sábado, dezembro 29, 2007

Agradeço a P. o seu negrito, mas também

Bom, se fosse um teste, vocês tinham falhado. É claro que não foi ao James Wood que cresceu uma vulva no abdómen (post anterior). O crítico literário da New Yorker não anda por aí com vulvas no abdómen. Referia-me, naturalmente, ao actor James Woods, que se pode ver abaixo, enfiando a mão enfim, de uma forma que só alguém muito cínico poderia descrever como "fazendo crítica literária para a New Yorker":



O verdadeiro James Wood é este senhor_


_ que nesta imagem específica foi apanhado a fazer, não crítica literária para a New Yorker, mas sim uma mímica quase-perfeita daquele actor português que interpretou o detective privado Claxon, e que também entrou no Major Alvega. Graças à IMDb, descobri que o senhor se chama António Cordeiro, informação que se viria a revelar inútil na demanda de uma imagem sua de tamanho blogável. A introdução dos termos de busca "António Cordeiro" no Google Images levou-me à página da cidade brasileira de Congonhas, a um site sobre Antonio Gramsci, e a inúmeras ilustrações de modelismo náutico, mas, para grande desilusão minha, a nenhum retrato icónico de António Cordeiro, de sobretudo e fedora cinzento, "fazendo crítica literária para a New Yorker" na personagem de Margarida Reis.
Tudo isto é grave, mas não tão grave como a inconsistência gráfica que rodeia o nome "Rogério Casanova". Se as pessoas insistem em não colocar aspas à minha volta (o que acho inconcebível), o mínimo que podiam fazer era mostrar um bocadinho de criatividade; como o Lourenço, por exemplo, que insiste em chamar-me Rodrigo Casanova (sem aspas, mas com dignidade). Uma excelente passagem de ano para ele, e para todos vós, são os meus votos, diria, quase ardentes.

(Por falar em Lourenços: o Claxon não é um primo afastado, não?)

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Cold turkey



Gosto muito de David Cronenberg. Sempre gostei, mais até do que seria razoável gostar de qualquer canadiano (atravesso um problema semelhante com algumas bandas recentes). E todos aqueles que, como eu, encontram pacatas epifanias em metáforas toxicológicas, já devem ter reparado no seguinte: Cronenberg é um canadiano que, artisticamente falando, não se mete nas drogas. O que nunca impediu alguns dos seus filmes mais antigos de serem descritos como "alucinatórios", como se o homem andasse por aí a impingir ácido às crianças
Quando o abdómen de James Wood se transforma numa vulva para ler VHS, ou a máquina de escrever de Peter Weller começa a mexer as antenas e a falar, não estamos no meio do deserto com os xamãs de Oliver Stone, nem sequer no domínio lúdico do "surreal" (outro termo crítico tão escorregadio que é impossível agarrá-lo sem expor o derrière aos sodomitas semânticos), mas sim numa espécie de realidade intensificada. Nas mãos de outro realizador, essas cenas seriam fragmentos etéreos, observados ao ralenti, através de uma névoa de mescalina. Cronenberg arregaça as pálpebras e salpica tudo com diluente. Se há uma analogia tóxica a utilizar, esta não envolve drops ou cogumelos, mas sim o processo de desintoxicação. A imaginação visual de Cronenberg sempre foi a do ex-alcoólico: aquele que não toca numa gota há anos, e cujos sentidos assimilam tudo com a clareza suja da privação. Isto, pelo menos, é a maneira como as coisas se me afiguram nesta quadra festiva.
Eastern Promises, apesar do meticuloso esforço de Vincent Cassell para estragar todas as cenas em que entra, é um grande filme. Aquele fotograma, que encontrei por pura sorte num site francês, é da minha sequência preferida, a primeira visita da enfermeira ao restaurante. É um momentozinho de nada, antes das tatuagens à Caravaggio, da gorjeta iconográfica, do wrestling na sauna: a caminho da cozinha, o personagem de Mueller-Stahl faz uma pausa para corrigir o ensaio musical das duas crianças, e Naomi Watts fica ali especada no enquadramento, à vontade uns trinta segundos, alheada da cena, sem sequer representar.
Naomi Watts a fazer de figurante enquanto um mafioso careca de avental toca violino: isto sim, é cinema. Ou, pelo menos, é a maneira como as coisas se me afiguram nesta quadra festiva.

Ali v Frazier

«(. . .) the feud is escalating into philosophy's equivalent of a prize fight between two former colleagues who are both among the showiest brawlers in the philosophy dojo. In one corner is McGinn, 57, West Hartlepool-born professor of philosophy at the University of Miami, and the self-styled hard man of philosophy book reviewing. In the other corner is Honderich, 74, Ontario-born Grote Professor Emeritus of the philosophy of mind and logic at University College London, and a man once described by fellow philosopher Roger Scruton as the "thinking man's unthinking man". They are using all the modern weapons at their disposal - blogs, emails, demands for compensation from the academic journal that published the original review, an online counter-review, and an online counter-counter-review.
The heart of their dispute, though, may not be over intellectual matters at all, but about something one of them said more than a quarter of a century ago about the other's ex-girlfriend (of which more later).»


O resto aqui.

E o vosso Natal, como foi?

Eu levei a minha mãe ao Saldanha Residence, para ver o último filme do Cronenberg.

Lavem as mãos, infiéis!

terça-feira, dezembro 25, 2007

Almanaque (2)

Almanaque (1)

"a bola já não chega de uma baliza à outra"

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Discos do ano (1)




The National, "Slow Show"

domingo, dezembro 23, 2007

Discos do ano (2)




Yo La Tengo, «Fourth Time Around»

Discos do ano (3)




Arcade Fire, «The Well and the Lighthouse»

Discos do ano (4)





Thurston Moore, «Fri./End»

Discos do ano (5)















Mariee Sioux, «Wizard Flurry Home»

Discos do ano (6)




Iron and Wine, «Pagan Angel and a Borrowed Car»

Discos do ano (7)





Panda Bear, «Comfy in Nautica»

Seis euros e meio


«Miss Obrestad's route to the grand prize - dumped on the final table in bundles of $50 notes, as in the World Series tradition - required her to see off such modern-day poker luminaries as Chris "Jesus" Ferguson, a hirsute scholar of game theory, Dave "Devilfish" Ulliott, a somewhat less cerebral but wily British professional who wears diamond-encrusted knuckle-dusters, and Phil "Poker Brat" Hellmuth, arguably the most celebrated (not least by himself) modern player.»

("Poker: A big deal")


«The captive panda breeding programme has undergone a remarkable transformation. Long-held beliefs about the animal's reproductive capacities have been shattered. No longer are desperate keepers feeding Viagra to underperforming males (that didn't work anyway). Researchers have given up ideas of cloning them. Good old-fashioned sex is now doing the trick. . .»

("The sex life of the panda: Black and white and red all over")


«There are prayer books in everyday vernacular or even street slang ("And even though I walk through/the Hood of death/ I don't back down/ 'coz you have my back"). Or consider innovation. In 2003 Thomas Nelson dreamt up the idea of Bible-zines - crosses between Bibles and teenage magazines. The pioneer was Revolve, which intercuts the New Testament with beauty tips and relationship advice ("are you dating a Godly guy?"). (. . .) There are toddler-friendly versions of the most famous Bible stories. The Boy's Bible promises "gross and gory Bible stuff". God's Little Princess Devotional Bible is pink and sparkly.»

("The Bible v the Koran: the battle of the books")

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Fui à Byblos

Uma livraria que, fazendo jus à sua designação, está repleta de livros. É sempre o primeiro erro que estes sítios cometem.
E encontrá-la? Não foi nada fácil de encontrar, a Byblos. Não sei por que carga de água, tinha metido na cabeça que a Byblos ficava no edifício do Amoreiras. Não fica. Tive de pedir indicações a dois transeuntes (que me confessaram, algo embaraçadamente, que também não sabiam onde ficava a Byblos) até que um segurança me salvou a tarde: «Aquela nova loja grande, que vende livros do Miguel Sousa Tavares? Isso não é aqui, é naquele edifício espelhado lá ao fundo».
Não foi nada fácil de achar, aquele edifício espelhado lá ao fundo. Tive de pedir indicações a dois transeuntes (que me confessaram, algo embaraçadamente, que também não sabiam onde ficava aquele edifício espelhado lá ao fundo), até que vi um terceiro transeunte com um livro de Miguel Sousa Tavares debaixo do braço: «É por aqui é, amigo! Pode entrar por aquela portinha giratória naquele edifício espelhado já ali ao fundo, está a ver? Não se preocupe que ainda lá têm muitos livros do Miguel Sousa Tavares».
O que vi lá dentro excedeu todas a minhas expectativas, no sentido em que não fez nada disso, e não me refiro apenas ao número disponível de livros de Miguel Sousa Tavares. A configuração do espaço, para começar, é original, na medida em que não me remeteu para nenhum dos modelos que conheço para superfícies deste género (tem muito pouco a ver com as Fnacs ou com as Waterstones). Há toques verdadeiramente inspirados, como a alcatifa estilo-Weimar, a iluminação sociopata, uns candeeiros nas zonas de leitura claramente modelados nos secadores de um salão de cabeleireira, e as ubíquas pilhas de livros de Miguel Sousa Tavares. Toda a atmosfera, aliás (com excepção dos livros de Miguel Sousa Tavares), evoca um pouco aquelas festas muito populares nos anos 70, em que se metiam as chaves do carro numa terrina de vidro. Não faço ideia quem terá sido o responsável pela decoração, mas aposto que tem bigode, que usa um roupão bordado com as suas iniciais, e que gosta de Barry White.
A arrumação nas secções revelou alguns sinais de espirituoso anarquismo, mas tudo pode não ser mais do que, como disse o Zé Mário, a "vertigem da urgência". Ainda assim, foi transtornante encontrar o Fora do Mundo, do Pedro Mexia, na estante da Sociologia, entre um livro de entrevistas a Carlos Pinto Coelho e um romance histórico de Miguel Sousa Tavares.
A secção de Ficção em português é imensa, e está competentemente dividida em cinco sub-secções: Literatura Portuguesa, Literatura Brasileira, Literatura Africana, Autores Traduzidos, e Miguel Sousa Tavares. A dos livros estrangeiros foi uma semi-desilusão: pareceu-me ficar aquém da Fnac do Chiado. Ainda assim, vale a pena espreitar a estante dos Penguins, onde os 20th Century Classics, os Modern Classics e aqueloutros Classics baratinhos, com capas cor-de-sabonete-Dove, têm todos direito a duas prateleiras cada. Entre os primeiros - lombadas cinzentas - podem encontrar o Call it Sleep, escrito por um Roth que não era Philip nem Joseph nem Miguel Sousa Tavares, mas que era tão bom quanto eles. Custa 16 euros e 20. E mesmo ao lado, no estaminé das novidades, um belíssimo paperback do Against the Day! Tomei a liberdade de lá enfiar um papelinho com o meu nome e número de telefone, na eventualidade de o comprador querer esclarecer alguma dúvida, ou simplesmente ser meu amigo. Realço também o ecletismo, que não se limita à habitual tríade Inglês-Francês-Castelhano; podem encontrar, para dar um exemplo, traduções do último romance de Miguel Sousa Tavares em italiano, romeno, bengali, mandarim, esperanto, braille e hobbit. Para breve, seguramente, uma edição interactiva em linguagem gestual.
Uma nota final sobre a secção de Ciência-Para-Os-Muito-Muito-Leigos, que também me pareceu algo fraquinha: cinco míseras prateleiras, estrategicamente colocadas de forma a que quem venha de lá com o The Ancestor's Tale do Dawkins (13 euros e 20), tenha de passar por quarenta edições ilustradas do Antigo Testamento (com comentário e notas de Miguel Sousa Tavares) antes de chegar à caixa. Gostei muito das escadas rolantes. O aspecto mais negativo de todos é a chuva. Não é que chova lá dentro, mas ainda assim, acho que deviam fazer alguma coisa sobre o assunto.

O último artigo do James Wood na New Yorker é apenas bom (não é, digamos, espectacular), portanto vou antes linkar mais um post do Julinho

Volta e meia, quando uso computadores públicos, acontecem-me coisas estranhíssimas

Como ir parar a sítios destes, por exemplo.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Eu e Os Presidentes: uma comédia romântica



Passei a semana enrolado com este livro , mas não foi nada fácil. Sempre tive um fraquinho por Presidentes. O fetiche não é monolítico, nem me cega aos encantos do resto da Espécie: gosto de Reis, sou brejeiro com Caudilhos e quando passo por um Kaiser mais roliço na rua, também lhe lanço os mirones. Mas são os Presidentes que me deixam os joelhos a tremer e me fazem ouvir passarinhos.
Quando vi estes Presidentes na Fnac soube logo que estava em apuros. Não me atirei de cabeça, mas senti uma reciprocidade faiscante, indicativa de que os Presidentes também engraçaram comigo. Houve trocas de olhares, houve encostos furtivos; houve química. A corte foi curta. Os Presidentes estavam vulneráveis, vinham de uma relação tumultuosa (com o Stephen Graubard, que os escreveu), e acabei por sair com eles debaixo do braço ao fim de dois dias.
Há quem não goste de Presidentes. Os vice-presidentes não os suportam. Os monárquicos acham-nos feios. O Mencken desprezava-os: o seu Presidente favorito era Calvin Coolidge, que transformou o seu mandato numa longa e inócua siestaHe had no ideas, and he was not a nuisance». (Mencken nunca teria votado em mim, já agora: ando com uma média de três horas de sono por dia, o que me transforma numa monumental nuisance).
Stephen Graubard é um caso mais complicado: ele gosta claramente de Presidentes, mas é aquele amor doentio, possessivo, fechado, que resulta frequentemente em violência doméstica. O seu ciúme é totalitário; os Presidentes, com ele, não têm autorização para se pintarem, nem para usarem decotes. Eu, mesmo nos momentos menos lúcidos, sei do que gosto nos meus Presidentes, e sou esteticamente tolerante (caracóis soltos, baton discreto, um bocadinho de perna à mostra). Graubard só os quer enrolados em sarapilheira, e a fazer ponto-cruz no quarto dos fundos.
Não é fácil abordar um livro assombrado por um passado tão problemático. Dei o meu melhor: passeei de mão dada com os Presidentes ao som de Elvis Costello, levei os Presidentes a jantar, fingi interesse nos seus problemas. Ouvi a história dos Presidentes com compaixão atenta. Fiquei ali sentado enquanto os Presidentes soluçavam e se atafulhavam daquela comida pós-moderna que não teve papá nem mamã. Graubard, explicaram-me eles, não tinha más intenções (já ouvi esta tantas vezes). Graubard era capaz de momentos doces, em privado. Graubard tinha uma teoria.
Graubard queria provar que é o Homem que molda o Cargo, e não o contrário. Graubard queria demonstrar que a pujança institucional - real e simbólica - da Presidência dos Estados Unidos sofre expansões ou contracções de acordo com a gravitas do seu ocupante, mas que o excesso de elasticidade sistémica, e a natureza intangível dos processos de evolução institucional, resultam numa tranferência de poderes para sucessores menos capazes. Graubard queria fazer tudo isto sem transformar o exercício numa prosaica procissão de heróis e vilões. Nesta linha, não se entusiasmou tanto como o raposão Paul Johnson, que, no seu espartilho revisionista – cujo recomendável programa era estilhaçar o mito de Camelot e a sua ressurreição Clintoniana – conseguiu transformar Nixon num mártir e Reagan num colosso intelectual. Graubard tem as suas preferências (Roosevelt I, Roosevelt II e Truman), nomeia os seus trapalhões (Harding e Eisenhower) e as suas nulidades (JFK, Carter e Bush I), mas consegue fazê-lo sem cair na histeria das claques sectárias.
Tudo isto resulta, e convence; e tudo se percebe nas primeiras páginas. O pior é o resto, que é pouco mais do que uma desavergonhada sessão de bitch-slapping verbal, prolongada por quase novecentas páginas.
Consideremos a seguinte salganhada semântica, do capítulo sobre Warren Harding:
«The first President born after the Civil War, in Blooming Grove, Ohio, the oldest of six children who survived, his middle name, Galamiel, chosen by his devoutly religious mother, reflected her pride in a son who could bear the name of the teacher of Saint Paul, noted for his tolerant and pacific nature.» Isto é um grand slam de prosa amnésica; a frase (que, dada a evidente falta de talento, devia ser três) vai-se esquecendo de si própria a caminho do ponto final.
As coisas pioram:
«These words, never heard by the American public, still shielded from such obscenities, learned only that the vice-president had bested the Soviet leader in their kitchen debate where the vice president, sweating profusely, went ‘toe-to-toe’ – Nixon’s words – with the chairman and scored impressively.» Aqui Graubard perde mesmo a compostura: não se devia fazer isto à língua inglesa, muito menos em público. Temos o dangling modifier, temos a repetição evitável, temos o despejo de clichés, temos os advérbios de modo penosamente mal escolhidos e mal colocados, temos a injecção de vernáculo com um apêndice ridículo. . . A única maneira de tornar esta frase mais feia seria enfiar-lhe uma peruca de palhaço e crescer-lhe um bigode.
Os dois exemplos não foram escolhidos a dedo: representam o modo de expressão básico do autor. Como é que os Presidentes se sujeitaram a esta prosa? Porque é que não saíram de casa com a mala às costas, e telefonaram para um advogado? A elogiosa citação da capa, para quem não tiver lupa, é de Peter Jay, da Spectator: «Gallops through the century with style, wit and scrumptious readability». 'Style' e 'wit', diz ele. Não sei quem é Peter Jay, mas deve ser o tipo de pessoa que defende que entre autor e Presidentes não se mete a colher. Ou então acha que os Presidentes estavam a pedi-las.
Fiz o que pude, mas nenhuma relação séria e duradoura floresce neste pântano. Paguei a sobremesa e o café aos Presidentes, mas venho aqui informar-vos de que eles estão disponíveis.
Fade out. Robbie Williams.

sábado, dezembro 15, 2007

Badass Bible Verses para o fim-de-semana

«And call ye on the name of your gods, and I will call on the name of the LORD: and the God that answereth by fire, let him be God. And all the people answered and said, It is well spoken.
(. . .)
Then the fire of the LORD fell, and consumed the burnt sacrifice, and the wood, and the stones, and the dust, and licked up the water that was in the trench. And when all the people saw it, they fell on their faces: and they said, The LORD, he is the God; the LORD, he is the God. And Elijah said unto them, Take the prophets of Baal; let not one of them escape. And they took them: and Elijah brought them down to the brook Kishon, and slew them there.
»

(1 Kings 18: 24, 38-40)


That is how they used to do religious debates back in the day.
The situation was that people of Israel had taken to Baal worship, a faith that added a lot of whores to its rituals and thus gained immediate popularity. Elijah (not the one with the bears, that was Elisha) decided that the people had to choose between Baal and God.
Rather than write a series of books or give a bunch of boring speeches, Elijah invited 450 Baal prophets to a contest, where both sides would set up an animal sacrifice. Whichever God could rain down fire on its sacrifice would be the one everybody worshiped.
It's brilliant in its simplicity, and we're surprised religious debates were ever carried out any other way after that. You can raise all the intellectual challenges you want about faith and the origins of the universe, but at the end of the day, you have to worship the god who can set you on fire. It's common sense.
We like to think Elijah stood in front of the howling column of heavenly fire, straightened his robes, turned to the crowd and said, "Thus, my opponent's argument falls." Then, he finished the debate in the way that all debates should be finished: by having the losers slaughtered.

(Link recebido por mail, de um leitor irritantemente não-identificado)

Estes putos de hoje em dia


O combate entre Ali e Foreman no Zaire foi um ano antes desse épico em Manila.

Se desconhecias estes factos (que desconhecias), agradecia que não me voltasses a dirigir mails (só links).

Com esta parte concordo.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Blogues 2007 (com poucos links, senão nunca mais saía daqui)

O blogue do ano é sempre o Kleist, mesmo que só escreva um post por semana. Os seguintes seriam a Memória, a Causa, o Julinho, a Voz, o Spinnen, o Galvão, o Bandeira, a de Amsterdam, o Úria, o Avatares e o Complexidade, mais ou menos por esta ordem. Também gosto muito de mim próprio: entraria de caras num top 15. As revelações do ano - não são, eu é que ando sempre atrasado - foram o Agrafo e o Lourenço Bray (escreve-se muito, muito bem naqueles dois sítios, especialmente sobre cães e broncodilatadores). O regresso mais agradável exprime-se em little little words.
O melhor post do ano foi este. A melhor série foi o Diário do Caribe. O segundo melhor post do ano, na Causa antiga, em resposta à corrente dos 5 livros (um que falava no Roth e no livro de viagens da Martha Gellhorn), não se perdeu, ó timóteos em pânico. Eu gravei-o, e disponibilizá-lo-ei a todos os que me enviarem indecentes requisições por escrito. Não vou dizer qual foi o pior post do ano: porque seria indelicado, porque não quero irritar o Eduardo Pitta, e porque num Estado de Direito as pessoas comem os seus croquetes e rissóis da maneira que entenderem - e eu não tenho nada a ver com isso.
Este perigosíssimo texto sobre os Grandes Portugueses foi o post que mais perto esteve de me matar (estava a beber um Capri-Sonne quando o li pela primeira vez, engasguei-me, e cheguei a ver o caso mal parado). Também havia menções honrosas para um do Alexandre sobre a localização ideal para o novo aeroporto (o Second Life), e para outro do Bruno sobre o Paulo Assunção, mas não os vou conseguir achar antes de o galo dos meus vizinhos começar aos berros, portanto nem vale a pena tentar.

Para 2008: espero que a Sexta Coluna e o b-site regressem, pois fazem-me falta, que a Sapo e a Wordpress se afundem em crashes constantes, para que toda a gente tenha de regressar ao Blogger, e acima de tudo que o Gattopardo tenha um pouco mais de calma: é que é impossível acompanhar aquele ritmo.

David Lynch, Shimon Perez, um ringtone dos INXS, e um plano infalível para a paz no Médio Oriente (estou há aproximadamente 20 minutos a rir-me disto)



(É impressão minha ou isto é um remake da primeira palestra do Agente Cooper em Twin Peaks: "I am first going to tell you about Tibet"?. . .)

terça-feira, dezembro 11, 2007

Num zapping logo a seguir ao Porto-Besiktas, ouvi a seguinte frase na RTP2:

«As pessoas não devem ir aos cemitérios desenterrar os seus parentes mortos sem levarem um especialista forense que lhes explique o que vão ver e ouvir.»

Podem dizer o que quiserem sobre a RTP2, mas não a podem acusar de não transmitir bons conselhos.

Tabletes de Chekhov


(Animais Domésticos)


Não nego que seja um problema agudo, mas está tudo na escolha. As edições Excellence da Lindt fazem jus à etiqueta, e a sua célebre barra com 85% de cacau é talvez a melhor para entrar em contacto com antepassados através de visões. (Só recomendo atenção no processo, pois entrar em contacto com os antepassados de outra pessoa pode estragar-nos o sossego. Há quem jogue pelo seguro, e encomende a menos célebre barra com apenas 70% de cacau).
Depois temos a satânica sedução da Valrhona, marca que não consumo há mais de cinco anos, mas apenas por ter medo, muito medo. Em 2002, engoli uma mão cheia de rectângulos da linha Ampamakia, e andei dias seguidos a fugir aos Elder Gods, como um pobre académico de New England num conto de Lovecraft.
Para impulsionar a produção literária (e ignorando a patética sugestão do Coupland, claramente um amador nesta matéria) creio ser difícil bater a Chekhov Cherry Bar. A última que saboreei resultou num poderoso conto de 16 páginas passado numa dacha em Gursuf. Terminava com a frase: "Lá fora chovia", imagem que nunca me teria ocorrido sem o auxílio da Chekhov Cherry Bar.

Era o "El Calambre de Yeso", se faz favor

O José Mário Silva tem um blogue novo, onde esta frase até já está escrita algures, num hexágono qualquer, vejam lá bem.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Melhore o Natal de um humilde fruticultor (II)


«I'm afraid poor Casanova never did it except in missionary style, never took junk, never ate human flesh. I read him only to calm my nerves with something oldfashioned.» - Saul Bellow, numa carta ao seu advogado Samuel Goldberg. Pode ser adquirida, por meros 1750 dólares, através de um site de levar às lágrimas, e acabadinho de descobrir.

Melhore o Natal de um humilde fruticultor (I)


Shouting and smoking

We invented football. Then made the mistake of teaching it to the rest of the world, who - not being English - missed the point entirely.
Football in its purest, English, form is a joyous game of kick and rush with shouting and smoking. The rot started with the Scots, who invented passing. And since then every non-English nation on the planet has felt free to produce its own ethereal, acrobatic and even artistic version of a game that was never designed to be beautiful.
Our mistake was to try to play the foreigners at their version of our sport - culminating in the disastrous decision in 1950 to enter the World Cup, a competition clearly biased in favour of those teams that are best, rather than most English.

(O resto do texto - uma argumentação tongue-in-cheek para instalar Morrissey como seleccionador inglês - também se pode ler, mas a melhor parte é mesmo esta. Morrissey sempre foi um factor de desconforto para certas secções da imprensa britânica, e declarações recentes sobre a perda da identidade inglesa no caldeirãozito multicultural das ilhotas deram a muita gente, pelo menos na redacção do NME (esse órgão nada histérico), um pretexto mesquinho para o repudiarem publicamente. A rábula, com os seus elementos de armadilha, farsa e briguinha de pátio, seria ainda mais cómica caso não fizesse ressoar tantas sinetas deprimentemente familiares.
A minha posição sobre esta importante matéria é muito simples: Morrissey pode passar o resto da vida a dar conferências de imprensa em que exija o fim das corridas de cavalos, negue o Holocausto, grite pelo Benfica e elogie a obra recente de Don DeLillo. Desde que o faça com acordes do Johnny Marr ou arranjos do Vini Reilly, o mais provável é que eu vá a correr comprar o DVD.)

domingo, dezembro 09, 2007

Não ando a dormir nada bem

O último número da Harper's traz um conto inédito do grande Donald Barthelme, escrito pouco antes da sua morte em 1989.
Eu já o li, mas não empresto a revista a ninguém, por causa deste mau feitio que tenho. Nem uma citaçãozinha levam.

Equador

O novo álbum de Springsteen é realmente mágico. A faixa «Radio Nowhere», em particular, faz-me lembrar um truque qualquer, daqueles com fumo e espelhos.

quinta-feira, dezembro 06, 2007

"I am resting on my fucking laurels, you cunts"



(E o trailer do especial de Natal está aqui)

Geometria não-euclidiana



(Aviso: o que acontece entre o minuto 1:35 e 1:45 é altamente perturbante)

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Há por aí uns blogues

- Responsável que sou (auto-nomeado) pela gestão do património do Julinho da Adelaide, venho por este meio informar-vos de que chegou a altura da sua rajada mensal de amor livre (foram três!, três posts de uma assentada). O expoente máximo em Portugal do estilo de raciocínio "self-inflicted-cask-of-amontillado-style-epistemic-bebop-wall-building" (ele escreve parênteses dentro de parênteses não como tique gráfico pós-moderno, mas porque é a única estratégia que o seu cérebro encontrou para sobreviver neste mundo fenomenologicamente devasso), o Julinho maneja também a prosa cómica ambidextra mais contagiante da blogosfera que conheço. O impacto pode não ser imediatamente óbvio para todos, mas isto, meus amigos, é como os cigarros: há que continuar a tossir até chegarmos ao ponto em que já não se pode passar sem aquilo. Controlar a respiração enquanto se lê também não prejudica.

- Este post tem-me causado imensos problemas, e estou a falar de problemas diários. Submeto-o a exegeses compulsivas; vejo lá coisas diferentes de um dia para o outro; faço perguntas a mim próprio (literalmente: falo sozinho); e estou a um passo de reescrever pierremenardicamente o Quixote com aquela frase como epígrafe.

- Outro blogue pouco conhecido, mas que urge começar a ser descoberto pelos portugueses, é o Estado Civil, cujo autor, inegavelmente talentoso (eu tenho olho para estas coisas), alimenta uma estranha e ternurenta fantasia pessoal de reabilitação de certas manifestações sonoras de Bob Dylan. Já não é a primeira vez que o apanho a reclamar de um misterioso degredo álbuns que, embora da fase não-consensual, são ouvidos e elogiados por quase toda a gente que conheço. Concordo que é preciso ter uma segurança retórica estratosférica para se começar a elogiar em público uma coisa como o, digamos, Knocked Out Loaded, mas daí a tratar o Oh Mercy como um gatinho abandonado que se trouxe para casa e se aconchegou num cobertor vai uma grande distância. E não me refiro apenas aos Dylanófilos; ainda na semana passada, a Dona Emília (minha vizinha do lado, que me empresta o carrinho de mão para acartar os citrinos menos pacientes, sempre que tenho de limpar o quintal), uma senhora pacata que é, na melhor das hipóteses, uma ouvinte ocasional de Dylan, me dizia: "Olhe, senhor Casanova, eu cá ouço quase tudo dessa fase, até o Down in the Groove, pela minha saúde. Agora, quando aquele mafarrico, benza-o Deus, me chamou o Don Was para produtor lá no Under-não-sei-das-quantas, só aí senhor Casanova - e está aqui o meu marido que não me deixa mentir - só aí é que lancei as mãos à cabeça e olhe, nunca mais consegui pegar naquilo".
«Most of the Time» não é apenas a melhor canção desse álbum: é uma das minhas preferidas da obra inteira. Se concordo que a letra é de difícil tradução, acho igualmente que vale a pena o esforço:

Grande parte do tempo
Com esta visão periférica
Grande parte do tempo
Tenho os chispes assentes na Terra esférica
Leio as tabuletas, conheço um atalho
Vou sempre a direito, até ir para o caralho
Mas cá vou andando, sem tropeçar
A gaja foi-se, mas estou-me a cagar
Grande parte do tempo

Grande parte do tempo
Só não vê isto um burgesso
Grande parte do tempo
Não estou para virar tudo do avesso
Aguento-me à bronca, no meio da confusão
Sou gajo para toda e qualquer situação
E sobrevivo, sou uma fera
Quero lá saber da megera
Grande parte do tempo

Grande parte do tempo
Sinto-me zen e tal
Grande parte do tempo
Não guardo cá ódios ao pessoal
Não sonho acordado até ir ao grego
Há para aí uns sacanas, mas para eles eu chego
Consigo ser simpático com a malta fatela
E já nem me lembro das beijocas dela
Grande parte do tempo

Grande parte do tempo
Tenho a carola em paz
Nem sequer a reconheço, palavra de honra
Deixei-a algures lá para trás
Grande parte do tempo
Já nem me lembro bem
Na questão do sexo oral
Quem fazia o quê a quem

Grande parte do tempo
Sinto-me bem, obrigado
Grande parte do tempo
Tenho este carnaval todo controlado
Não me engano a mim próprio
Não me escondo das cenas
Enterradas cá dentro, até são pequenas
Não há cá compromissos, já disse e repito
Não me interessa que ela ande com um nhónhó mais bonito
Grande parte do tempo

terça-feira, dezembro 04, 2007

Dona Chepa

«. . .Her grandfather won the Kentucky Derby - but Dona Chepa doesn't know that. She has left the starting gate 128 times and lost each time. This is believed to be a world thoroughbred record, breaking the mark of an Australian horse who was 0 for 124.
But Dona Chepa doesn't merely fail to win. "Solidly last" is how her exercise rider describes her typical performance.
"You know what to expect," said her trainer, Efrain Nieves, adding that he has never been disappointed by her.
»

(O resto está aqui)

The Sound of the Shell

Apanhei o filme a meio, mas tenho tentado acompanhar a situação no blogue da Atlântico com a maior das atenções. Segundo percebi, o Jack e o Ralph reuniram uma maioria absoluta em Castle Rock, e o Piggy, apesar de lhe ter caído um calhau na cabeça ainda antes de chegar à ilha, conseguiu ir-se embora a nado, com os seus óculos partidos.
Se alguém quiser mais analogias literárias, é só pedir: tenho uma muito boa que explica a polémica do novo Aeroporto à luz de Philip K. Dick, e outra que resume um terço da discografia de Bob Dylan com recurso a um capítulo dos Irmãos Karamazov. Estou disponível para casamentos e baptizados.

Esforço, dedicação, devoção e slapstick

Há outro clube no mundo inteiro que desgalvanize desta maneira as respostas emocionais dos seus adeptos? Não há. Este clube dá-nos tudo, mas para sofrer temos de ir a outro lado.
Agora, numa altura em que até já se dissiparam os ligeiríssimos rancores da perda de pontos, não me custa nada admitir que há muito, muito tempo que não me ria tanto com um programa de televisão. E tenho pena dos pobres diabos no Lusomundo Alvaláxia que foram gastar dinheiro no Hot Fuzz quando tinham os Irmãos Marx mesmo ali ao lado, no esplendor da semi-relva.
Não estou a falar apenas da comédia física mais óbvia, e nitidamente ensaiada de véspera, como o trambolhão do Purovic (esse blasfemo cruzamento genético entre Boris Karloff e Buster Keaton), nem do cada vez mais calibrado crioulo de auteur de Paulo Bento, que ontem repetiu quatro vezes a mesma palavra em 3 segundos na flash-interview (não me lembro qual foi a palavra, e garanto que ele também não). Estou a falar das coisinhas pequenas, dos detalhes improvisados, como o pontapé no relvado de Miguel Veloso, cobrindo os fotógrafos de terra. Ou da soberba set-piece em crescendo que foi o lance do penalty. O espectador já ri quando ele é assinalado; redobra a gargalhada quando vê Polga avançar; lança-se para o chão com cãibras quando ouve o comentador afiançar que "o Brasileiro pode estrear-se a marcar na Liga"; e explode num chavascal de bathos quando ele telegrafa o remate com aviso de recepção (já recebi encomendas da Amazon mais depressa do que a bola chegou ao guarda-redes do Leiria).
Fiquem lá com as vossas glórias e trivelas; eu tenho um cartão de sócio da Comedy Central.

sábado, dezembro 01, 2007

Strawberries with sugar


O melhor livro do ano - no sentido restrito em que me tem divertido bastante esta semana - apresenta-se com este pavoroso título: The New Kings of Nonfiction. (Seria menos mau se viesse a lançar um novo modelo para baptizar antologias: The Proud Presidents of Pansy Poetry, The Shit Sheriffs of the Short-Story, etc). Custa 14 euros e meio, e pode ser adquirido na Almedina, um facto, por si só, quase miraculoso. A política de preços do plantel Almedinense é notoriamente esotérica, e as esporádicas pérolas que se vão encontrando naquelas prateleiras costumam estar incluídas em duas categorias muito específicas: o "Se-Quiser-A-Gente-Paga-lhe-Para-Levar-Isto" (já lá vi um livro da Routledge mais barato do que um pacote de farelos), ou o "Declare-Aqui-A-Sua-Bancarrota" (como é o caso do The Penguin Guide to Blues Recordings, disponível na Amazon por menos de 15 libras, mas cuja etiqueta lusa anunciava uma quantia menos parecida com o preço de um livro do que com o Produto Interno Bruto do Canadá. Adiante).
O livrinho em questão, organizado por Ira Glass, recolhe algumas peças de reportagem literária publicadas na última década nas melhores revistas do mundo, que são, como se sabe, quase todas americanas. Alguns dos nomes são conhecidos (David Foster Wallace, Malcolm Gladwell, Susan Orlean, Bill Bufford), outros nem por isso, mas a qualidade é uniforme.
A jóia da coroa é provavelmente o longo artigo de Michael Lewis para o New York Times sobre Jonathan Lebed. Quem é Jonathan Lebed? - pergunta o leitor, visivelmente desanimado. Lebed era, em 1999, um jovem de 14 anos. E, na idade em que muitos de nós passávamos as tardes a telefonar para a Vera Roquete, Lebed digeria quatro horas diárias de Canal Bloomberg. E achou tudo aquilo muito interessante. Munido apenas de um e-mail da AOL, uma conta-poupança aberta pelos pais, e uma insólita estrutura de apoio (já lá vamos), quase levou o sistema capitalista a um colapso nervoso.
Em cinco meses lucrou cerca de oitocentos mil dólares, colocou em causa os fundamentos do mercado de capitais e levou às fronteiras da apoplexia vários membros da SEC (Securities and Exchange Commission, entidade reguladora destas coisas nos Estados Unidos). Lebed foi acusado de influenciar artificialmente o preço das acções de inúmeras companhias, mas o caso acabou por nunca ir a tribunal, em parte porque a SEC se apercebeu que seria complicado provar que o que Lebed fazia era ilegal sem fazer ruir todo o edifício pelos alicerces.
Não excluo aqui um certo grau de manipulação jornalística, mas é divertidíssimo comparar o tom e o conteúdo das declarações das duas partes interessadas. O presidente da SEC soa como Lebed deveria soar, isto é: como um miúdo de 14 anos. As suas explicações sobre o sucedido são vagas, circulares e um bocadinho patéticas ("He's a bad kid", "he'd buy, lie and sell high", "because I say so", e afins). O cerne cómico da peça ocorre quando um advogado é trazido à sala para explicar ao jornalista o que significa "manipular o mercado", diálogo que gera uma definição intrigantemente circular, em que promover uma companhia com o intuito de elevar a sua cotação é "artificial" quando a SEC consegue convencer um tribunal dessa "artificialidade". O conceito de "força de mercado" é igualmente nebuloso, embora a conclusão do jornalista me pareça à prova de água: quando a internet colidiu com Jonathan Lebed, Jonathan Lebed transformou-se numa força de mercado. Ou então todo o sistema é uma farsa.

Os melhores parágrafos da peça, contudo, são os dedicados à voz do rapaz, que rapidamente denunciam uma oleada (e potencialmente oleosa) máquina de fazer sentido. Isto é o próprio, na primeira pessoa - e volto a relembrar que a primeira pessoa em questão tinha nesta altura mais borbulhas do que anos de calendário:

«I was going over some old press releases about different companies. The best performing stock in 1999 on the Nasdaq was Qualcomm (QCOM). QCOM was up around 2000% for the year. On December 29th of last year, even after QCOM's run from 25 to 500, Paine Webber analyst Walter Piecky came out and issued a buy rating on QCOM with a target price of 1,000. QCOM finished the day up 156 to 662. There was nothing fundamentally that would make QCOM worth 1,000. There is no way that a company with sales under $4 billion, should be worth hundreds of billions. . . . QCOM has now fallen from 800 to under 300. It is no longer the hot play with all of the attention. Many people were able to successfully time QCOM and make a lot of money. The ones who had bad timing on QCOM, lost a lot of money.
People who trade stocks, trade based on what they feel will move and they can trade for profit. Nobody makes investment decisions based on reading financial filings. Whether a company is making millions or losing millions, it has no impact on the price of the stock. Whether it is analysts, brokers, advisors, Internet traders, or the companies, everybody is manipulating the market. If it wasn't for everybody manipulating the market, there wouldn't be a stock market at all. . . .
''

Melhor ainda é a resposta às acusações de que certos e-mails seus postados publicamente num fórum da Yahoo, e contendo elogios a companhias das quais ele próprio era accionista, teriam "manipulado artificialmente o mercado":

«Every morning I watch Shop at Home, a show on cable television that sells such products as baseball cards, coins and electronics. Don West, the host of the show, always says things like, 'This is one of the best deals in the history of Shop at Home! This is a no-brainer folks! This is absolutely unbelievable, congratulations to everybody who got in on this! Folks, you got to get in on the line, this is a gift, I just can't believe this!' There is absolutely nothing wrong with him making quotes such as those. As long as he isn't lying about the condition of a baseball card or lying about how large a television is, he isn't committing any kind of a crime. The same thing applies to people who discuss stocks.»


* * *

Quantos membros da minha geração, nas suas gincanas sociais historicamente circunscritas entre recordes de pontos no Golden Axe, colossais arquitecturas de legos, obsessões semi-privadas com as sobrancelhas da Helena Ramos e discussões sobre os méritos relativos de Use Your Illusion vol. 1 versus Use Your Illusion vol. 2, quantos membros da geração de 80, dizia, tiveram percursos adolescentes merecedores de quinze mil palavras no New York Times?
O factor mais intrigante no artigo é um que obriga a reformular esta questão: quantos de nós tivémos um amigo como Jonathan Lebed? Pessoalmente, nunca tive um amigo como Jonathan Lebed; se o tivesse tido, isso não teria feito diferença nenhuma, pois ainda hoje não sou capaz de identificar uma boa dica de investimento, mesmo que ela caia no meu quintal ao lado do marmeleiro. Mas Jonathan Lebed tinha amigos como Jonathan Lebed, e isso fez toda a diferença do mundo.
Para perceber o que o tornou possível, e sem injectar um mililitro de determinismo na história, é importante notar que ele não representou uma mera explosão de talento num vácuo suburbano. Os pioneiros, seja em que área for, podem perfeitamente estilhaçar paradigmas no escuro, mas dá sempre jeito ter uma câmara de eco para testar o equipamento. Quando comecei a ler o artigo julguei (erradamente) que iria encontrar um protagonista familiar e rapidamente identificável: o idiot savant, com um cérebro colossal mas cheio de cavidades autistas, brilhante mas incapaz de atar os próprios sapatos, a babar-se num quarto escuro por cima de um teclado (ou de um tubo de ensaio, ou de um tabuleiro de xadrês, enfim. . .) e a reescrever a realidade às apalpadelas. Mas tornou-se gradualmente aparente que o protagonista da história não é tanto Jonathan Lebed como o Liceu de Cedar Grove em New Jersey, onde, num curto período de tempo entre 1999 e 2001, aproximadamente um terço da população estudantil (e alguns docentes que apanharam o comboio em movimento) passava as horas vagas a comprar e vender companhias:

«[Jonathan's] crowd of friends at Cedar Grove High School, most of whom owned pieces of Internet businesses and all of whom speculated in the stock market. ''There are three groups of kids in our school,'' one of them explained to me. ''There's the jocks, there's the druggies and there's us -- the more business oriented. The jocks and the druggies respect what we do. At first, a lot of the kids are, like, What are you doing? But once kids see money, they get excited.'' (. . .)»

A estrutura social de um liceu não é apenas uma estrutura de integração ou exclusão - pode ser também uma estrutura de capacitação, e servir para aglutinar intuições afortunadamente semelhantes, numa idade formativa. É por isso que os parâmetros que medem a qualidade de um estabelecimento de ensino são sempre reducionistas se se limitarem à qualidade dos recursos óbvios e tangíveis. Aqueles são os anos em que gravitamos na direcção de personalidades e interesses que espelhem e moldem os nossos, e em que começamos a construir pela base as redes sociais que nos vão sustentar na vida adulta. Uma boa escola, idealmente, não permite apenas o acesso a um bom professor e a uma boa biblioteca; deve permitir também o acesso a um bom recreio. Se não o encontramos - ou se temos o azar de estudar num liceu como o dos Morangos com Açúcar, onde as categorias disponíveis são "betos" e "motards" (isto era de uma série anterior, mas the point stands, em Cascais ou na Marmeleira) as perspectivas são reduzidas. Não eliminadas, como provam todos os génios socialmente equilibrados que nasceram e cresceram no Bronx ou no Prior Velho (eu conheço um), mas drasticamente reduzidas.
Os amigos de Jonathan Lebed não duplicaram o seu rasgo, mas compreenderam-no, e souberam gerir as consequências. Um dos cavalos de batalha da SEC tinha sido a noção de que a irresponsabilidade de Lebed causara males reais, com "vítimas" de carne e osso, algo que ressoa na cabeça do jornalista algumas páginas depois, quando descobre que Keith (16 anos, um dos amigos mais próximos de Jonathan) perdera dinheiro numa companhia chamada West Coast Video, depois de Jonathan ter saído da jogada: ''You're Jonathan's victim.'' A resposta é epigramática: ''Nah,'' Keith said. ''In the stock market, you go in knowing you can lose. We were just doing what Jon was doing, but not doing as good a job at it.''

Façam um favor a vocês próprios e comprem o livro: não há uma única página aborrecida. Sempre a pensar em vocês, tomei a liberdade de esconder os três exemplares que ficaram na Almedina debaixo do Penguin Guide to Blues Recordings.
Se é que aprendi alguma coisa esta semana sobre como "manipular artificialmente o mercado", aposto que ainda ninguém lhes mexeu.

(Jonathan Lebed, hoje um milionário de 22 anos, tem uma página online com dicas de investimento. Não é tão divertido como ir ver as pilecas a Newmarket, mas quem quiser pode espreitá-la aqui.)


(Adenda: O Filipe Guerra leu um post qualquer noutra galáxia e, por motivos não aparentes, linkou este. Ou então leu mesmo este, mas em braille defeituoso, ou numa tradução do babelfish.
Também é preciso ter em conta que tropeçar nas palavras "América" e "dinheiro" assim, logo de manhã, é suficiente para estragar o resto do dia a qualquer pessoa de bem.)