Esta listinha de probabilidades para o Nobel não envergonha ninguém, mas também não exalta propriamente a Ladbrokes. Pelo menos cinco dos nomes estavam mal grafados (dois foram entretanto corrigidos, embora os misteriosos Umberto Ecco e Antoni Tabucchi continuem lá), mas o mais grave é a quantidade de candidatos com odds tão baixas, o que sugere que estão a manter as bases todas cobertas e que, ao contrário do ano passado, quando a súbita escalada de Le Clézio denunciou um maroto em Estocolmo que desatou a enviar SMS aos amigos, ninguém faz a menor ideia do que se vai passar. Em abono da verdade, suspeito que se pedissem ao Times Literary Supplement para organizar uma lista de favoritos para a Grand National, o resultado não seria muito mais edificante.
Debrucemo-nos então sobre algumas pilecas improváveis:
Thomas Pynchon, 9/1 - As odds de 9/1 mais inexplicáveis desde que as mesmas foram atribuídas a um golo do Polga num jogo contra o Bolton aqui há 2 anos. Têm-se ouvido sugestões de que um americano poderia voltar a ganhar este ano, mas creio que o Jon Bon Jovi ou o Steven Seagal têm mais probabilidades do que Pynchon. Dois dos últimos três americanos a receberem o galardão foram citados, respectivamente, "for his impassioned narrative art which, with roots in a Polish-Jewish cultural tradition, brings universal human conditions to life" (Singer, 1978) e " (...) novels characterized by visionary force and poetic import, gives life to an essential aspect of American reality" (Toni Morrison, 1993). Pynchon escreve os melhores desenhos animados da literatura, mas sejamos sérios: ele nunca give life to essential aspects of reality na sua vida inteira.
Haruki Murakami, 9/1 - Um recente e preocupante acrescento às listas de favoritos (o ano passado, salvo erro, estava a 25/1). O que é que se passa com esta gente? Murakami é uma daquelas modas orientais, como o yoga ou o sushi, que aterram de repente em Londres e Telheiras e nunca mais de lá saem. O mais intrigante é que esta moda específica é brutalmente ocidentalizada: Murakami é um yakisoba de referências americanas (Carver, Philip K. Dick, jazz, film noir). Temos aqui uma pessoa a traduzir o Ocidente de volta a si próprio como um Babelfish demente, mas não temos um Edward Said local para meter ordem na situação. Os romances que dele li nunca foram menos nem mais do que moderadamente interessantes, embora sejam todos reféns daquela inventividade estéril, fraudulenta e sem humor, em que as coisas acontecem porque sim: um adolescente apreciador de jazz apaixona-se pela rapariga da loja de discos e vão os dois passear pela praia, onde são surpreendidos por um veterano de guerra filósofo e um gato falante, antes de passarem para outra dimensão, onde há unicórnios e chove bacalhau. Enfim, isto tem o seu charme, mas chamar "génio literário" a Murakami, como já li em dois jornais, é como chamar génio científico ao Lysenko.
Ko Un, 16/1 - O algoritmo selectivo da Academia Sueca pode também voltar a apontar para um poeta com um nome esquisito, o que já não acontece desde 1996. Ko Un é um poeta coreano, facto incontroversamente confirmado pela wikipedia: «He has written poems in almost every conceivable form on virtually every topic», o que prenuncia uma espécie de António Ramos Rosa com logogramas.
Ian McEwan, 100/1 - A carreira de McEwan está em ponto morto. A expansão anunciada por Atonement (um daqueles livros characterized by visionary force and poetic import, que gives life a toda uma panóplia de essential aspects) parece ter abrandado, mas a Academia nunca se preocupou muito com picos de forma. Mais problemático, para mim, é o facto de o próximo livro, que é mais ou menos "sobre" o Aquecimento Global, chegar tão perto do penúltimo, que era mais ou menos "sobre" a invasão do Iraque. Se isto continua por este caminho, ainda vamos ver o homem a escrever sobre a gripe suína ou o grande colisionador de hadrões, e eu prefiro-o a escrever sobre Dunquerque e crianças sociopatas. A perseguição febril ao tópico noticioso mais próximo pode correr bem, mas implica um risco desnecessário: o registo histórico, tal como a wikipedia, é actualizado a cada minuto; o tema evolui, mas o seu tratamento literário literal fica ali gravado no papel, sem se poder adaptar. Pode parecer uma excelente e ousada ideia na altura, mas o autor arrisca-se a tentar entrar na posteridade de calças à boca de sino. Vou de seguida enviar um mail sucinto ao Ian McEwan, expondo as minhas preocupações.
Paul Auster, 100/1 - É muito simples: no dia em que isto acontecer eu mato-me.
18 comentários:
Engraçado que li livros de Auster e Murakami pela primeira vez nos últimos meses e também me pareceram bastante peso-pluma.
Os problemas do Nobel da literatura são os conhecidos:
- escandinavos merecidamente obscuros nos primeiros anos
- aquele ano em que o júri se premiou a ele mesmo (o equivalente ao tesoureiro ir servir-se da conta da sociedade, que o prémio também é dinheiro - e muito)
- escolhas politicamente correctas nos últimos anos
- omissões escandalosas em geral
Mas o que me chateia mais é o prémio ter deixado de ser atribuído a filósofos e historiadores. Era das poucas vantagens que tinha sobre outros prémios puramente literários.
E há países que têm excelentes escritores, mas sem aquele perfil nobelizável de Grande Senhor da Literatura com intervenção pública humanista - e.g. a França. O Le Clezio seria dos poucos a encaixar no perfil. Fora ele, quem? Makine?
Mas então, não está já perfeitamente assente que o nobel da literatura é tão relevante como o concurso de jogos florais de Alhandra? Eu todos os anos ouço esta lengalenga em todo o lado por esta altura. E aquilo, afinal, não é uma capelinha desprezivel do “politicamente correcto” (se ouço mais esta expressão…)? Ah, e abriu a época do desagravo aos Grandes Esquecidos, entre os quais, aquele ceguinho gramático estiloso dos tigres e dos labirintos. E o Borges E o Borges E o Borges E o Borges E o Borges Ah pois E o Borges? Querem um antidoto para o sindroma do “Grande Senhor da Literatura com intervenção pública humanista”, como diz o Clibanarius? Tá aí o Murakami. Vamos estilhaçar isto tudo, ser politicamente incorrectos, mesmo politicamente incorrectos, sem meias tintas, e torcer pelo Murakami. "unicórnios e bacalhau" e all that jazz. Comparado com este, o Pynchon é um Grand Seigneur, um do panteão, um daqueles que importa abater. Vou mas é ler o Les Miserables, do Victor Hugo, três quilos de gloriosa literatura humanista ;). Gostam pouco, gostam…
O Nobel não é relevante, mas acho que no fundo todos gostaríamos que fosse, e que recompensasse a melhor literatura.
As lamúrias quanto aos Grandes Vultos esquecidos são irritantes, admito, até porque alguns dos Grandes Vultos esquecidos mais citados morreram antes da sua obra ser devidamente reconhecida. Não que isso seja desculpa para a Academia sueca, que faz disto profissão, agora que penso nisso.
Querem um antidoto para o sindroma do “Grande Senhor da Literatura com intervenção pública humanista”?
Ai isso é que queremos. Houellebecq para o Nobel já.
Não me posso deixar de referir a Murakami que é, provavelmente, o meu escritor favorito da actualidade.
O que me fascina neste autor é o surrealismo alucinante da sua escrita. Talvez seja uma moda, talvez seja produto de uma enorme máquina de venda, mas a verdade é que os seus romances são, a meu ver, geniais.
Se merece ganhar ou não um Nobel? Não sei. Não conheço os critérios de atribuição do prémio e não li tanto que conheça com profundidade o que se vai escrevendo por aí.
Cumprimentos,
Filipe de Arede Nunes
Quando é que isso se decide? Se calhar já não vou a tempo de mandar para lá um manuscrito.
dessa lista, o meu dinheiro estaria no Philip Roth, mas pela sequência é mais provável que ganhe um preto este ano do que um judeu. O ano passado foi o francês, há dois anos foi a vez da mulher ganhar.
Quantos pretos há na lista? Às vezes não dá para ver pelo nome.
Clibanarius, o nobel nao é relevante, mas gostariamos que fosse? Isso é o mesmo que dizer que o entrecosto grelhado nao é interessante, mas gostariamos que fosse. E porquê o Houellebecq? Muito mainstream. Mais um mergulho nas profundezas negras da alma, etc. Ali o Tolan também esteve bem no género, a propósito.
Pedro
Houellebecq merece-o pela inovação. O Paul Auster também me parece bem.
Clibanarius, o nobel nao é relevante, mas gostariamos que fosse?
Se calhar não devia ter utilizado o plural. Falando por mim, achava engraçado que isto da literatura fosse como uma competição desportiva, e que quem ganhasse o Nobel fosse o campeão - sem precisar de ajuda da arbitragem.
Disse Houellebecq no gozo. Pessoalmente, preferiria que ganhasse um ensaísta e/ou historiador.
E eu não gosto de entrecosto. É só ossos.
Eu gosto de ossos, mas hão-de ser cozidos, simplesmente, como se fazia na Democrática, em Coimbra. E onde é que anda o gerente disto, que não vem conversar com os clientes?
Pedro
Herta Müller
Mais uma vez fuga de informação que o site de apostas sugeria (passou de não sei quantos para 3/1 ontem).
Ganhou a mulher outra vez.
Gostava de ver a Herta sentada ao lado do Saramago na cerimónia. Podiam falar da Roménia comunista e recordar bons e maus velhos tempos.
E onde é que anda o gerente disto, que não vem conversar com os clientes?
A escrever o Grande Romance Português?
Hilary Mantel, Herta Muller. O ano das mulheres ou da H&M? E aconselham-se? nunca li...
O dono da tasca cada vez liga menos à clientela, o que nos vale são as conversas aqui ao balcão, com os outros clientes.
TODA A GENTE SABE (OU DEVERIA SABER) QUE O NOBEL NÃO É UM PRÊMIO LITERÁRIO. ELES (NÃO SEI QUEM SÃO, MAS SEI QUE NÃO PRESTAM) GERALMENTE ENTERRAM O NOBEL (E O MILHÃO DO NOBEL) NO CU DE QUEM NÃO CONSEGUE ESCREVER MEIA PÁGINA GENIAL SEQUER. DAR UM PRÊMIO LITERÁRIO AO CAMUS (1957), AO WINSTON CHURCHILL (1953), À PORRA DO HERMANN HESSE (1946), AO JOSÉ SARAMAGO (1998), AO GÜNTER GRASS (1999), AO ORHAN PAMUK (2006), AO LE CLÉZIO (2009). PUTA MERDA, VÃO TOMAR NOS SEUS RESPECTIVOS CUS. NÃO ME SURPREENDERIA NADA QUE O PAULO COELHO, O BILL CLINTON E O LOBO ANTUNES ENTRASSEM NESSA LISTA DE MERDAS.
E eu dou-te a pistola ou as lâminas de barbear (Gillette de última geração, com vibração e 5 lâminas; impossível falhar - corte vertical)
O júri de Castelo Branco atribui 10 pontos à prestação do "Nome", pelo arrojo vocal e coreográfico.
A Eurovisão está no papo.
vergonha deste país e do rídiculo atroz destes ignorantes, o maior deles todos é sem dúvida o "nome"
Fixe o post. Concordo totalmente com a cena do Auster, mas uma vez vi um filme dele que até gostei... É giro este semi-fanatismo em torno dos autores, e do reconhecimento que merecem ou não. Obviamente tenho opiniões que gosto de ver expressas por outros, faz-me sentir "comunidade", achei fatela o nome não gostar do Le Clezio e desprezar o Lobo Antunes, mas sorrio a ver outras opiniões favoráveis a autores de que gosto. Enfim, efeitos espelho e gestão da diferença, os nossos gostos são únicos, etc...
Também me irrita a questão destes art-worlds que se constroiem longe das pessoas, que controlam sem querer os mercados e os planos das editoras, e tudo isso. Mas, parece-me que na literatura há sempre um mas, se não fosse pelo Nobel nunca teria lido o Heinrich Boll, nem a Lessing agora que penso nisso...
Bom, vale o que vale
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