções tóxicas (e estive quase a falar do Benfica agora) às respostas motivadas pelos preconceitos opostos. Estes têm sido os melhores e mais consistentes motivos na história da humanidade para ficar calado, mas depois uma pessoa tem um blogue. É tudo muito complicado.
Alguém, digamos, extraordinário, chamou-me recentemente à atenção para uma feliz e acidental correspondência entre um dos greatest hits retóricos do Clive James (desenvolvido, por exemplo, em 3 ou 4 textos deste livro) e a sua própria forma de encarar o conhecimento. O argumento refere-se ao tipo de comportamento que podemos realisticamente esperar de indivíduos confrontados com o totalitarismo. A resposta lógica é que não é justo exigir a todos que cancelem o seu instinto para a auto-preservação em nome de de uma ética superlativa. Os casos excepcionais em que isso acontece são casos de heroísmo moral, um fenómeno que deve ser exaltado, mas não elevado a bitola. Clive James predicou uma das mais interessantes carreiras críticas do século XX numa versão intelectual desta prescrição. Não exigiu a si próprio o heroísmo da omnisciência, mas soube consolidar, com o zelo paciente e obsessivo do auto-didacta, uma base relativamente estável, assente nos requisitos mínimos elevados à máxima potência: a do senso-comum. A partir dessa plataforma, é possível efectuar incursões esporádicas para o desconhecido, sem grandes riscos retóricos no caso de a coisa correr mal.
Ter uma "opinião", enfim. O problema com o repertório de "opiniões" que se podem ter "sobre" Gaza é que não são comentário, mas caricatura. Não nos fazem pensar sobre o tema em questão; mas fazem-nos pensar duas vezes sobre quem as manifesta. Ter uma "opinião" pertinente sobre Gaza requer provavelmente um tipo muito intensificado de génio moral e, se a bitola for essa, ninguém tem legitimidade para fazer o log-in. O melhor a que se pode almejar é a um reduzido consenso que exclua o disparate. É possível intuir ali um terrenozinho entre o inócuo (que eu já devo ter anexado) e a barbaridade. Convém ocupá-lo antes que comecem a cair lá bombas também. A neutralidade absoluta não é uma expectativa racional; mas a tal estrutura de senso comum parece-me uma possibilidade razoável: apelar ao mínimo denominador comum e ao máximo que dele se pode extrair, utilizando os preconceitos como um mecanismo para seleccionar ênfases, e esperar que a competição de constrições de percepção opostas seja capaz de iluminar alguma coisa. Do alto da minha intrigante conta à ordem no BPI, nem sobre isto tenho certezas, mas espero que tenha ficado bem claro que tenho um blogue.
E com isto, deixo-vos este fofo gatinho com um yarmulke na cabeça


16 comentários:

Anónimo disse...

Tens feito falta, Casanova.

margarida disse...

A casa agradece a preferência. Uma honra. Agora 'intrigante'? Nunca havia olhado para aquilo dessa forma. Curioso...
E olhar para as coisas por outro prisma e com outra profunidade (e interesse) é o que aprendo aqui.
Se já não houvesse escrito coisas, diria: sem palavras.
Assim, pesa-me a incoerência.

margarida disse...

Adenda: a foto do gato é um mimo.
(ou um miau?)

Anónimo disse...

O mea culpa preventivo é castiço mas o resto do texto não engana ninguém, percebe-se muito bem de que lado está. E não é o lado certo. É pena.

margarida disse...

E "atento", "o lado certo" é?...

Anónimo disse...

Eu não tenho problemas em escolher um lado, sou pela causa benfiquista e estou profundamente melindrado por este seu texto.

Anónimo disse...

Fiquei sem perceber se o Casanova é um sionista arrependido ou se está a tentar ser uma versão mais subtil da Helena Matos.
Ó atento, não queres explicar à getne?

Lourenço Bray disse...

Para além da solução de colocar música agradável na faixa de gaza (que transmiti ao obama), acho que o uso de animais engraçados para representar um e outro lado nas negociações de cessar fogo, seria outro caminho possível. Os israelitas podiam ser gatinhos e os palestianianos cachorros. Depois os líderes de um lado e de outro fingiam que eram o respectivo cão ou gato a falar sentados na mesa de negociações, fazendo vozes engraçadas e manipulando-lhes as patinhas em gestos assertivos, à semelhança de marionetas. «Meoww pára de enviar rockets!» «Woof Woof desmantela os colonatos!» «Meeoow se não páras com o terrorismo vou matar 100 cachorros palestinianos por cada gatinho isrealita que morrer fff» «GGRRrrr HAUF HAUF» (o pitbull do senhor do Hamas) «meow?» «GRRrrr HAUF HAUF!!»

É mais uma sugestão que faço.

Lourenço Bray disse...

O Casanova é um filo-semita anglófilo de direita, definição que engloba 75% dos 4 bloggers portugueses mais interessantes, o que não deixa de ser curioso, tendo em conta a pouca representatividade desde segmento entre a população portuguesa, particularmente, entre os benfiquistas. Penso que têm em comum com os judeus o gosto por suscitar o ódio das comunidades onde nunca se integram, é uma espécie de desporto nacional.

Lourenço Bray disse...

«querias este shabbat challalah quentinho não querias goy? andor...»

Anónimo disse...

Raios, escreva mas é uma opinao monosilabica e compreensivel para o meu cerebro privado de sono dormir há 60 horas consecutivas seu sodomita menchevique!

Ricardo disse...

Meu Deus...

Anónimo disse...

não li o texto, caguei, mas a foto (xunguice!) é gira.

Anónimo disse...

é impressão minha ou as pessoas são realmente mal educadas?

qual é o objectivo de se fazerem notar desta maneira ridicula?

Anónimo disse...

Ai, afinal isto é tudo tão relativo.
Há maus de um lado, mais maus do outro; gente que mata, gente que se mata e outros que morrem. Nada de especial, sempre foi assim e assim será. O homem é mesmo um animal, não é?
E afinal para quê chatearmo-nos?
A trabalheira:
primeiro, temos de nos informar; depois pensar um pouco sobre o assunto e tomar uma posição; e (cúmulo dos cúmulos) talvez fazer alguma coisa relativamente a uma situação que nem fomos nós que criámos.
Era o que nos faltava, com tantas questões fundamentais a ocupar-nos a consciência.
Como o Sporting, por exemplo.

Anónimo disse...

Devo concordar com este último comentário.
É irrelevante o massacre israelita a Gaza quando comparado com o papel determinante do 4x4x2 em losango de Paulo Bento na vitória sobre o Vitória de Setúbal à passagem da 13ª jornada da Liga Sagres.
Há que por os problemas nos devidos lugares.
Flávio