sexta-feira, novembro 30, 2007

Bota de ouro


«Rijkaard foi expulso em Lyon mas, na véspera do jogo da Champions, esteve simplesmente genial na conferência de imprensa, ao dar a entender que Edmilson, na entrevista ao canal TV3, fez o mesmo que Kevin Keegan no filme "Suspeitos do Costume": montar uma história conforme os objectos que o rodeava.»

O simplesmente genial Rui Miguel Tovar, no Record de hoje (juro, está na página 42). Ignoremos os autogolos gramaticais e concentremo-nos no essencial: aquele prodigioso golpe de casting revisionista.

quinta-feira, novembro 29, 2007

Se isto não é a canção do ano, não sei qual será a canção do ano





Sonic Youth - «I'm Not There»

(p.s. 1: O Lifelogger é realmente muito prático e amistoso. Agradecimentos a todos os que o recomendaram, em especial ao Irmão Lúcia, a quem só faltou explicar-me todo o processo com bonifrates e lápis de cera.)

(p.s. 2: E vocês aí, não me metam em sarilhos, por favor. Já deixei queimar um arroz de pato por me ter distraído a pensar nessa brincadeira. A minha primeira reacção foi a óbvia: numa quinella irlandesa seria indiferente a ordem dos dois cavalos na aposta, que é uma each-way efectiva sem o mesmo investimento. Mas a maneira como a pergunta é formulada torna esta resposta um bocadinho ridícula. O que se pretende é um benefício objectivo de apostar num cavalo que se sabe não ter hipóteses - independentemente de a aposta ser win-win, de lugar ou each-way. E no sistema parimutuel, isto só faz sentido se envolver um esquema daqueles praticados por mafiosos das Midlands, cujo nome é quase sempre Robbie ou Dave, e cujas unhas são quase sempre da mesma cor dos sapatos. Por exemplo, apostando maquias avulsas a intervalos irregulares nas cabines da pista para inflacionar artificialmente o preço de um cavalo manco e vesgo - aproveitando depois as ofertas daltónicas das grandes agências off-track, que monitorizam o galope das cotações de pista de uma forma surpreendentemente superficial, e cuja preocupação com oscilações súbitas é subordinada à preocupação de poder continuar a prometer aos seus clientes percentagens idênticas sem o peso da breakage. Quer-me parecer que este hipotético esquema teria maiores probabilidades de sucesso antes do advento das betting exchanges online, mas neste ponto, como em tantos outros, é perfeitamente plausível que esteja a dizer um grande disparate, até porque a questão original pode partir de uma idiossincrasia do sistema de apostas americano que desconheça por completo. Parece-me igualmente pertinente salientar que eu agora me dedico mais à fruta.)


A sul do Tejo nem a natureza funciona

Pela minha saúde: são 3:13 da madrugada e está um galo a cantar aqui ao lado.

segunda-feira, novembro 26, 2007

Tenham a bondade de me auxiliar

Uma sucessão de más sortes, más escolhas e problemas técnicos (frase a repescar para a autobiografia) resultou numa situação em que me vejo sem qualquer armazém online para aconchegar os meus ficheiros musicais. Agradecia que alguém me indicasse um sítio decente.
O outrora excelente filexoom, tanto quanto pude aferir, implodiu depois da mudança de servidor; a sua relação comigo é agora análoga à do género feminino com o Tiago Galvão: apesar de flirtar descaradamente com outros utilizadores na minha presença, o filexoom não obedece aos meus pedidos, não responde aos meus e-mails, e atravessa a rua quando me vê chegar.
O Fileden, nos braços peludos do qual me lancei talvez precocemente, também parece ter triturado as minhas pastinhas, embora aqui o problema me pareça envolver não tanto dificuldades técnicas como represálias estéticas: desde que lá alojei um mp3 do Vítor Espadinha as coisas nunca mais foram as mesmas.
Estou à deriva, como notam, e o mundo ficou privado do meu excelso gosto: aproxima-se a altura de fazer as listas de discos do ano e tenho um programa de festas em stand-by.

Auxílio para o mail, sff.

Dos benefícios criativos da escritura de compra e venda


- Gore Vidal, "The Golden Bowl of Henry James"


(Larga lá a volumetria: pelos meus cálculos, tens uma janela de 3 meses para completar projectos estagnados.)

O programa Chess Titans do Windows Vista ainda não me conseguiu ganhar com a Ruy Lopez (mas com o Dragão Rápido da Siciliana foi um descalabro)



sábado, novembro 24, 2007


quinta-feira, novembro 22, 2007

Efficiency, efficiency they say



(Isto é tão, mas tão bom, que uma pessoa até lhe perdoa ter começado a trocar alguns dos soberbos "la-las" do refrão original por uns desleixados "na-nas". Será da idade? Possivelmente. E se o pior que a velhice nos reserva é começarmos a trocar "la-las" por "na-nas" podemos dar-nos todos por satisfeitos. John Cale é deste planeta e nós também: é preciso ter sorte.)

Barzã

Das muitas, muitas coisas que aprendi a ler Jacques Barzun, duas das mais úteis foram as pronúncias correctas de "Montaigne" e "Walter Bagehot" ("Montánhe" e "Badjet", respectivamente). Só é pena que, de caminho, não tenha aprendido a pronúncia correcta de "Barzun": foi-me hoje explicado que ando há anos a fazer figura de urso sempre que menciono o senhor.

(Já agora, o centenário é este mês.)

terça-feira, novembro 20, 2007

James Wood, James Wood, James Wood

Tolstoy is the great novelist of physical involuntariness. The body helplessly confesses itself, and the novelist seems merely to run and catch its spilled emotion.(...) Tolstoy can seem almost childlike in his simplicity, because he is not embarrassed to do the kind of thing beloved of children’s and fairy-tale writers when they read the emotions on the face of a cat or a donkey. When Prince Andrei’s wife dies in childbirth, her dead face appears to say to the living, “Ah, what have you done to me?” The old prince’s valet can “read” his master’s body; he knows that if the prince is “stepping full on his heels” something is up. At a ball in St. Petersburg, the sixteen-year-old Natasha Rostov has just finished a dance and, intoxicated with happiness, would like to rest. But someone asks her to dance again, and she agrees, flashing a smile at the man she will eventually become engaged to, Prince Andrei, who has been watching her. Tolstoy explains the smile:

That smile said: “I’d be glad to rest and sit with you; I’m tired; but you see, I’ve been asked to dance, and I’m glad of it, and I’m happy, and I love everybody, and you and I understand all that,” and much, much more

Readers always feel that Tolstoy is both an intrusive narrator—breaking in to explain things, telling us what to think, writing essays and sermons—and a miraculously absent one, who simply lets his world narrate itself. As Isaac Babel put it, “If the world could write by itself, it would write like Tolstoy.” There is a sense in which Tolstoy is saying to us—to dare a Tolstoyan reading of Tolstoy, for a minute—“I will gladly help you read Natasha’s or Pierre’s or the little princess’s face, but, really, anyone could do it. You don’t need me. For these are the largest, most universal, most natural emotions, not the precious little sweets of the stylish novelist.”


(Não sei como é que isto escapou às malhas do Dennis Dutton, mas toma lá)

Se todos os artigos económicos fossem escritos assim, eu conseguiria perceber muito melhor o que se passa à minha volta

We export because that’s the only way to get imports. If people would just give us stuff, then we wouldn’t have to export.

Beirute



Ou o autor deste comentário anónimo se identifica (pode ser por mail) nas próximas 24 horas, ou faço mal ao coelhinho. Estou a falar a sério. Os comentários anónimos só têm graça quando não têm graça.

Vamos supor

«Mas agora a sério - talvez seja preciso esquecer Ian Curtis, os Joy Division, toda a questão referencial, remetida (e deixem-me dizer assim) para uma "carícia distante". Julgo que se o filme se baseasse numa abstracção (vamos supor: a vida de Jack Shitload, vocalista dos Crap Division) teria essencial e substancialmente a mesma força.»

Este homem é um Pynchoniano de armário.

(Não isto tenha alguma coisa a ver com nada, mas em Vineland, há uma banda chamada Billy Barf and the Vomitones, que é convidada por acidente para tocar num casamento de mafiosos, performance para a qual se preparam lendo o "Italian Wedding Fake Book", de Deleuze & Guattari. Uma das canções do set, com a participação especial da vocalista e ninjette semi-reformada DL Chastain, goes a little something like this:

Just a floozy with an Uzi. . .
Just a girlie with-a-gun. . .
When I could have been a mo-del,
And I should have been a nun. . .

Oh, just what was it about that
Little Israeli machine?. . .
Play all day in the sand,
Nothin' gets, jammed, under-
stand. . . what I mean?

So Mis-ter, you can keep your len-ses,
And Sis-ter, you can keep your beads. . .
I'm ridin' in Mercedes Ben-zes,
I'm taking care of all my needs. . .

I'll lose my blues, in some Jacuz-zi,
Life's just a lotta clean fun,
For a floo-zy with an U-U-zi,
For a girlie, with-a-gun. . .
)

domingo, novembro 18, 2007

Getting pressure from the Mayor

(O autor do blogue O Vermelho e o Negro diz querer saber se eu tenho tempo, neste afã de sementeira e colheita, para ver filmes e gostar deles. Tenho sérias duvidas sobre este desejo; parece-me que o autor do blogue O Vermelho e o Negro está meramente a usar-me como válvula de escape para alguma agressividade-passiva decorrente da crise de citrinos que assola os nossos supermercados, mas vou alinhar na charada e dizer umas coisas sobre cinco filmes que vi nesta minha vida, para benefício do autor do blogue O Vermelho e o Negro)

The Night of the Hunter (1955) – Um jardim imaginário, com batráquios reais. O plano lateral de Mitchum a subir os degraus da cave com os braços estendidos continua a ser a minha anfetamina mais fiável, mas gradualmente comecei a encontrar na personagem de Lilian Gish melhores motivos para dormir com a luz acesa; ouvir Mitchum cantar é como pisar uma aranha, mas ouvir Gish cantar é como pisar uma aranha com o pé descalço. Davis Grubb, que escreveu a história, é o possuidor do melhor currículo genuíno que alguma vez li na contracapa de um livro: antes de se dedicar à escrita a tempo inteiro, catalogava beija-flores guatemaltecos embalsamados, no laboratório de ornitologia do Carnegie Institute of Technology.

Fitzcarraldo (1982) – Tal como Apocalipse Now, com o qual tem algumas semelhanças oblíquas, é um filme que duplica o seu próprio making of, mas garanto que não vou aqui dizer mais nada de interessante sobre o assunto. Se o Rex Ingram se libertasse sozinho da sua lamparina troposférica, atravessasse três camadas atmosféricas, três áreas de descontinuidade, a ponte 25 de Abril e a louca corrida à fermentação a decorrer no meu quintal entre as laranjas mais timoratas e os exemplares mais inúteis do jornal Dica da Semana, se o Rex Ingram, dizia eu, se materializasse na minha cozinha, e me concedesse três desejos sem letrinhas minúsculas no contrato, é altamente provável que, antes sequer de ponderar uma propriedade com estábulos em Worcestershire ou a paz universal, eu lhe pedisse que Klaus Kinski fosse ressuscitado de propósito para gravar a mensagem de atendimento no meu telemóvel. Queria ver se o departamento de promoções da TMN não aprendia logo a respeitar-me.

They Live! (1988) – Depois da proto-abdicação de McCain, uma vitória de Giuliani nas primárias do Iowa é agora uma possibilidade, o que pode descarrilar a campanha de Romney muito mais cedo do que o esperado para um candidato com roupa interior à Bridget Jones. Fred Thompson incomoda-me profundamente; o homem faz James Spader parecer normal. Barack Obama continua a sua maratona ontológica, tendo bebido uma garrafinha de água mineral à beira do quiosque dos Rockefeller Republicans. John Edwards vai aperfeiçoando a sua imitação anti-sistémica de Dias da Cunha. Bill Richardson é o único Democrata que me faz rir pelos motivos certos. A mulher de Dennis Kucinich é extraordinariamente atraente, mas pelos motivos errados. (Eu votaria em branco, ou em McCain, o que é quase o mesmo).

The Big Lebowski (1998) – Talvez o melhor filme sobre advogados da história do cinema. Apesar da duração (cerca de sete horas) o espectador nunca se aborrece. A célebre sequência no tribunal, em que o promotor-público de Dallas interroga ferozmente o hirsuto anarquista porto-riquenho sobre a sua costela Habermasiana é um dos grandes momentos da carreira de Mário Viegas.
(Já vi o filme umas oito vezes, mas possivelmente nunca nas condições fisiológicas ideais).

Sunset Boulevard (1950) – Porque não conseguiria fazer melhor, passo a palavra ao maior vulto intellectual contemporâneo, George Steiner: « . . . [Sunset Boulevard] is a nineteen-fifty-something movie starring quite a few actors, produced by someone with money, and directed by someone else whose name is not worth bothering your pretty little head about. The main plot revolves around a group of people who interact with each other by way of talking and gesticulating. All this talking and gesticulating produces a few actions, which produce, in turn, some reactions. The movie starts at the end but gets a grip on itself and comes back, proceeding then in an orderly fashion from start to finish; along the way it passes through several points which could, when taken together, be described as “the middle”. Stuff happens throughout, and consequences to the happening of stuff are also shown. Sometimes, confusingly, different kinds of stuff happen almost at once: two or more people may be talking, or even talking and eating simultaneously, and all of a sudden there is a cut and in the next shot we see someone entirely different driving a car, or shaving, or burying a monkey. It gets pretty frantic up there on the screen, but after a couple of hours of all this stuff happening, stuff suddenly stops happening, meaning that the movie has ended, so, you know, whatever.» (George Steiner, Tiresias’ Curse, or Having Fun at the Movies, p. 328)

Passo esta corrente aos portugueses. Eles que decidam, em consciência.

terça-feira, novembro 13, 2007

Um ser humano indistinto, um ser humano indistinto e outro ser humano indistinto entram os três num bar e pagam uma rodada de iogurtes

«Daqui a 50 anos, quando dois gays se puderem beijar no emprego sem provocar mais que indiferença, poderemos todos ridicularizar os exóticos gostos dos gays por homens, como hoje em dia gozamos um colega de trabalho pela derrota do Benfica no fim-de-semana. Até lá, parece-me de muito mau gosto esse tipo de humor baseado na ridicularização das diferenças, demasiado reforçador de preconceitos idiotas.
Se não resistimos a fazer piadas sobre minorias, seria mais interessante (digo eu) rirmo-nos de minorias dominantes (as que detêm o poder político, económico, cultural), em vez de nos rirmos de quem precisa de se esconder para ser aceite como igual.Ou então rirmo-nos de nós próprios, que ainda é o mais saudável e divertido, como o maradona saberá se já experimentou.
Em todo o caso, não achei piada nenhuma ao seu texto (eu que acho piada a quase tudo). É que, ao contrário de si, tenho a sorte de ter amigos gays, e imaginação suficiente para adivinhar a incomodidade e o sofrimento que esse facto, tão anódino e normal, pode ainda provocar nas suas vidas.
»

(Mais uma adição ao Clube dos Amigos da Comédia como Instrumento de Justiça Social. Não conheço outro tipo de humor que não o baseado - em maior ou menor grau - na "ridicularização das diferenças", mas admito que o quintal me ocupa muito tempo. De qualquer maneira, vale a pena ler aquela página inteira, desde o "marialvismo literário destes queques terríveis" à "cumplicidade com autos-de-fé". O estagiário que a Danone destaca para ler o meu blogue já deve estar a escrever memorandos frenéticos. E esta, meus amigos, é para epígrafe de qualquer coisa:
«Ninguém nos protege de quem nos quer, à força, proteger.» - maradona, 13/11/07)

segunda-feira, novembro 12, 2007

Janelinhas saltitonas da alma

«Years ago Leonard Michaels, upon seeing the phrase "Her eyes dropped" in one of my stories, wrote in the margin, "Did they bounce?" Well, you could be sure I never did that again. But now, teaching writing myself, I see it all the time: characters' eyes all over the place. They travel around the room, climb up the walls, but rarely do they stay in their sockets. And that's just the beginning of the problem with eyes. Portals of the soul, round like marbles, pools of water: I've never seen a body part that so welcomes cliché.»

-
The Elegant Variation


(A melhor inoculação que conheço contra este vício específico - choques em cadeia entre globos oculares vagabundos - é um conto chamado "'Tis the Season to be Jelly", de Richard Matheson. Está incluído no livro Shock III, que podem adquirir em segunda mão na Amazon, ou em alternativa, pedi-lo emprestado à minha pessoa, com os vossos olhos aparafusados ao solo em súplica dextrivolúvel.)

domingo, novembro 11, 2007

Mal de montaña


Isto é daquelas coisas, como um corte de cabelo feito por impulso, ou um trambolhão no "Isto Só Vídeo", que parece muito pior do que é na realidade. Nem sequer é nada de novo: acontece-nos duas ou três vezes por época, uma pessoa anda há vinte anos a fazer planos de contingência, os anticorpos já sabem a rotina de trás para a frente.
O pior que pode resultar daqui é um ânimozinho revolucionário aos que desejam uma vaga de fundo para devolver Paulo Bento às Astúrias. Não seria a maior asneira da história do Sporting, nem a menor: seria apenas mais uma, e sinceramente, já me começam a faltar esferas no ábaco.
O erro de Paulo Bento esta noite é tão incontornável como irrelevante. É certo que retirar o lateral-esquerdo ao intervalo é o equivalente futebolístico a invadir a Rússia em Setembro (manobra estreada, pelo menos neste clube, a 14 de Maio de 1994). Mas o jogo estava perdido desde os primeiros minutos, quando a equipa do Braga descobriu que estava a jogar não contra outra equipa, mas contra uma daquelas expedições ao Evereste que corre mal.
A maior responsabilidade que pode ser imputada a Paulo Bento é a de ter feito um trabalho demasiado bom no ano passado: levou um plantel com apenas oito jogadores de campo (e incluo o Abel nesta estimativa apenas porque a sua hirsutez me intimida) a sítios onde plantéis com apenas oito jogadores de campo nunca devem ir sem tendas, cordas, e botijas de oxigénio.

Posso nunca ter ouvido falar de Kruger e Stiffmeister, mas se o Pregal da Cunha fosse uma religião eu convertia-me

sábado, novembro 10, 2007

"It is a jungle of thoroughfare nomenclature out there"

Um post estupendo no Language Log sobre o caos polifónico que são os nomes das ruas em Edinburgh. Nada do que lá é dito é um exagero. O meu regresso a casa nas noites de fim-de-semana envolvia o seguinte percurso: Broomhouse Crescent, Broomhouse Street South, Broomhouse Place South, Broomhouse Road, Bromhouse Place North, Broomhouse Street North, Broomhouse Avenue, Broomhouse Terrace, Broomhouse Drive - isto se passasse por baixo de uma ponte manhosa e evitasse a dezena e meia de Broomhalls - Bank, Loan, Drive, Park, etc. - do outro lado de Broomfield Crescent (mesmo ao lado de Broomfield Gardens e antes de chegar a Broomlea).

Na minha pátria, que o Senhor a abençoe, basta enfiar-me num táxi no Largo Camões e garantir ao motorista que ele é uma pessoa espectacular.

The Accidental

O Seta Despedida foi para o bloggie heaven há uma carrada de meses e deixou-me saudades. A autora regressou, com o talento intacto, e num blogue com um nome cheio de potencialidades (vejam aquele equilíbrio entre consoantes e vogais, a misericordiosa ausência de letras chatas como 'u', 'x', e 'h'; isto é um nome com o qual se pode trabalhar).
Alerto eventuais míopes para o seguinte: a epígrafe do blogue é «Everything is meant» e não «Everything is meat».

Não olhem para mim dessa maneira

Norman Mailer morreu.

sexta-feira, novembro 09, 2007

Intensa Actividade Gasosa


Porque é que - perguntam amigos, familiares e carteiros preocupadíssimos - eu teimo em submeter-me a certas séries televisivas? Poderia responder-lhes com uma citação do Antigo Testamento, mas é mais fácil explicar que ainda está para surgir um artefacto audiovisual que inclua vulcões, tornados ou ondas gigantes incapaz de suster a minha atenção. Pompeii chegou mais perto do que qualquer outro; três minutos de um inacreditável prólogo filmado com filtros de lente que levariam um produtor de soft-porn italiano dos anos 80 a uma indignada apoplexia seriam provavelmente suficientes para vocês, mas eu Provérbios 12:16, etc, etc, etc.
A única virtude da série é ter providenciado a mais veemente convergência entre forma e conteúdo desde que Kerouac escreveu num rolo de papel higiénico: depois de Pompeii, a expressão filme-catástrofe nunca mais vai ser a mesma. O fosso entre tragédia colectiva e individual é talentosa e originalmente transposto; os planos e os diálogos vão-se acumulando numa maré fumegante, descendo encosta abaixo na nossa direcção; e não há nada que o telespectador possa fazer, a não ser enrolar-se no mármore gelado da sala-de-estar, em posição fetal, à espera de ser sepultado em entulho vesuviano. Alguém me convide para jantar hoje à noite (segundo episódio), se faz favor, ou os turistas de um futuro longínquo terão a oportunidade de visitar a margem sul em busca dos meus restos mortais, ainda com o telecomando e um pacote de maltesers nas mãos petrificadas.

Irrita-me quando esquecem as implicações biográficas do gosto por massa cotovelo (e não sei se já vos disse o quanto gosto de James Wood)

«Like his characters, Gogol was a defensive fantasist. He threw lies around himself like hoops, and danced within them. He was an actor, a liar, a peacock, a salesman of treasures. Friends reported that he was amusing to travel with because he had a great dislike of showing his passport or yielding his name. He liked aliases (Gogel, Gonel, and so on). He irritated others by playing card games he had invented and then changing the rules during play. He became rather selfishly involved with undercooked macaroni cheese, a dish he made again and again for guests.»

(James Wood, "Gogol's Realism", in The Broken Estate: Essays on Literature and Belief)


(Quando morei em Edinburgo, costumava participar num jogo de shots chamado "Go-gol dancing". O jogo era despoletado pelo primeiro cliente da noite (enfim: tarde, manhã... eu tinha uma vida diferente) que se dirigisse ao balcão para pedir uma garrafa de Ochakovo Ruby. Um dos participantes tinha então de se levantar, dançar um boogiezinho, debitar um facto biográfico sobre Gogol e beber um Bloody Bastard. Terão de acreditar na minha palavra quando vos digo que isto era bastante menos decadente do que soa.)

terça-feira, novembro 06, 2007

Pode sinalizar uma deriva para frivolidade, mas o autor do blogue acha que nenhuma altura é má altura para ver Norman Mailer à porrada com Rip Torn



(O diálogo é consistentemente impagável, mas o melhor momento ocorre ao minuto 1:57: 'I'm not hurt.' 'Yes, you are.' 'He's hurtin' worse than me!' Um involuntariamente hilariante making of do incidente pode ser lido aqui. Não sei se este país pode andar para a frente enquanto não existirem provas documentais de uma cena de recreio entre um escritor de renome e um actor semi-canastrão. Os meus candidatos: José Luís Peixoto vs. Rogério Samora. Fica a sugestão.)

domingo, novembro 04, 2007

In July



This is a lot of shit, you know that?» Um infame outtake de Orson Welles. Ou era isto ou era vir para aqui fazer queixinhas do Sr. Elmano Santos e eu sou uma pessoa crescida. Dito isto, se o Sporting não ganha este jogo, apago o rascunho do post sobre o Roth e vamos ter uma semana de clips do YouTube com anúncios a comida congelada.)

sexta-feira, novembro 02, 2007

¿Le gusta este Jardín que es suyo?

« 'This is a tormented confession disguised as a novel'.
'Unless it's a novel disguised as a tormented confession'.»


(Já volto para escrever o resto do post. A pitoresca fauna da margem Sul ainda não aprendeu a respeitar o meu quintal e tenho de ir resolver esse problema.)

quinta-feira, novembro 01, 2007

(Bronislaw: pervert)


O Diário de Malinowksi pode não ser mais do que uma nota de rodapé na história da antropologia, mas é um texto-base do registo confessional. Deve ser lido (bem, por masoquistas, para começar) em tandem com a correspondência javarda entre James e Norah Joyce; ambas as obras geraram ferozes e inconclusivos debates sobre questões de propriedade e privacidade, e ambas flutuam num plano perpendicular às disciplinas que as enquadram: o Diário está para a etnografia como as cartas para a ficção modernista.
O Diário, ainda assim, consegue ser uma leitura mais incómoda: nas trocas de mimos do casal Joyce há uma dinâmina bi-direccional que, paradoxalmente, coloca o voyeur numa posição menos desconfortável; a imundície é privada, mas recíproca, e não exclui formalmente o olhar de terceiros. Já o Diário é insuportavelmente íntimo; é Malinowski a pensar sobre Malinowski perante os olhos de Malinowski. O resultado é um dos documentos mais dolorosos da história da espécie - o espectáculo do eu, em toda a sua brutal inadequação - e faz com que os espaços mais confessionais do cânone literário pareçam as cuidadosas encenações de control-freaks.
Um caso extremo de hipocondria moral, Malinowski usava o Diário como um instrumento de auto-ajuda, uma arma no seu interminável combate espiritual. A sua noção quase monástica de rigor profissional é constantemente comprometida por erupções de frivolidade e luxúria. As primeiras sempre sinalizadas pelos seus hilariantes relatórios de leitura: cada tarde perdida com um romance de cordel é penosamente confessada como um imperdoável momento de fraqueza. Quando pega nas Cartas Persas de Montesquieu, a reacção é típica: «não encontrei nenhuma das ideias que procurava, apenas descrições lascivas de haréns». Isto é duplamente tocante se considerarmos que o Diário é uma longa descrição lasciva do harém portátil que Malinowski transportava na sua cabeça.
Há dezenas de fantasias lúbricas, mais ou menos elaboradas, sobre ocidentais e nativos, mulheres e homens, crianças e objectos inanimados; a dada altura, as proezas sexuais de um par de cachorrinhos vadios são descritas em profuso e apreciativo detalhe. Todos estes instantes são imediatamente seguidos por manifestações de repulsa e exortações à pureza. É como ler uma versão anfetaminada das Confissões de Santo Agostinho: oh Lord, make me chaste, right now, before I bang everything in sight.
Elsie Masson, a sua futura esposa, é a terceira presença espectral que assombra o Diário, o talismã que Malinowski usa para afugentar as tentações. No princípio Malinowski vê-a como pouco mais do que uma solução para um problema técnico: mais um tópico no «sistema de proibições formais específicas» com que pretende espartilhar os seus apetites. Mas no último quarto do livro, as invocações assemelham-se cada vez menos a um recurso desesperado ou a uma declaração de intenções: e ali, a quente, na página, o leitor assiste embasbacado ao espectáculo degradante de um homem a apaixonar-se genuinamente pela ideia de monogamia.
Esqueçam o Tintim: se algum dia encontrar isto num raio de 10 metros das prateleiras das criancinhas, serei o primeiro a vir exigir boicotes.

The Muttonhead Quail Movement

«Pakistan city virtually shut down after strike call

The opposition blames the government and the pro-government Muttonhead Quail Movement (MQM), which runs Karachi, for the violence.»

Um espectacular acidente de spell-check da Reuters. (Via este post no criticamente indispensável Language Log).