domingo, dezembro 31, 2006

2007 - epígrafe

You may not be interested in absurdity, but absurdity is interested in you.

(Donald Barthelme, «Shower of Gold», 60 Stories)

Feliz 2007

sábado, dezembro 30, 2006

Hotel Noctámbulo



«He found a ramshackle old hotel a block square, the Hotel Noctámbulo, where insomnia prevailed. In each room, somebody was staying up working at some impossible midnight project - a mad inventor, a gambler with a system, a preacher with an only partly-communicable vision. Doors were left unlocked, strangers acted for the most part like neighbors, everybody free to roam each others' units.»

(Thomas Pynchon, Against the Day)

Os Três Estigmas de Patrick Stewart

A esta hora, algures no oitavo círculo do Inferno, segurando a sua cabeça mirrada nas mãos como um cinescópio defeituoso, está o responsável pela programação televisiva na quadra natalícia. Desconheço o panorama em Portugal, mas parece-me claro que as estações britânicas caíram nas mãos de elementos subversivos, empenhados em virar o Reino do avesso.
Porque o efeito da má televisão, ao contrário do que fomos habituados a pensar, não é soporífero, mas sim estimulante. A apatia não se instala. Há antes uma gradual acumulação de repulsas que culmina numa torrente escandalizada de pronomes pessoais e demonstrativos: "eles julgam que eu vou ficar horas a fio a olhar para isto?". O problema é que, frequentemente, eles têm toda a razão. Por motivos que têm pouco a ver com escolhas e tudo a ver com uma conspiração geométrica, fiquei mais horas em frente do televisor na última semana e meia do que no resto do ano (excluindo a altura do Mundial). E o meu sangue fervilha de indignação.
Em sociedades modernas e democráticas como o Reino Unido, são raros os motivos capazes de levar cidadãos funcionais a considerar levantamentos e insurgências; mas quatro horas seguidas daquilo e comecei a escrever panfletos marxistas na minha cabeça. Ao segundo dia já erguia cadafalsos para a família Real em Leicester Square. Precisava urgentemente de bodes expiatórios, de cordeirinhos sacrificiais. Quem é que escolhe estas coisas?
Mais importante ainda: quem é que me explica a ubiquidade de Patrick Stewart, esse Ben Kingsley dos pobres? Foi quase impossível usar o telecomando sem esbarrar na sua solene redoma cranial, em pleno processo de imitar um boneco de cera a imitar outro boneco de cera a imitar personagens literárias. No Channel 5, coxeava electricamente pelo casco do Pequod. Na BBC2, entretinha-se a maltratar o pobre Bob Cratchitt. A 3ª aparição demorou mais tempo a identificar. Heathcliff? Popeye o marinheiro? (Era ele próprio, afinal, respondendo a perguntas num talk-show).
A reputação adquirida por Stewart - o apodo de "instituição britânica" tornou-se já um cliché jornalístico - deixa-me estupefacto, e só o consigo explicar recorrendo a três factores assumidamente exóticos:
- a sua dicção precisa, aliada a uma voz que parece ser sorvida do exterior através de uma palhinha. Tem antecedentes, este maneirismo (Charlton Heston, por exemplo) mas Stewart galgou patamares e está a fazer escola: por vezes, é como se estivéssemos a ouvir Moisés com um silenciador enroscado na boca;
- a calvície total, que lhe confere uma estranha dignidade musculada; esta atribuição quase automática, da qual também beneficiaram Yul Brynner, Telly Savalas e o já citado Ben Kingsley é cruelmente negada aos calvos parciais, com os seus tufos, borbotos e comb-overs;
- a total ausência de carisma. O seu rosto - rigorosamente purgado de quaisquer sugestões de vida - é o ideal platónico de uma tabula rasa. O que talvez tenha sido interpretado por alguns realizadores como uma ilusória vantagem - permitindo-lhes trabalhar um sem-número de emoções. Obviamente, isto não é possível, tal como não é possível escrever a giz num quadro branco.
Estas percepções, no meio de uma insónia aparentemente incurável, são aflitivas. A partir de uma dada altura, como na psicadélica fábula Dickesca, os estigmas de Stewart pareceram propagar-se como cogumelos perigosos. Oito Patrickzinhos rodopiando pelos Alpes. Um Patrick de lata conversando animadamente com um Patrick de palha ao longo da estrada do tijolo amarelo.
Em pânico, virei-me para tradições ainda mais antigas. Na BBC1, e em horário nobre, Sua Majestade, envergando uma elegante cortina-de-noite, ocupava-se do tradicional discurso de Natal, com o vigor anacrónico de um druida gaulês colhendo o visco no meio da auto-estrada. Rodeada de crianças, lembrou-nos a importância de um diálogo contínuo entre gerações. Havia algo de errado com as suas sobrancelhas, contudo, e a sua voz parecia ser sorvida através de uma palhinha, etc, etc, etc.

sexta-feira, dezembro 29, 2006

O Valencia!



Eles são feios e desajeitados. A letra é das mais patetas desde 'Wave of Mutilation'. Estas coisas ajudam.
'O Valencia!', dos Decemberists: a canção pop mais contagiante de 2006.

"I Am a Bad Ass Matador"



Misheard Lyrics

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Work in progress

“I’ve taken to carrying a large handkerchief around. I have a theory that, if everyone were to stop using electric blowers and paper towels to dry their hands, the planet would be saved. Trouble is, I do dry my hands on it, and I put it back in the handbag, and everything else gets damp. And if it’s forgotten about, mildew can set in. What to do? It’s a work in progress.”

- Margaret Atwood, em entrevista.


(Pequena amostra do que se pode encontrar nesta compilação, feita por John Dugdale, dos mais divertidos momentos do ano literário. Uma leitura integral é altamente recomendável.)

O livro do ano


Por inesperadas dificuldades logísticas, a distinção aplica-se apenas às primeiras 780 páginas. As restantes serão provavelmente as melhores de 2007, mas isso é outra conversa.
Já agora, vale a pena ler isto:

«(...) But the size and sprawl of Pynchon's canvas proceed from an impatience with the limits of the novel form, and an ambition to hunt bigger game than the mere symbolic enactment of epochs and ideas through the collision of a handful of lives. The unstoppable proliferation of every kind of situation comes in part from a compulsion to keep himself and the reader entertained, but it is also wolfsbane nailed up against the possibility of reductive interpretation. (...) Pynchon thinks on a different scale from most novelists, to the point where you'd almost want to find another word for the sort of thing he does, since his books differ from most other novels the way a novel differs from a short story, in exponential rather than simply linear fashion. Pynchon's work has absorbed modernism and what has come after, but in its alternating cycles of jokes and doom, learning and carnality, slapstick and arcana, direct speech and poetic allusiveness, high language and low, it taps into something that goes back to the Elizabethans, who potentially addressed the entire world, made up of individuals with differing interests and capacities.»

Luc Sante, na New York Review of Books. De longe, a melhor crítica do livro que li até agora (e li 14). É assim que se lê e é assim que se faz.

Filmes do ano


Não fui ao cinema vezes suficientes em 2006 para elaborar um top-ten honesto (o exemplo mais ilustrativo da minha decadente cinefilia: não consegui ainda arrastar-me do sofá para ir ver The Departed). De qualquer forma, nada tenho a acrescentar à opinião quase consensual - A History of Violence, seguido de eteceteras com maior ou menor discernimento.
Mas queria mencionar dois filmes que, salvo erro, ainda não estrearam em Portugal: o brilhante documentário The Bridge, de Eric Steel, sobre os suicidas da Ponte de São Francisco; e sobretudo Pan's Labyrinth, o novo filme de Gillermo del Toro. O género (em linguagem de cartaz: "conto-de-fadas para adultos") é um que costumo evitar como se evitam os cães hidrófobos, e no qual não vejo nada com interesse para aí desde Beetlejuice, mas que me parece ter finalmente produzido uma obra-prima inquestionável. Um filme, aliás, que deveria levar Tim Burton - o Tim Burton responsável por Big Fish, esse ultraje, essa indecência celulóide - a cometer suicídio ritual em praça pública, de preferência esventrando-se com um par de tesouras enferrujadas.

segunda-feira, dezembro 25, 2006

A melhor prenda


Bastou-me ver o título para decidir que a concorrência tinha sido pulverizada. Uma brevíssima consulta inicial pareceu confirmar essa impressão: tenho aqui brinquedo para muitas horas. Há capítulos sobre anagramas, cronogramas e lipogramas. Dúzias de puzzles carrolianos. E cheira a chocolate, o livro, juro que cheira. Tudo será aqui revelado em Janeiro.

(Queria também aproveitar este momento para dizer que tenho aperfeiçoado bastante uma arte na qual apresentava notórias deficiências: a de agradecer com insuspeita sinceridade presentes indecentemente mal escolhidos. Em quadras natalícias não muito longínquas, por mais gengiva que mostrasse, por mais suspiros de satisfação que conjurasse, havia sempre uma tia suficientemente perspicaz para adivinhar que aquele par de meias azuis estaria no contentor da reciclagem antes do Dia de Reis. Mas esta noite, por exemplo, consegui manter um sorriso durante 10 heróicos segundos, mesmo depois de ter sido submetido ao desembrulhar de um cd dos Coldplay. E só reparei que o sorriso vinha acompanhado por um ruidoso e violento ranger de dentes quando alguém me perguntou, com um ar muito preocupado, se eu estava com frio.
Mas não posso deixar de levantar a questão: o que é que leva um ser humano aparentemente racional a dirigir-se a uma loja de música, a sair de lá com o Rush of Blood to the Head, a enfiá-lo num pacotinho colorido, e a aplicar-lhe uma etiqueta autocolante com o meu nome?
Assim se azedam consoadas e se perdem amizades, em menos tempo do que leva a gemer "oh take me back to the start".)

Down with the crucifix and up with the bonnet

«The radio was playing 'Easter Parade' and I thought, But this is Jewish genius on a par with the Ten Commandments. God gave Moses the Ten Commandments and then He gave to Irving Berlin 'Easter Parade' and 'White Christmas.' The two holidays that celebrate the divinity of Christ -- the divinity that's the very heart of the Jewish rejection of Christianity -- and what does Irving Berlin brilliantly do? He de-Christs them both! Easter he turns into a fashion show and Christmas into a holiday about snow. Gone is the gore and the murder of Christ -- down with the crucifix and up with the bonnet! He turns their religion into schlock. But nicely! Nicely! So nicely the goyim don't even know what hit 'em. They love it. Everybody loves it. The Jews especially. Jews loathe Jesus. People always tell me Jesus is Jewish. I never believe them. It's like when people used to tell me Cary Grant was Jewish. . . . Jews don't want to hear about Jesus. And can you blame them? So -- Bing Crosby replaces Jesus as the beloved Son of God, and the Jews, the Jews, go around whistling about Easter! And is that so disgraceful a means of defusing the enmity of centuries? Is anyone really dishonored by this? If schlockified Christianity is Christianity cleansed of Jew hatred, then three cheers for schlock. If supplanting Jesus Christ with snow can enable my people to cozy up to Christmas, then let it snow, let it snow, let it snow!»

-Philip Roth, Operation Shylock.

(Dos tempos em que Roth fazia a melhor sitting-down-stand-up-comedy do planeta. Porque isto provavelmente não merece um post à parte, permitam-me um curto desabafo: as tardias grinaldas críticas que choveram sobre Philip Roth depois da chamada "Trilogia Americana" foram inteiramente merecidas. Mas parece-me tão óbvio que as suas obras-primas são Sabbath's Theater, este Operation Shylock e sobretudo The Counterlife, que chego a pensar que os que preferem as mais sisudas e solenes Pastorais e Manchas Humanas são um pouco como os fãs de Dylan que acham que «Lay, Lady Lay» é a sua melhor canção. O que, convenhamos, é perceber o homem ao contrário. Pronto, era só isto.)

Ah, the silly season

Gostaria muito de escrever um post no qual não me limitasse a dizer que tenho saudades de escrever as minhas iniciais com canela num prato de arroz doce, de ler o Blitz no metro, de ir ao Bairro Alto em Dezembro, e de ver jogar o Pedro Barbosa, mas infelizmente, e dadas as circunstâncias, isso não vai ser possível.

sábado, dezembro 23, 2006

Mensagem de Natal da Pastoral Portuguesa

jollymerry
hollyberry
jollyberry
merryholly
happyjolly
jollyjelly
jellybelly
bellymerry
hollyheppy
jollyMolly
marryJerry
merryHarry
hoppyBarry
heppyJarry
boppyheppy
berryjorry
jorryjolly
moppyjelly
Mollymerry
Jerryjolly
bellyhoppy
jorryhoppy
hollymoppy
Barrymerry
Jarryhappy
happyboppy
boppyjolly
jollymerry
merrymerry
merrymerry
merryChris
ammerryasa
Chrismerry
asMERRYCHR
YSANTHEMUM


- Edwin Morgan, «The Computer's First Christmas Card», 1968

(Faço minhas as palavras do poeta laureado de Glasgow: desejo um santo e feliz crisântemo a todos. Sejam boas pessoas.)

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Everything had to form a pattern

«. . . Miss Lonelyhearts found himself developing an almost insane sensitiveness to order. Everything had to form a pattern: the shoes under the bed, the ties in the holder, the pencils on the table. When he looked out of a window, he composed the skyline by balancing one building against another. If a bird flew across this arrangement, he closed his eyes angrily until it was gone.
For a little while, he seemed to hold his own but one day he found himself with his back to the wall. On that day all the inanimate things over which he had tried to obtain control took the field against him. When he touched something, it spilled or rolled to the floor. The collar buttons disappeared under the bed, the point of the pencil broke, the handle of the razor fell off, the window shade refused to stay down. He fought back, but with too much violence, and was decisively defeated by the spring of the alarm clock.
He fled to the street, but there chaos was multiple. Broken groups of people hurried past, forming neither stars nor squares. The lamp-posts were badly spaced and the flagging was of different sizes. Nor could he do anything with the harsh clanging sound of street cars and the raw shouts of hucksters. No repeated group of words would fit their rhythm and no scale could give them meaning.»


(Nathanael West, Miss Lonelyhearts)

Nathanael West

No mesmo fim-de-semana, em 1940, morreram dois dos grandes escritores americanos do século XX. No dia 21 de Dezembro, F. Scott Fitzgerald sucumbia a uma sucessão de ataques cardíacos. No dia seguinte, devastado com a notícia, o seu amigo e parceiro no charco de Holywood, Nathanael West (que era um péssimo condutor nas melhores circunstâncias), passou um sinal vermelho e embateu de frente noutro automóvel. Teve morte imediata. O autor de O Grande Gatsby, apesar dos altos e baixos da sua carreira, era já uma figura respeitada; teve direito a louvores de primeira página, e a um funeral enfeitado com os piadismos monossilábicos de Dorothy Parker. Já o obituário de West apareceu apenas na secção de cinema do NY Times; escreveram-lhe o nome ao contrário e atribuíram-lhe uma bibliografia pejada de incorrecções.
Os títulos dos seus romances são: The Dream Life of Balso Snell, Miss Lonelyhearts, A Cool Million e The Day of the Locust. Há uma edição muito boa da Picador que inclui os quatro. A contracapa inclui o lugar-comum da praxe: West "traçava panoramas satíricos da América" ou coisa parecida, o que, diga-se, não é totalmente descabido. O conjunto da sua obra é o que a literatura americana teve de mais parecido - em espírito e execução - com um Almas Mortas. Mais honesta, contudo, seria uma frase deste género: «West escreveu sobre o Inferno. Por conveniência, deu-lhe o nome de Los Angeles e povoou essa topografia com pintores frustrados, editores cínicos e actrizes desempregadas, mas o fedor a enxofre é inconfundível.» Como os melhores escritores, limitou-se a "traçar panoramas" do interior da sua cabeça e dos fantasmas que lá uivavam. A sua tentacular influência nota-se em Burroughs, em Ballard, em Pynchon, em DeLillo.

Na sua juventude, Nathanael West devorava literatura russa, tendo treinado um bull terrier para morder qualquer pessoa que o interrompesse quando tinha um livro na mão. Um esquema semelhante para a leitura da sua obra não é de todo desaconselhável.

Happy Birthday Mary of the Castle



No dia de anos da minha mãe, aqui fica a sua canção preferida, cantada pelas suas duas vozes preferidas, em exclusivo no seu blogue preferido.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Hoje ouve-se


Gypsy gal, the hands of Harlem
Cannot hold you to its heat.
Your temperature's too hot for taming,
Your flaming feet are burning up the street.
I am homeless, come and take me
Into reach of your rattling drums.
Let me know, babe, all about my fortune
Down along my restless palms.

Gypsy gal, you got me swallowed.
I have fallen far beneath
Your pearly eyes, so fast and slashing,
And your flashing diamond teeth.
The night is pitch black, come and make my
Pale face fit into place, ah, please!
Let me know, babe, I'm nearly drowning,
If it's you my lifelines trace.

I been wonderin' all about me
Ever since I seen you there.
On the cliffs of your wildcat charms I'm riding,
I know I'm 'round you but I don't know where.
You have slayed me, you have made me,
I got to laugh halfways off my heels.
I got to know, babe, will you surround me?
So I can know if I'm really real.


(Bob Dylan, «Spanish Harlem Incident», Another Side of Bob Dylan)

- Nota 1: Tenho por experiência que este é um dos patinhos feios nas prateleiras dos Dylanófilos. Quem prefere o folk-hero tem tendência a gostar mais dos dois álbuns precedentes. Quem prefere o génio musical no topo da montanha prefere - e com toda a razão - as três escandalosas explosões de talento que se seguiram. Blood on the Tracks é eleito apenas pelos Dylanistas de ocasião, ou por aqueles que chegam tarde ao oásis, enquanto que os verdadeiros fanáticos - os que têm apertos-de-mão secretos e a frase 'Dylan is God' carinhosamente tatuada nas omoplatas - tendem a perder-se por uma das pérolas secundárias, negligenciadas pelos zeladores do cânone, como New Morning ou Street Legal. Mas Another Side é um álbum que revisito constantemente, e que contém pelo menos 5 obras-primas: «My Back Pages» (que entra em qualquer lista honesta das 10 melhores canções de Dylan), «Chimes of Freedom», «Black Crow Blues», «It Ain't Me, Babe» e este «Spanish Harlem Incident», que tenho ouvido num obsessivo e inexplicável repeat desde segunda-feira.
Há aqui uma atitude de "baza lá fazer um disco" que se nota a léguas e que me agrada muito. O álbum foi gravado em Nova Iorque, numa única sessão nocturna, regada, segundo relatos de participantes, com algumas garrafas de Beaujolais. Lirica e musicalmente, são canções de transição. Para trás tinha ficado a intervenção social e a "finger-pointing music". A exuberante polifonia eléctrica estava ainda a alguns meses de distância, e a fase evangélica a alguns anos. Another Side é, acima de tudo, descontraído, liberto daquele brilhantismo quase opressivo, de quem sente que está a fazer História. Não há mensagem, nem profecia, nem um redesenhar dos mapas. Este, in more ways than one, é o meu Dylan.

-Nota 2: alguém me disse um dia que José Figueiras tinha cometido uma versão desta música nas sessões de estúdio do «Rock Tirolês», e que estava apenas à espera do momento certo para lançar o caos na vida pública portuguesa. Por favor, digam-me que sonhei este pedaço de trivia numa das minhas raras e efémeras vitórias sobre a insónia.

The Motorola Christmas 'Fuck You' Interactive Russian Roulette Extravaganza

É o novo fenómeno que está a assolar o Reino Unido, e quando escrevo "Reino Unido" estou a referir-me ao meu pub local. O conceito é simples, e inegavelmente imbecil: escrever 'fuck you' numa mensagem de texto, aceder à agenda do telemóvel e ir premindo o botão rapidamente e sem olhar, deixando o acaso escolher o destinatário. O meu amigo Hunter diz que a ideia foi dele, mas a sua credibilidade nestas coisas é no mínimo duvidosa (estamos a falar de alguém que continua a reclamar crédito pelo formato 'Big Brother'). Quantos suicídios sociais não terão sido cometidos esta semana nas sombrias cabines do Queen's Arms?
Não sei para onde caminha a Humanidade, mas os presságios são cada vez mais aterradores.

(As minhas sentidas desculpas a quem recebeu o sms ontem à noite; garanto que não foi nada pessoal.)

Jornalismo consciente

«The Economist lays down clear rules for its journalists. An envelope stuffed with cash, much less a $240,000 contract, would be inappropriate. Any gift, says the policy, must be consumable in a single day. So a bottle of wine is acceptable, a case of wine is not.»

'The Etiquette of Bribery', uma das pérolas no imperdível bumper issue de Natal da segunda melhor revista do mundo.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Blogues 2006 - prémios

- Melhor piada sobre pesquisas no google reveladas pelo sitemeter: esta.

- Melhor post sobre higiene pessoal: este.

- Melhor uso da frase «...the waters of the mighty Congo rushing through Coimbra»: aqui.

- Melhor análise da futura obra musical de um judeu canadiano realizada sob uma perspectiva Feng shui: esta.

- Melhor biografia concisa não-autorizada e multi-usos: esta.

- Série de posts mais inesperada: esta (primeiro de cinco).

- Prémio Especial "Derrida is Alive and Well and Shagging Molly Bloom" para este.

- Prémio Especial "Agora Faz o Mesmo com o Livro da Carolina" para este.

. . . Ainda uma menção muito pouco honrosa para este blogue, que alia um gosto musical inimpugnável ao patrocínio mais duvidoso da blogosfera (sem ofensa). Cada vez que acedo à página, há uma janelinha pop-up que teima em sugerir-me uma partida de online poker. Como se eu não tivesse já problemas que cheguem.

Treze formas de olhar para um blogue

I
Entre vinte montanhas nevadas
A única coisa movendo-se
Era o olho do blogue.

II
Eu tinha três almas
Como a árvore
Em que há três blogues.

III
Os blogues rodopiaram nos ventos outonais.
O que era uma pequena parte da pantomima.

IV
Um homem e uma mulher
São um.
Um homem e uma mulher e um blogue,
São um.

V
Não sei que preferir -
A beleza das inflexões
Ou a beleza das insinuações,
O blogue que gorjeia,
Ou o depois.

VI
Pingos de gelo enchiam a vasta janela
De vidro bárbaro.
A sombra do blogue
Cruzava-a, de cá para lá, de lá para cá,
A situação
Traçava uma sombra
Um curso indecifrável.

VII
Ó homens magros de Haddam,
Porque imaginais pássaros de ouro?
Não vêdes como o blogue
Passeia à volta dos pés
Das mulheres à vossa volta?

VIII
Sei de nobres tons
E de lúcidos inescapáveis ritmos;
Mas também sei
Que o blogue está envolvido
No que eu sei.

IX
Quando o blogue desapareceu da vista,
Marcou o limite
De um de vários círculos.

X
À vista de blogues
Voando na luz verde
Até os alcoviteiros da eufonia
Gritariam desafinados.

XI
O homem atravessou o Connecticut
Num coche de vidro.
Uma vez, um terror o trespassou,
E foi quando tomou
A sombra dos cavalos
Por blogues.

XII
O rio move-se.
O blogue deve estar a voar.

XIII
Foi entardecer toda a tarde.
Nevava
E estava a ponto de nevar.
O blogue pousado
Nos ramos do cedro.

(Wallace Stevens, «Thirteen ways of looking at a blog», na tradução de Jorge de Sena)

terça-feira, dezembro 19, 2006

Dude


(A piada da Time vem com nove anos de atraso)

Consolo equestre (2)

Consolo equestre (1)

«Hoje, 7 de maio, corridas de cavallos no hippodromo de Belem.
Um premio foi disputado por quatro cavallos, um foi disputado por tres, outro por dois, e o ultimo finalmente por um cavallo só. Este cavallo partiu correndo vertiginosamente atraz de si mesmo, e desenvolveu tal ardôr e tal velocidade que chegou á meta, no meio das ovações e dos applausos geraes, passando adiante de si proprio!
Nota-se esta curiosa influencia do premio do governo, do premio de el-rei, e do premio do Club, sobre o desenvolvimento da raça cavallar:—quanto mais premios se distribuem menos cavallos ha.
Se a instituição se mantem por dois ou tres annos mais, é-nos licito acariciar a esperança de que terminaremos por não haver cavallo nenhum, e teremos ainda o gosto de ver o primeiro dos sportmen que figuram no programma da presente corrida, o ex.'mo sr. Galileo, acabar por percorrer a pista montado no seu telescopio.»

(Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, As Farpas, Maio 1877)

Examen de la obra de Britt Marie Mattsson

segunda-feira, dezembro 18, 2006

O Vermelho e o Negro

Filipe Guerra tem um blogue. Desde Fevereiro. Vai-se agravando a incómoda sensação de que sou sempre o último a saber estas coisas. Aos outros néscios, deixo aqui uma amostra do que temos andado a perder:

"A sadder and wiser man"


Os dois cavalinhos menos votados pelos leitores do "Pastoral Portuguesa" chegaram nos dois primeiros lugares. Apenas duas pessoas acertaram no nome do vencedor - 'Magical Music' - e uma delas fui eu, demonstrando um rasgo intuitivo que decidi ignorar em benefício da sabedoria maioritária. 'Where's Broughton', o favorito dos bookies, e o mais votado por vocês, chegou em quarto lugar. Retirem daqui as ilações que entenderem. Ao vivo, em tempo real, foi tudo muito triste.
Mas o importante nestas situações é não desanimar. Interpretei a calamidade como um sinal do Senhor para consultar imediatamente o boletim da corrida seguinte (a das 16:05), e eis que nele descubro um cavalinho chamado 'Coleridge'. As piscadelas do Olho Divino não assumem proporções mais retumbantes.
Ignorando os meus melhores instintos, bem como um longo historial de desaires com o inepto jockey Eddie Ahern, que é pessoalmente responsável por eu não morar em Chelsea, e cujo nome é um apropriadíssimo anagrama para 'Dead in here', investi uma pequena fortuna no sucesso de 'Coleridge', na firme convicção de que a Literatura nunca me deixaria ficar mal.
Alheia aos meus gritos de incentivo na bancada (devo ter berrado uns doze versos diferentes do Ancient Mariner) uma das piores simbioses entre o Humano e o Equídeo que já tive o desprazer de observar deu-me uma lição inteiramente merecida. Duvido que o outro Coleridge, num dos seus torpores opiáceos, conseguisse um desempenho pior. Se alguém tiver conhecimento de um poema (Larkin, Betjeman?) que capture o pathos de apanhar um táxi para o recinto e um autocarro para o regresso a casa, agradecia que o partilhasse.
E agora, se me dão licença, há uma lista de compras de Natal que precisa urgentemente de ser revista.

domingo, dezembro 17, 2006

S.F.F. (actualização)

Agradecemos aos que aqui passem até às 13h de amanhã (segunda-feira) que tomem parte numa importante experiência sociológica: escolham um ou dois cavalinhos da lista ali do lado. O departamento legal do "Pastoral Portuguesa" assegura todos os participantes que nenhuma lei portuguesa será violada.
Um voto por pessoa, obviamente. Sejamos sérios.

Metabloggers don't do it at all

Impus-me a seguinte tarefa: escrever um post assumidamente confessional sobre o meu jantar de ontem, que não ocupasse mais de seis linhas, e que incluísse o nome de um restaurante sofisticado, uma rapariga identificada apenas por uma inicial, uma 'self-deprecating joke', e uma generalização profunda sobre a Vida. Infelizmente, esta supérflua explicação prévia deixou-me sem espaço para mais nada, e o post vai ter de acabar assim, sem jeito nenhum, um pouco como o jantar.

Cada um tem as celebridades que merece

O Pedro Mexia passeou por Londres, esteve ombro a ombro com o Thom Yorke e pediu um autógrafo a Clive James.
Eu fui até Birmingham, comprei um par de chinelos, e cruzei-me com o guarda-redes suplente do Aston Villa.

Uns e os outros

Há dois tipos de pessoas:
- os que vão seguir este link, fazer um copy-paste do respectivo texto para um ficheiro do Word, formatá-lo condignamente (Verdana, tamanho 10; single-spaced; margens largas, onde caibam notinhas e pontos de exclamação), imprimi-lo, e lê-lo enquanto confortavelmente instalados num sofá;
- os que não vão fazer nada disto.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Sitemeter - relatório


Look on my stats, ye mighty, and despair

Uma dermatologista solteira de Long Island chegou ao "Pastoral Portuguesa" procurando uma receita de tarte de coco. Um adolescente de Tavira, que costuma ler na íntegra todos os blogues que mencionem o filme Fitzcarraldo, saiu ao fim de 5 minutos. Em Antananarivo, um casal de antropólogos introduziu no google os termos de pesquisa "pistolas" e "relógio de cuco", por motivos que nada tinham a ver com pistolas ou relógios de cuco. Um assistente de pesquisa da Rádio Nacional Holandesa, encarregue de preparar uma curta nota biográfica sobre Giacomo Casanova, passou aqui 13.4 atónitos e irrecuperáveis segundos. Nas Filipinas, um veterinário católico em busca de consolo confundiu o blogue com uma nota pastoral. Dois amigos desempregados de Estocolmo decidiram seguir os links aleatórios na barra de navegação até encontrarem um template azul ou um blogue cujo nome começasse por 'P'. Em Joanesburgo, um professor de Geografia leu os arquivos de Outubro enquanto comia um profiterole. Um estudante de Direito em Coimbra seguiu, mais por indolência do que por curiosidade, um enlace no blogue "Seta Despedida". Um espião búlgaro convencido do colapso iminente da Civilização recolheu informações sobre o trabalho de Sadi Carnot, mas não conseguiu distinguir as verdades das mentiras. Um empresário bracarense ponderou abandonar a sua esposa de 30 anos após ter lido uma citação de Bellow, mas mudou de ideias quando voltou a lê-la com mais atenção. Em Cascais, alguém viu o clip de Spike Jones dezoito vezes seguidas na mesma noite em que decidiu deixar de fumar. Num cibercafé em Torremolinos, um turista alemão riu-se muito alto, atraindo alguns olhares carrancudos.

James Wood

He reads, he thinks, he scores. Não sei se já vos disse: eu adoro este homem.

An Inverted Pyramid of Piffle

Parem os relógios, cortem o telefone e impeçam o cão de ladrar com um osso apetitoso: o incomparável Boris Johnson volta hoje a apresentar um episódio de Have I Got News For You, depois de ter sido alegadamente impedido pela liderança do partido (ainda nos tempos de Howard, creio) de o voltar a fazer. É às 21h na BBC1.
Os responsáveis pela edição futura do Oxford Book of Funny Political Quotes já estão todos em estado de alerta máximo.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Yo La Tengo & Hal Hartley

O Auto-Retrato antecipou-se e fez algo que eu já devia ter feito há muito tempo (tenho o clip nos Favoritos há quase dois meses).
Quero apenas acrescentar um facto que, por decoro ou distracção, a Susana não menciona: «From a Motel 6» é recomendada pela Ordem dos Médicos como fazendo muito bem à saúde.

(A propósito de saúde, os Yo La Tengo têm uma versão espantosa do «Andalucia» de John Cale (vem no álbum Fakebook). Se alguém tiver uma gravação ao vivo da canção que possa partilhar através do YouTube, tem aqui um amigo para a vida inteira.)

Se isto é um livro

Numa Waterstones em Staffordshire, vi hoje o If This is a Man do Primo Levi arrumado na estante da 'Ficção', certamente que por descuido ou desconhecimento. Mas suponho que numa hipotética Waterstones em Teerão isto faria todo o sentido.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

A pedido de muitas famílias portuguesas. . .



. . . antecipou-se para hoje o que deveria acontecer apenas na próxima semana.
Esta é a minha modesta contribuição para o inteligente debate entre as facções Leno e O'Brien: para mim, a late night comedy desceu bastante de qualidade desde os tempos em que, em vez de monólogos de abertura sobre tópicos noticiosos, havia um gajo a destruir relógios de cuco com tiros de pistola.

Tarte de coco e metanfetamina

Através do blog do Edward Champion cheguei a uma página que agora acho quase criminoso nunca ter visitado antes : Regret the Error, um site dedicado, nas palavras dos próprios, a registar "corrections, retractions, clarifications and trends regarding accuracy and honesty in the media".
O primeiro artigo da página é uma resenha do que foi 2006 em erros e correcções na imprensa escrita, e duvido que nas próximas duas semanas apareça uma lista de fim-de-ano que me divirta tanto.
Vale a pena ler de uma ponta à outra, mas deixo aqui as três de que mais gostei:

.Do jornal Chicago Tribune: «An editorial in Friday’s paper incorrectly stated that Florida Cresswell, a candidate for state representative in the 28th District, was convicted in 1999 of battery and stealing Tupperware. In fact he was convicted of stealing a battery from a van as well as Tupperware that was inside the van.»

.Da secção de culinária do Newport News: «A correction in this column Thursday about a June 14 Taste section recipe for French coconut pie incorrectly suggested that the recipe called for a pint of vodka.»

.E, finalmente, do jornal The Oregonian: «A headline on Page One on Saturday should have made clear that Oregon Health & Science University will be studying the effects of meth, not cooking it. »

Palavras foram ditas que não podem ser desditas (2)

O meu último e-mail para a Amazon, enviado há cerca de 15 minutos, incluía as seguintes palavras: "... and I suspect a flock of hobbled pigeons would be more effective than your so-called 'delivery apparatus'...".
Depois da vergonha que foi o preordergate, duas encomendas consecutivas foram extraviadas, sem solução à vista.
Isto é mais do que um arrufo; o comércio local ganhou hoje um amigo.

Palavras foram ditas que não podem ser desditas (1)

Ouvido hoje - por mim, ninguém me contou - na paragem do autocarro.
Um adolescente levantou-se e disse isto: «I always feel I'm being arrogant when I make plans. I prefer to just let stuff happen.»
Isto é grave. Isto afecta-nos a todos.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Horário Nobre



Se fosse eu a mandar nisto, a televisão seria toda assim.

Spike Jones


«My band's got rhythm. And then we add it a guffaw.»

Uma pesquisa rápida no google.pt fez-me concluir o seguinte: com uma ou outra honrosa excepção, quase ninguém fala no Spike Jones. (E os que falam, julgam que estão a falar do ex-marido da Coppola). Este estado de coisas não pode ser encarado senão como um prenúncio de um estado de coisas ainda pior. Não contem com o Pastoral Portuguesa para Quarto Cavaleiro; aqui, e pelo menos até ao fim do ano, falar-se-à de Spike Jones semanalmente, todas as Terças-feiras.
Quem está agora a abrir os olhos pode começar por aqui. O artigo da wikipedia também não está mau: "He was not born on 14th May 1916, nor did he die on March 29th 1966. His real name was not Harry Joseph Chick Daugherty".
Para a semana há mais.

Elogio da letra V

Vinte mil léguas submarinas, Candide, Leif Eriksson, Scienza Nuova, «The Transformation of Martin Lake», Velha de Ródão e Nova de Gaia, Der Autoritäre Staat, Las Meninas, Myra Breckinridge, Cavalleria Rusticana, "para bailar La Bamba", The Son of the Sheikh, "se eu transformasse os simples vegetaes", Sweet Jane in Furs, Tiago do Deserto, restaurador da Dharma, "sim eu sei/que tudo são recordações", Innere Stadt, a Raínha e as cataratas, o pastor dos Montes Hermínios, coveiro de Pompeia e Herculano, antes do disco compacto, L'Atalante, a Trilogia das Barcas, Doroteo Arango, a Eneida, "O Time, thou must untangle this, not I", Alan Moore, Edward Jenner, «Le Cimetière marin», o Conde Alexei Kirillovich a dançar a mazurka, o Caderno de Barreto, «Blister in the Sun», Piazza San Marco, La Double Vie de Irène Jacob, Mr. Spock, "Mais où sont les neiges d'antan?", Saturae Menippae, Duel in the Sun, Amerigo do Mundo Novo, Matadouro Cinco, o Cinco romano, a cruzada de Stencil, o golo contra a URSS no Olympiastadium, To the Lightouse, Aida, Galerie des Glaces, número atómico 23, "dry your eyes for Madame George", o Sermão da Sexagésima, a Batalha Final, "Luke I am your father".

He that hath wisdom, let him count the number. . .


O pai do Demónio de Maxwell nasceu há 175 anos, "in recognition of which 2006 has been dubbed Maxwell Year". Que Deus nos ajude a todos.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

. . .a byword of emotional volatility throughout the Subdesertine Service. . .


«It had been a particular liberty weekend in Nuovo Rialto. The ship happened to to have tied up at a quay belonging to an aryq shipper, along which many sailor were discovered each morning semi-paralyzed, having got no further in their pursuit of recreation, their Hypop units humming on in Dormant mode. A number of the crew reported being waylaid by sand-fleas, the queues at sick bay each morning running down passageways and ladders well into the Viscosity spaces. Some, apparently having enjoyed the accostments, didn't report them at all. The quarterdeck witnessed scenes of vituperation, smuggling attempts failed and successful, romantic melodrama as the more adventurous crew members discovered the complex allure of Veneto-Uyghur women, who were a byword of emotional volatility throughout the Subdesertine Service. When the time came at last to single up all the lines, some 2 percent of the crew, about average as these things went, had announced plans to stay behind and get married. Captain Toadflax took this with the equanamity of a long-time tropper in the region, figuring he'd get most of them back when he came through town again at the end of the cruise. "Marriage or under-sand duty," shaking his head at some cosmic sadness. "What a choice" . . .»

(Thomas Pynchon, Against the Day)

Com este lápis te confundo

Não fui, certamente, o primeiro a quem isto aconteceu, e o erro foi rapidamente detectado.
Mas os dez segundos em que julguei que o tradutor de Musil, Celan e Benjamin tinha colocado um aparelho nos dentes foram os mais estupefactos dez segundos que passei na blogosfera.

domingo, dezembro 10, 2006

Welcome to Planet Sardar

Este lamentável artigo de Ziauddin Sardar, no último número da New Statesman, apresenta tantas deficiências - de interpretação, de ligação, de raciocínio, de coerência - que o leitor que consiga chegar ao fim ficará com pouco mais do que uma sucessão de interrogações para negociar sozinho. Quão a sério devemos levar isto? Porque é que este homem não está a escrever comédia? Estaremos a lidar com um pantomineiro, alguém com genuínas lacunas educacionais ou simplesmente um virtuoso da desonestidade intelectual? Tudo questões que eu próprio ponderei enquanto abria uma garrafa de água das pedras.
Confesso que desconhecia por completo o nome do senhor (um dos novos membros da Comissão para a Igualdade e os Direitos Humanos) e durante dois dias aguardei o desmascarar de uma impostura na linha da 'Sokal hoax' dos anos 90: um agregado de clichés, insuflado com a estafada terminologia pós-colonialista, plantado numa publicação reputável com o intuito de aferir e estudar as eventuais reacções.
Infelizmente, parece que o artigo é genuíno (salvo seja). E o senhor Sardar está certamente a passar ao lado de uma grande carreira, embora assim de repente não consiga imaginar qual seja.
É difícil saber por onde começar. Por um lado, os vinte parágrafos contêm erros de raciocínio, vandalismos lógicos, analogias mutiladas e falsificações puras em número suficiente para descredibilizar quase imediatamente a sua tese central. Mas por outro, essa tese central está tão diluída no pântano falacioso do artigo, que acaba por sintetizar o antídoto contra a sua própria refutação. Resumindo, o artigo de Sardar coloca-me na desconfortável e pouco habitual posição de não saber ao certo aquilo com que estou a discordar violentamente.
Em termos muito genéricos, Sardar acusa Martin Amis, Ian McEwan e Salman Rushdie (três escritores que, convém lembrá-lo, se opuseram à intervenção no Iraque) de encabeçarem uma conspiração intelectual cuja intenção é avançar os interesses do neo-conservadorismo: «Blitcons come with a ready-made nostrum for the human condition, They use their celebrity status to advance a clear global political agenda». Não contente com essa lunática, e enfaticamente não demonstrada, asserção, reduz depois toda a obra de Saul Bellow - uma das mais generosas e inclusivas que a literatura moderna nos deu - a uma mera ilustração da filosofia de Allan Bloom, e a uma incubadora de elitistas, «obsessed with the preservation of the canon».
O que é aqui ensaiado (da forma mais azelha possível) é uma reciclagem - uma actualização da terminologia "orientalista" de Edward Said, adaptada a novas circunstâncias. Mas é impossível não imaginar Said acometido de cólicas mentais quando confrontado com este amontoado de disparates. Por muito que se discorde das ideias de Said, estas eram inteligentemente defendidas, coalescendo numa teoria sólida. Já a diatribe gaguejante de Sardar assemelha-se mais a um malão de viagem comprado numa feira, no qual se tentou enfiar roupa para sete viagens diferentes. Há para ali algures uma camisa havaiana e talvez um par de galochas esburacadas, mas nada que dê para levar ao baile.

(Aprendi posteriormente que os problemas do senhor Sardar com o fantasma do "Cânone Ocidental" não são de agora: há pelo menos dois outros artigos na New Statesman em que ele se dedica a desmontar esse asqueroso panteão imaginário de "wall-to-wall white men" (no qual, estranhamente, inclui Naipaul e Jane Austen). Quanto à posição do 'obcecado' Amis, podemos encontrá-la neste excerto da introdução a The War Against Cliché: «In the long term, literature will resist levelling and revert to hierarchy. This isn't the decision of some snob of a belletrist. It is the decision of judge Time, who constantly separates those who last from those who don't.» Conversa perigosamente anti-democrática, como se vê.)

Os instantes fraudulentos são demasiados para rebater um por um. Fica aqui este, quase ao acaso, que pretende ilustrar o "preconceito Ocidental" de Ian McEwan:
«. . . we realise that Saturday really assigns a mystical dimension to western literature: the poetry of Matthew Arnold not only serves as an antidote to brutish violence, but literally saves the day at the end of the novel. As a corollary, we are forced to conclude, those who have never read War and Peace, for example, are not fully human.»
O que somos forçados a concluir é que a educação do senhor Sardar foi um grande desperdício de tempo e, no processo de distribuição das culpas, não será de todo descabido ter uma palavrinha com os seus antigos professores e perguntar-lhes porque é que ele não foi, sei lá, açoitado mais vezes.
O salto lógico entre o último capítulo de Saturday e a conclusão que Sardar tira ("those who have not read War and Peace, for example, are not fully human") é típico do seu processo mental: pregar dois tópicos isolados no vácuo e esperar que o leitor preencha o espaço vazio com a sua própria colecção de preconceitos. O que McEwan - um escritor com demasiadas nuances para Sardar - faz em Saturday não é traçar uma distinção entre o que é 'humano' e o que não é, ou mesmo entre 'civilização' e 'barbárie', mas sim dramatizar - nas palavras de James Wood (na New Republic), "a irrupção do irracional" na esfera privada:
«. . .this kind of terror is not opposed by fiction as such, but by a nobler version of the irrational -- by poetry, by song, by music, and by love. Earlier in the book, Perowne attended his son's band's rehearsal, and while the glorious blues sang out, he reflected on music's implicit utopianism -- a collaboration, "an impossible world in which you give everything you have to others, but lose nothing of yourself". (. . .) It is not fiction, then, with its habitual coincidences and unnatural encounters -- of which this book has its fill -- but the ungraspable communion of music that might be "set against the hatred of their murderers." Against a dark irrationality can perhaps be posed the enlightened irrationality of music's fleeting utopia. . .»
Este impulso didáctico numa obra de ficção pode ser debatido de mil e uma maneiras diferentes, mas tentar inclui-lo, como Sardar faz, num inexistente projecto literário neo-conservador, é extravasar os limites do comentário sério e penetrar, com exuberante alacridade, nos domínios da propaganda.

Mas é Domingo e os passarinhos espirram no jardim. Há futebol na televisão, há belas pistas de cavalos que abrem ao meio-dia e nunca fecham, há metade de um livro de Pynchon para ler até ao Natal.
O que não há é espaço para os delírios paranóicos dos outros; os meus chegam.

P.S.: Dito isto, vou esperar com ansiedade pela inevitável resposta de Christopher Hitchens, cuja truculência, apesar de previsível, é invariavelmente divertida nestas situações.

Conselho a um amigo que acabou de mudar de casa

Vale a pena investir num sofá confortável: é provável que tenhas de lá passar algumas noites.

sábado, dezembro 09, 2006

Miccoli - upgrade

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Nove notas biográficas sobre Michiko Kakutani


«. . . Thus Ishmael, who proceeds to attempt to transcribe the whale's brow for us. 'I put but that brow before you. Read it if you can.' We can read the book, but the book cannot read the brow. So it is, and so Ishmael knows it to be.»

(Tony Tanner, Scenes of Nature, Signs of Man, Cambridge University Press, 1987.)


1. a sua infância em New Haven é uma série de decisões radicais, rapidamente ignoradas. No relatório de uma professora primária pode ler-se «Michiko é impulsiva, mas incapaz de assumir compromissos». Os seus sonhos são agitados. Confessa-se assombrada pelo constante crepitar de invisíveis chicotes. Um pacote pré-pago de dez sessões terapêuticas com um discípulo de Rollo May produz resultados inconclusivos;

2. por ocasião do seu oitavo aniversário, o pai (o matemático Shizuo Kakutani) oferece-lhe um exemplar das Fábulas de Esopo. Michiko deixa-lhe uma curta nota de agradecimento no bolso interior do casaco: "Querido Papá. O cisne, a raposa, a lebre e a tartaruga são meros recortes genéricos, abdicando da Universalidade conferida por uma maior densidade psicológica. Não passam de figuras unidimensionais, perdidas numa floresta de clichés. As ilustrações, contudo, são bastante competentes. Amor, Miki.";

3. na sua mesa-de-cabeceira, além de um retrato autografado de Spiro Agnew, Michiko guarda um lenço, bordado em Imperial typeface, tamanho 8.7, com as seguintes palavras: "Nothing odd will do long, nothing odd will do long, nothing odd will do long";

4. depois de ler no original um obscuro panfleto de 1824 (Réflexions sur la puissance motrice du feu et sur les machines propres à développer cette puissance) comenta com um editor-adjunto: «Senti que tudo não passava de um daqueles jogos pueris em que o autor vai inventando regras novas para prontamente as esquecer. É o leitor que sente a fadiga de artilhar cada página ex nihilo. Duvido que este livro exista realmente»;

5. é fluente em cinco línguas modernas, mas não sente paixão por nenhuma delas. As palavras portuguesas de que mais gosta são "resiliência", "magnólia", "sinecura" e "ostrogodo". Consciente da sua predilecção, tenta utilizá-las com "parcimónia" (palavra que detesta);

6. sempre que lhe chega às mãos um livro que exceda as oitocentas páginas, Michiko observa-o demoradamente, como se estivesse diante do mais arrebatador dos segredos. Ouvem-se-lhe estalidos, sussurros, cacofonias guturais. Uma empregada de limpeza (que acabaria por vender a história ao National Enquirer) testemunhou várias vezes esta ocorrência: «Ela assume uma postura hirta, com as mãos cercando o volume fechado, e diz coisas como 'o que é que tu me podes dizer sobre mim própria' ou 'ainda e sempre, a ignomínia da abundância', coisas assim, percebe? Por vezes, atinge um tal grau de concentração que nem sequer ouve o telefone, ou a campaínha, ou as minhas perguntas preocupadas. Nunca me consegui habituar; acabei por cessar unilateralmente o meu contrato. Não sei se ela sente a minha falta.»;

7. sob a influência de Anaxágoras, também ela postula uma pluralidade de elementos individuais imperecíveis, a partir dos quais surgiu toda a ordem. Por vezes acha que é impossível distinguir esses elementos uns dos outros, sensação que se agrava na Primavera;

8. no restaurante onde o corpo editorial do New York Times mastiga as suas sorumbáticas reuniões semanais, Michiko lê a seguinte mensagem num bolinho da sorte: «Há uma frase, e apenas uma, que a pode salvar; está escrita a lume, no interior das suas pálpebras, a soma ardente de todas as coisas que nunca aprendeu. Se abrir os olhos diante de um espelho, poderá discernir o clarão da verdade a sumir-se para sempre pelo tecto». Depois da sobremesa, dobra meticulosamente a tira de papel, camuflando-a entre os destroços da melancia;

9. Michiko Kakutani é solteira.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

O Borat Português



O génio que é Steve Coogan, parodiando algo muito mais engraçado que o Cazaquistão.

(Cortesia do Salústio, do blogue Golpe de Estado, um blogue que faz rir pelo menos uma vez por semana. Às vezes mais. É imprevisível.)

O Homem Invisível defende McEwan


(No Daily Telegraph. E já agora, se eu tivesse uma libra por cada vez que as palavras 'Pynchon' e 'recluso' aparecem juntas no mesmo artigo, seria onze mil libras mais rico.)

terça-feira, dezembro 05, 2006

Não estive na Aula Magna no Domingo, mas é como se tivesse estado



Que o totoloto saia muitas vezes seguidas a quem escreve assim sobre os Yo La Tengo.
Ouçam o «From a Motel 6» e digam lá se o senhor não tem carradas de razão.


(Actualização:
Fixemo-nos no essencial e não nas decorações.
Nada do que está escrito nos primeiros 2 1/2 parágrafos (aos quais, sabiamente, eu restringi a
citação) pode ser rebatido com boa-fé. Bach fez algumas coisas com piada (Wachet Auf, por exemplo, que Pynchon descreveu como "the best tune ever to come out of Europe") mas não era propriamente coast to coast.
Quanto ao resto, como se pode ler no sempre surpreendente Christianity Today,
a culpa (indirecta) é do Lester Bangs. E estejam à vontade os que desejem atirar as primeiras pedras; eu, com os telhados de vidro que fui acumulando sempre que falei ou escrevi sobre os Velvet Underground, o Dylan ou os Yo La Tengo, vou continuar a aplaudir tranquilamente as adrenalinas pós-concerto e a tolerar ocasionais fingerjobs.

P.S.:
"... a melhor voz de Portugal é a do Paulo de Carvalho (elementar)...."? É possível. Um relatador mexicano não o diria melhor.)

INLAND EMPIRE


Trailer.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

"A bar, a bar, a bar, a salad bar"



Misheard lyrics

(Quase no fundo da página, na letra de «Velouria», alguém percebeu 'I can see the tears of Shastasheen' como 'I can see the genius of chastity', talvez a melhor frase que o Black Francis nunca escreveu)

Black is white and white is black

Garry Kasparov tem um artigo de opinião no Wall Street Journal sobre a estratégia a seguir no Médio Oriente.
Em breve, na ChessBase, Bill Clinton ensaiará uma nova e surpreendente variante da Defesa Philidor .

domingo, dezembro 03, 2006

Still ill?


... England is mine
and it owes me a living...


"O fim do Reino Unido?", ou uma variação sobre essas palavras, tem sido uma frase recorrente na imprensa inglesa das últimas semanas. O debate, tratado com crescente seriedade na Escócia, tem gotejado para sul da fronteira em velocidade de cruzeiro, mas duas bombas despoletaram a corrida ao editorial: a primeira foi uma inesperada sucessão de sondagens como esta, levantando a possibilidade real de um parlamento autónomo dominado pelo Scottish National Party (SNP). A outra foi um surpreendente artigo de opinião na revista Prospect, pelo historiador Michael Fry, um membro da velha guarda conservadora (ferozmente unionista), que anunciou a sua conversão recente à causa da independência. Diz-se que pode ser o primeiro de muitos.
Há seis anos atrás, quando me mudei para a Grã-Bretanha, este cenário era impensável. A expressão eleitoral do SNP era mínima, e tinha estagnado depois dos ganhos dramáticos na década de 70. Até no período Thatcher/Major, durante o qual o Partido Conservador se eclipsou completamente nas Highlands como força eleitoral, os principais beneficiários foram os Trabalhistas e os Liberais-Democratas, cuja coligação tem dominado a legislatura desde as primeiras eleições pós-devolução em 1999.
É claro que o impulso separatista não é de agora, nem nunca andou afastado do debate político. A História escocesa assemelha-se a um complexo de inferioridade ilustrado; um longo catálogo de independências fugazes e delírios tribais anti-ingleses, desde que os vários clãs se uniram sob a coroa de Malcolm II em 1018.
A União de 1707 (e é uma das muitas ironias deste caso que as celebrações do ano que vem possam inaugurar o processo de dissolução) tem sido tradicionalmente interpretada pelos historiadores como uma abdicação voluntária de soberania por parte do parlamento escocês, a troco da manutenção de um sistema legal próprio, e de garantias sobre a independência da Igreja Presbiteriana. A proposta foi aprovada na altura por 40 votos de diferença, mas a União sempre foi impopular entre a população, e subsiste até hoje uma forte e curiosa tradição oral que acusa os Whigs escoceses de terem vendido a pátria a troco de subornos e regalias pessoais - um mito que permite imensos trocadilhos na panfletaria nacionalista actual sobre os novos "traidores" Gordon Brown e John Reid.
Gordon Brown, já agora, é quem tem mais motivos para estar preocupado. O partido Labour precisa necessariamente dos 40 assentos parlamentares garantidos pelos círculos escoceses para ter qualquer esperança de competir com os Conservadores em 2009. A Separação - para quem quiser manter contagem das ironias - negar-lhe-ia a possibilidade de se tornar o 12º Primeiro-Ministro britânico nascido na Escócia (o último, apesar das propaladas 'raízes' de Douglas-Home e Tony Blair, foi Ramsay MacDonald). Brown, que tem martelado incansavelmente a tecla da 'Britishness', em oposição a orgulhos patrióticos mais localizados, arrisca-se a ser, digamos, "Cameronizado" pelos seus próprios conterrâneos.
Parte do debate tem-se centrado na capacidade da Escócia para sobreviver como nação independente. Fala-se em despesismo estatal congénito (graças ao que devia ser apenas uma curiosidade histórica, a Barnett Formula, a Escócia recebe uma parcela quase comicamente desproporcionada do orçamento britânico), e num sector público demasiado inchado (cerca de 585 mil funcionários para uma população de 5 milhões).
Do lado nacionalista fala-se no Exemplo Eslovaco (os eslovacos acolheram com natural surpresa o facto de serem um exemplo) e acena-se com os lucros do petróleo do Mar do Norte - uma charada com barbas. Uma vantagem mais evidente é o sector da educação, que, embora não seja o mesmo responsável por dar ao Mundo David Hume, Adam Smith, James Watt, John Logie Baird, James Clerk Maxwell, Thomas Reid, Alexander Flemming e William Cullen, continua a ser superior ao inglês, especialmente ao nível superior, onde as Universidades de Edimburgo, Aberdeen e St. Andrews, que persistem em manter os seus regimes de 'porta aberta', em nada ficam a dever a Oxford e Cambridge.
Mas subsistem sérias dúvidas sobre a disponibilidade dos líderes do SNP para seguirem qualquer modelo, seja ele irlandês, eslovaco ou simplesmente racional. Alex Salmond tem feito passar a mensagem que as receitas petrolíferas dos próximos 30 anos serão suficientes para financiar os cortes fiscais corporativos necessários sem reduzir a despesa pública. Alguém que perceba mais de Economia do que eu (não é difícil) estará mais habilitado para avaliar a sanidade deste projecto. A um leigo, isto soa demasiado familiar: a conversa do jogador que vai para a mesa da roleta com um "sistema", convencido de que vai ser possível regressar a casa com o dinheiro, as fichas, e o eterno respeito do croupier. O que costuma acontecer é ficar sequer sem a quantia para o táxi.
Apesar de todas estas dúvidas, o que é inegável é o florescimento de um optimismo contra-natura, bastante diferente do nacionalismo cheio de ressentimentos a que os escoceses me tinham habituado. Em 2003, uma sondagem em Edimburgo que tentava averiguar as afinidades patrióticas dos cidadãos revelou que 72% se definiam como escoceses e apenas 20% como britânicos. A previsível manchete de um jornal local ("SCOTTISH PRIDE ON THE RISE!") foi assim comentada por um amigo meu: "Bollocks. Of course I feel Scottish rather than British, but pride has got nothing to do with it".
O mesmo amigo, que nunca participou num sufrágio na sua vida inteira, envia-me agora e-mails entusiásticos sobre as eleições de Maio próximo. E o facto de alguém como ele saber a data com esta antecedência, é talvez o aspecto mais surpreendente de toda esta situação.

Should I post or should I go

Queria agradecer ao leitor do Barreiro que me enviou um extenso mail, no qual descreve, com brio e paciência assinaláveis, todas as facetas do génio incomparável dos The Clash que eu nunca tive tempo ou sensibilidade para discernir, realçando no processo as gritantes falhas no meu pseudo-argumento sobre os Ramones.
Dois reparos:
1) na frase do segundo parágrafo que termina com ". . . esse focinho todo", a sintaxe turbulenta dificulta a identificação do sujeito;
2) a actividade de cariz íntimo que simpaticamente me aconselha a praticar em equídeos escreve-se com 'ch' e não com 'x'.
Em todo o caso, um post que tinha esboçado para hoje - com o título provisório "Joe Strummer: canastrão ou mentecapto?" ficará na prateleira por tempo indeterminado.

Discos do ano

Quando comecei o blog em Julho, tinha essencialmente um objectivo: aguentar até Dezembro, quando chegasse a altura de proceder aos inevitáveis balanços de fim-de-ano.
O impulso do blogger para fazer listas não é arbitrário; parte, aliás de uma profunda e venerável convicção: a de que o mundo seria um lugar melhor se toda a gente ouvisse a nossa música. Que os impostos seriam mais baixos, que os automobilistas respeitariam as zebras, que os vizinhos diriam sempre bom-dia, que as almofadas seriam dotadas de fibras soporíferas naturais, que os carteiros se restringiriam às suas limitadas porém importantíssimas competências, que as paragens de autocarro seriam lugares iluminados por inesperados sorrisos, que os números de telefone realmente importantes jamais seriam esquecidos.
Movido por essas e outras corriqueiras esperanças, eu faço listas como esta:

1. Yo La Tengo – I Am Not Afraid Of You and I Will Beat Your Ass
2. Bob Dylan – Modern Times
3. The Decemberists – The Crane Wife
4. Morrissey – Ringleader of the Tormentors
5. The Handsome Family – Last Days of Wonder
6. Bonnie 'Prince' Billy
– The Letting Go
7. The Fratellis – Costello Music
8. Woven Hand – Mosaic
9. Sufjan Stevens – The Avalanche
10. The Raconteurs – Broken Boy Soldiers


- Desilusão do ano: Life Pursuit dos Belle & Sebastian. Há quem goste mais deles agora. Pessoalmente acho que desde o The Boy With The Arab Strab aquilo tem sido sempre a descer;

- Menção especial: Underdog World Strike dos inqualificáveis Gogol Bordello. Saiu em 2005, mas devia sair todos os anos.

sábado, dezembro 02, 2006

. . .forty feet above. . .


«'Fax's brother Cragmont had run away with a trapeze girl, then brought her back to New York to get married, the wedding being actually performed on trapezes, groom and best man, dressed in tails and silk opera hats held on with elastic, swinging upside down by their knees in perfect synchrony across the perilous aether to meet the bride and her father, a carnival "jointee" or concessionaire, in matched excursion from their own side of the ring, bridesmaids observed at every hand up twirling by their chins in billows of spangling, forty feet above the faces of the guests, feathers dyed a deep acid green sweeping and stirring the cigar smoke rising from the crowd.
Cragmont Vibe was but thirteen that circus summer he became a husband and began what would become, even for the day, an enormous family.»

(Thomas Pynchon, Against the Day)

Exit Zuckerman

Marcar nas agendas literárias: Outubro de 2007.

Bucelas e Dão

Na página 168 de Against the Day, uma dos personagens passa uma semana em Lourenço Marques e refere-se ao vinho disponível no mercado colonial como «the rotgut rejectamenta of Bucelas and Dão».
É em momentos como este - e momentos como este são frequentes - que se insinua na mente predisposta a tais insinuações a possibilidade de Pynchon ter, não lido a totalidade da última edição da Encyclopaedia Britannica, mas sim escrito a totalidade da última edição da Encyclopaedia Britannica, possivelmente nas horas vagas entre outros projectos mais árduos.

(Nota: depois de alguns solavancos iniciais que agora admito poderem ter sido sintomas de nada mais que hipocondria do leitor, os vários enredos começam a ganhar momentum a partir da primeira centena de páginas. As reticências regressam; as longas enumerações também; e regressa o talento inqualificável responsável pelas melhores páginas de Gravity's Rainbow.
O livro é embaraçosamente bom.)