quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Mon prémier Rivette



Cerca de sessenta pessoas entraram na sala Dr. Félix Ribeiro para ver a versão integral de L'Amour Fou. Duzentos e cinquenta e três minutos depois, sete pessoas cambalearam de lá para fora, entreolhando-se com a cumplicidade culpada dos sobreviventes. Os outros desgraçados (feridos, mortos) pejavam o chão da sala como pipocas descartadas. Muita gente saiu a meio, assustada com la violence; cambada de pussies.
O filme (que, ao contrário do que me disseram, não é uma hilariante gross-out comedy na linha dos irmãos Farrelly) foi uma das experiências mais viscerais a que tive o prazer de assistir desde os célebres Benfica-Porto arbitrados por José Pratas na década de 90, que acabavam sempre com 5 jogadores expulsos.
Pontapé de saída! Quem vem lá? Sébastien Badass, um homem com quem não queres fazer farinha. Olhem para aquele porte, aquele estilo. Ninguém se mete com ele. O filme é a preto-e-branco, mas a camisa hawaiana não engana ninguém: aqui está um homem de quem até o espectro cromático tem medo. Há uma peça a ser ensaiada. Andromaque. Racine. Num ringue de luta livre, evidentemente. Ainda não desenharam um palco capaz de conter a pura badassness de Sébastien. Assistimos aos ensaios. Uns correm bem, outros correm mal. Sébastien fuma. Será que a peça existe mesmo? Se calhar não, e as pessoas têm medo de lhe dizer. E agora? Ok, vêm aí as mulheres. Há imensas mulheres no filme. Sébastien fuma. As mulheres também. Onde é que isto já se viu? Mas Sébastien não quer saber. Ele não quer saber de nada. Ele beija mulheres. Ele cospe no chão. Há uma loura. A loura entra na peça, e depois não entra. Sébastien fuma. Depois come pudim. Depois fuma. Esperem lá. Não acredito. Agora fuma e come pudim, ao mesmo tempo! Este meu não quer mesmo saber. Este meu doesn't give a damn. Isto é um buddy movie sem o buddy, um road movie sem a road. Sébastien não precisa de buddies nem de roads. Mais ensaios. Sébastien fuma. Sébastien gala as actrizes. As actrizes não têm outro remédio senão serem galadas. Há uma festa. As pessoas sentam-se em sofás e dizem coisas. Sébastien fuma. E agora? Tambores! Sébastien produz um tambor e cá vai disto. Incrível. O que é que ele irá fazer a seguir? Ninguém sabe. Eu não sei, tu não sabes, as mulheres não sabem, os homens tremem, os animais de estimação gemem apavorados.
Há mais ensaios. Dois actores sentam-se em cadeiras, mas Sébastien vira as cadeiras ao contrário. Sim, e os actores vão fazer o quê? Protestar? Não me façam rir. Sébastien fuma. Oh não. A camisa já não é hawaiana! Sébastien fuma, de camisa branca. O homem afugentou o Hawai da camisa, e fê-lo sozinho. Os ensaios prosseguem. Sébastien parece aborrecido. Há um ar de pânico em todas as pessoas que, por azar, não são Sébastien. Eu próprio tive de me amarrar à cadeira para não desatar a correr que nem um maluquinho. A loura, em particular, não parece estar a gostar das coisas. Há um cão. A loura quer o cão. O cão não quer a loura. Sébastien dorme. A loura não. Estranhamente, nenhum deles fuma. Algo de extraordinário vai acontecer. A loura pega num alfinete e aproxima-se de Sébastien. Pobre alfinete, parece aterrorizado. A situação é resolvida. Sébastien fuma.
Mmm, o que é isto agora? Uma pistola. Há uma pistola no apartamento. Sébastien oferece-a a várias pessoas. Ninguém aceita. Por fim, ele luta consigo próprio pela posse da pistola. E ganha! Estavam à espera de quê? Mais ensaios. Racine é complicado. Olá. A loura quer-se ir embora? Parece que Sébastien foi longe demais. Isto vai dar molho. É claro que Sébastien foi longe demais: é o que ele faz. Sébastien mostra-se vulnerável. Que charada. Talvez não. Ele é suficientemente rijo para a vulnerabilidade. Vestuário rasgado. Como o Hulk, mas ao contrário. (Ok, usou tesouras, mas o trabalho ficou feito). A loura cede. Ambos fumam.
Pausa nos ensaios. Já não era sem tempo. Sébastien ri! O homem é imprevisível. Está contente. A loura também. O dinheiro que esta gente deve gastar em tabaco. E quando julgamos que já lhe topámos o esquema todo, ele aparece, de cuecas e chapéu, a fazer desenhos nas paredes. A única coisa que lhe falta é vestir-se de mulher e destruir uma porta à machadada. Bingo! E com um machado pequenino. Podia ter usado um machado grande, mas não precisa. A badassness do homem é imensa.
Agora sai à rua. Agora fuma. Os prédios mexem-se. A música é ominosa. Sébastien passa por um espelho. O seu reflexo confunde-o. Pela primeira vez na sua vida, está a ver alguém tão badass como ele. Mais mulheres. Isto será boa ideia? Alguém lhe devia dar uma palavrinha. Mas já não há heróis. A loura grava cassetes e depila as sobrancelhas. A operação corre mal. O ringue de luta livre está deserto. Sébastien fuma. O tempo transborda. Fade out.

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Dedicado aos meus pais, Ayn Rand e Deus

Quebrei a minha própria regra - de nunca me aproximar de um texto que inclua a expressão «sociedade ocidental» - e li com bastante interesse 25% deste post do Lourenço. Também eu sou enfaticamente a favor da Oxford comma, em parte por motivos autobiográficos. Quando tinha 9 anos, a professora Irene explicou-me que as vírgulas que eu utilizava esporadicamente antes da conjunção "e" eram um erro. «Mas são sempre um erro, professora Irene?» «Sim, pequeno Casanova, um erro.» Claro que isto nunca me convenceu, mas só consegui adoptar uma posição semi-coerente sobre o assunto em 2003, quando trabalhei para uma revista em Edimburgo. (Escrevia recensões críticas a jogos de computador: 800 palavras e uma classificação qualitativa de 0 a 5 joysticks. Nunca me pagaram, e a revista faliu ao fim de 2 números, mas foi o melhor emprego que tive na vida. A minha peça seminal sobre o Fifa 2004 gerou um volume de correspondência sem precedentes: dois emails, um dos quais, afinal, não era para mim. Mas estou a dispersar-me).
O editor da dita revista - e uso o termo "editor" com a latitude mais Ptolomeica que o termo permite - chamou-me um dia ao gabinete - e uso o termo "gabinete com a latitude mais" etc, etc. - para discutir a minha pontuação:
«Just out of curiosity, little Casanova, do you have any ideia what the fuck you're doing when you type a comma into this nonsense you keep handing in?»
Devo, nesta altura, ter balbuciado alguma coisa pouco convincente (nunca me senti confortável a falar com homens em idade adulta que usam tranças e óculos escuros), e ele deu-me uma palestra de aproximadamente vinte minutos sobre a vírgula serial, que foi uma réplica quase verbatim do artigo da Wikipedia que o Lourenço cita. E a minha vida, pequeno leitor, nunca mais foi a mesma. O Lourenço é a favor da Oxford comma, eu sou a favor da Oxford comma, e um dia, num futuro iluminado, seremos todos a favor da Oxford comma.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Estatísticas dos Óscares

Número de pausas comerciais na transmissão da TVI: 5

Percentagem de pausas comerciais na transmissão da TVI mais interessantes do que os números musicais: 80%

Probabilidade de "George W. Bush ser o grande bobo da noite", segundo os comentadores da TVI: 100%

Número de piadas sobre George W. Bush: 0

Percentagem das piadas de Jon Stewart nitidamente improvisadas que me fizeram rir: 90%

Percentagem das piadas de Jon Stewart escritas pelos ex-grevistas que me fizeram rir: 66,6%

Percentagem das jogadas do Setúbal-Sporting que me fizeram rir: 66,6%

Percentagem de coisas do dia-a-dia que, no geral, me fazem rir: 66,6%

Percentagem das piadas de Eduardo Nogueira Pinto que me fizeram rir: 100%

Número de Maltesers que comi durante a cerimónia: 93

Número de situações na minha vida em que o tédio era tão grande que dei comigo a contar o número de maltesers que estava a comer: 3

Percentagem de homens presentes na cerimónia mais bonitos do que eu: 99,5%

Percentagem de homens presentes na cerimónia mais bonitos do que eu, não incluindo Philip Seymour Hoffman e Tilda Swinton: 100%

Percentagem de vencedores de Óscares que acham que devemos lutar para concretizar os nossos sonhos: 75%

Percentagem de vencedores de Óscares que não diriam disparates se soubessem que o sonho mais frequente da maioria das pessoas é estar em cuecas no recreio da antiga escola preparatória, com toda a gente a olhar e a apontar: 100%

Número de pessoas na plateia do Kodak Theatre que eu julgava estarem mortas: 4

Número de pessoas na plateia do Kodak Theatre realmente mortas: 1 ("John Travolta"? Perpetuado através de CGI desde 1999.)

Número de pessoas na plateia do Kodak Theatre que estariam mortas a esta hora, se a cerimónia tivesse sido escrita pelos irmãos Coen: todas

Número de Óscares atribuídos a franceses: 3

Número de Óscares atribuídos a alemães: 1

Número de franceses que devolveriam imediatamente os seus Óscares, se ameaçados pelo alemão: 3

Número de páginas de At Swim-Two Birds de Flann O'Brien que eu poderia ter lido durante a cerimónia: 80

Número de vezes que adormeci durante a cerimónia: 2

Número de vezes que acordei aliviado pelo facto de aquela gente toda a apontar para as minhas cuecas no recreio da minha antiga escola preparatória ser apenas um sonho: 2

Probabilidade de voltar a ver a cerimónia na íntegra no ano que vem: 0,5%

Número de vezes que já disse isto antes: 15

Probabilidade de Bertrand Russell ter tido toda a razão quando escreveu "The only rational attitude is one of unyielding despair": 100%

Cobertura da cobertura

O arquitecto está em boa forma, o Alexandre Borges da Atlântico está a ser descaradamente plagiado pelo Alexandre Borges do Noite Americana, perante o conivente silêncio do Alexandre Borges do 31 da Armada. Pacheco Pereira, para surpresa geral, ainda não se pronunciou. A minha mãe está no Messenger, a perguntar se eu estou bem agasalhado.

Pardoning the turkey

C.J.: They sent me two turkeys. The more photo-friendly of the two gets a presidential pardon and a full life at a children's zoo, and the runner-up gets eaten.
Bartlet: If the Oscars were like that, I'd watch.

(The West Wing, "Shibboleth", Season 2)

domingo, fevereiro 24, 2008

Coisas que só acontecem aos outros

«Punter wins £1m for 50p horse bet: A punter in North Yorkshire has become the first betting shop millionaire after he placed a 50p bet on eight horses with odds of two million to one.
(...)
The punter discovered he had won at 1200 GMT on Saturday when he went into another William Hill branch in Bedale, 15 miles (24km) away from the branch where he placed his 50p bet.
Graham Sharpe from the bookmakers said: "He placed five more 50p bets for Saturday's racing, then asked staff to check his betting slip from the day before.
"When they told him he had £1m to come but would have to collect it from the Thirsk shop, he went visibly pale before saying that he would have to go and tell his wife."»


(BBC)

Não sei se estão bem a ver a coisa: ele acertou nos vencedores de OITO corridas consecutivas (as acumuladas deste tipo nem sequer permitem "each-way bets"). Apenas dois dos cavalos que escolheu estavam entre os três favoritos para as respectivas corridas; um deles estava a 9 para 1, outro a 10 para 1. A notícia da BBC fala em probabilidades de 2000000/1, mas acho que anda mais perto das 2750000/1.
Pelos meus cálculos, são mais ou menos as mesmas probabilidades de eu acordar amanhã cedo e encontrar o Thomas Pynchon a varrer-me o quintal.

(Trágico fragmento autobiográfico: há cinco anos atrás, só não ganhei noventa mil libras numa acumulada por causa do Ricardo, na altura guarda-redes do Boavista. Acertei nos resultados de dezassete jogos das competições europeias e do campeonato escocês. O décimo-oitavo era o Boavista-Málaga, para a Taça Uefa. Tinha apostado num empate, e consequente eliminação do Boavista. O jogo foi para penalties, o Ricardo marcou um, defendeu outro, o Boavista passou, e eu tive de substituir todo o mobiliário que danifiquei nessa noite. 18 de Março de 2003: ainda tenho o talão da William Hill.
Hoje já estou muito melhor, mas durante anos não conseguia sequer dizer o nome do homem sem me começar a latejar a pálpebra direita.)

sábado, fevereiro 23, 2008


Moda Primavera/Verão: aqui.

(Ao contrário do Sapo, o Blogger permite escrever posts sem título. É uma plataforma espectacular, esta.)

"oh yes, diz o zétolas, a teodiceia c'est moi"

Declaro, fukuyamamente, o fim dos blogues; o Julinho ganhou. Acabei de testemunhar o fim da evolução blogosférica da humanidade. Daqui para a frente, estamos reduzidos a patéticos micro-conflitos (não nesse sentido, não sejam crianças):

«- bored of having same, tiring sex every night? spice up your life, add inches to your d1ck and increase her pleasure (assinale-se a preocupação em cobrir as lógicas de recurso à extensão com todas as motivações/legitimações possíveis, interpelando todas as nuances da frustração. Por exemplo, só a magnanimidade desta fórmula me fez perceber o egoísmo grotesco de andar no mercado sexual com laughable goods, impondo um cativeiro ignóbil a essa gente que ainda se agarra ao que quase nada tem para agarrar, com fantasias emocionais de amor romântico)

- keep your girlfriend by your side when you have this (mais uma vez, uma eye(not that one; especially not now)-opening elucidação da natureza do amor. Quem disse que o amor não é quantificável? Um cientista social diminuto, sem dúvida)

- women love a man with a huge c0ck and spades of confidence (provavelmente a correlação estatística mais inabalável à espera (que eu saiba, embora duvide) de validação psico-biologista)

- don't let hot women laugh at your small tool, because you can change it today (how do they KNOW these things?!...)

- i used to have a tiny c0ck and it was embarrasing, now i'm huge and loving it (a comoção do discurso confessional e directo à comunidade de sofredores com uma mensagem de esperança, comunidade essa instaurada desde logo na recorrente totalização ontológica linguística do membro, neste caso, até da adjectivação do membro da pessoa (um reducionismo associativo de terceiro grau!; veja-se bem how huge "I" am) - movimento linguístico exponenciado, à imagem do seu produto, pela pressão para a criatividade que, tal qual produção artística em contexto de ditadura, é induzida pela vil censura dos filtros de spam ou assim a falos-chave (estão-me a acompanhar, repararam nos nºs a substituir letras nos nominalismos penianos, certo?) à bem-aventurada promoção dos schl0ngs everywhere. Em busca de uma causa meritória para apoiar? Look no further)
»

E há mais, muito mais (não nesse sentido, não sejam crianças). Leiam o resto, se tiverem coragem.

O meu plano blogosférico para os próximos tempos é ir ali ler um bocadinho de Flann O'Brien e depois vir aqui citar um bocadinho de Flann O'Brien

«Afterwards, near Lad Lane police station, a small man in black fell in with us and tapping me often about the chest, talked to me earnestly on the subject of Rousseau, a member of the French nation. He was animated, his pale features striking in the starlight and his voice going up and falling in the lilt of his argumentum. I did not understand his talk and was personally unacquainted with him. But Kelly was taking in all he said, for he stood near him, his taller head inclined in an attitude of close attention. Kelly then made a low noise and opened his mouth and covered the small man from shoulder to knee with a coating of unpleasant buff-coloured puke. Many other things happened on that night now imperfectly recorded in my memory but that incident is still very clear to me in my mind. Afterwards the small man was some distance from us in the lane, shaking his divested coat and rubbing it along the wall. He is a little man that the name of Rousseau will always recall to me.»

(Flann O'Brien, At Swim-Two-Birds)

A ONU, obviamente, não faz nada

Fui na semana passada informado de que foi cometida uma versão francesa do The Office. Uma breve pesquisa no YouTube (com o auxílio de um dicionário de bolso da Larousse) confirmou a gravidade da situação:




O único comentário a este clip é de um comovido cidadão britânico (provavelmente sem o auxílio de um dicionário de bolso da Larousse): «C'est merde. Desole france.»

(Como se isto não fosse suficiente, fiquei a saber que existe também uma versão alemã, cujo protagonista tem o nome de um antigo avançado do Benfica. Limito-me a apresentar estes factos; caberá à comunidade internacional debatê-los em sede própria.)

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Relatório da SEDES afirma que há uma lua maligna a nascer

Lisboa, 22 fev (Lusa) - Num relatório divulgado hoje no seu site, a SEDES, uma das mais antigas associações cívicas nacionais, afirma que se vê na sociedade portuguesa “uma lua maligna a nascer”, e também “sarilhos no caminho”, resultantes dessa mesma “lua maligna a nascer”.
O comunicado afirma ainda que se podem esperar “terramotos e relâmpagos” e “furacões soprando”, devido a essa “lua maligna a nascer”. Os dados recolhidos pela associação parecem indicar uma situação em que se escutará a “voz da raiva e da ruína”, no mesmo quadro genérico de “uma lua maligna a nascer”.
O relatório da SEDES termina aconselhando a sociedade civil a “não ir lá para fora esta noite”, uma vez que o acto poderá ter consequências nefastas, directamente relacionadas com a mesma “lua maligna” que está, ao que tudo indica, “a nascer”.

A versão legível de Finnegans Wake


«Who has heard honey-talk from Finn before strangers, Finn that is wind-quick, Finn that is a better man than God? Or who has seen the like of Finn or seen the living semblance of him standing in the world, Finn that could best God at ball-throw or wrestling or pig-trailing or at the honeyed discourse of sweet Irish with jewels and gold for bards, or at the listening of distant harpers in a black hole at evening? Or where is the living human man who could beat Finn at the making of generous cheese, at the spearing of ganders, at the magic of thumb-suck, at the shaving of hog-hair, or at the unleashing of long hounds from a golden thong in the full chase, sweet-fingered corn-yellow Finn, Finn that could carry an armed host from Almha to Slieve Luachra in the craw of his gut-hung knickers.»

(Flann O'Brien, At Swim-Two-Birds)

terça-feira, fevereiro 19, 2008

"He's a video game, he's not a real person"



(Via um dos estagiários do Andrew Sullivan. Não cometam o meu erro: planeiem as coisas de forma a que não tenham um gole de Capri-Sonne na boca ao minuto 6.)

Pontuação fonética, com Victor Borge e Dean Martin

domingo, fevereiro 17, 2008

Eu podia ser o Karl Rove da minha geração

Ando há meses a acompanhar o processo eleitoral americano sem perceber como é que ainda ninguém se lembrou de utilizar uma estratégia de ataque baseada na anagramática, Haverá algum método mais eficaz de enlamear um candidato do que misturar as letras que compõem o seu nome? Enfim, eu sempre estive muito à frente do meu tempo.
A verdade é que não há assunto de campanha que não possa ser analisado com este processo. Os candidatos podem ofuscar o melhor que quiserem durante os debates e discursos, mas ninguém engana o alfabeto. Vejamos, a título de exemplo, as preocupantes posições devolvidas pela selecção de caracteres "PRESIDENT BARACK OBAMA":

Personalidade - O humor sádico e colegial de Obama está a ser bem dissimulado pelos seus assessores, mas as letras não deixam dúvidas sobre o que podemos esperar assim que ele ganhar as eleições: "PRANK! I BECOME A BASTARD."

Economia - "MARKET ABSORBED A PANIC" dá alguns indicadores positivos, mas não nos deixemos enganar com tanta facilidade. A verdade é que, com Obama na Casa Branca "AMERICA'S A PRO-DEBT BANK", o que deve ter um significado sinistro para quem perceba alguma coisa de economia, o que não é o meu caso.

Cultura - O crime associado às diabólicas letras de hip-hop é, como sabemos, um dos grandes flagelos do nosso tempo. Impossível, portanto, depositar grande confiança num presidente cujo próprio nome parece apoiar implicitamente este estado de coisas: "RAP IS BARENAKED COMBAT".

Política Externa - Tal como já foi apontado por muitos comentadores astutos, Barack é um hawk disfarçado. As letras confirmam o modelo estratégico que ele pretende seguir: "RAMBO'S RECIPE DATABANK"

Valores Familiares - Talvez a categoria com sinais mais preocupantes. Uma presidência de Obama transformará a América numa autêntica Sodoma, onde estrelas hollywoodescas desnudadas vão percorrer os bosques à procura de veados fofinhos para violentar. Isto não é uma hipérbole, é a verdade literal: "NAKED ACTOR RAPES BAMBI". Talvez ainda mais perturbante é a sugestão de que um clone maligno do Pai-Natal poderá destruir um sagrado emblema da inocência universal: "MOCK SANTA RAPED BARBIE!" é a manchete que podem esperar um dia.
Mas não me restam dúvidas de que é este o tipo de acto que se vai generalizar numa presidência Obama, cuja natureza será talvez melhor encapsulada num último anagrama: "A BAD, OBSCENE KARMA TRIP".

***

As coisas não melhoram quando viramos a nossa atenção para a outra candidata Democrata; os caracteres presentes em "PRESIDENT HILLARY CLINTON" contam uma história ainda mais assustadora:

Competência e intelecto - A capacidade intelectual e o domínio dos factos são dois dos pilares em que assenta sua reputação. Um único anagrama chega para contrariar essa concepção, descrevendo com exactidão as suas faculdades mentais: "TINY PARIS HILTON NERD CELL"

Personalidade e Governação - "HELL TRIP ON SINCERITY LAND" é talvez o resumo mais apto do estilo de governação que podemos esperar de Hillary Clinton, que no fundo é "ONLY HITLER'S PLACID INTERN", e cujo discurso de inauguração promete ser um "ILL-PLANNED HYSTERIC INTRO"

Alimentação e Saúde Infantil - alguns indicadores enigmáticos parecem confirmar que o regime vai incluir uma grande dose de importações da China e Itália, com refeições de "TORTELLINI AND SPRY LICHEN" dando gradualmente lugar a uma dieta de "CHINA'S DINNER PILL LOTTERY", que não consigo descodificar, mas que me parece indubitavelmente perversa. O preconceito anti-criança de Hillary é indisfarçável, de resto, e amplamente confirmado pelas suas "LONELY ANTI-CHILDREN TRIPS", que só surpreendem quem não conhecer a sua opinião sobre os pais: "I LYNCHED A TRILLION PARENTS".

Valores Familiares - Consegue superar o carnaval babilónico de uma presidência Obama. Apesar das suas imaculadas credenciais de feminista radical ("DRY THRILL ANTI-PENIS CLONE"), e de haver, perdoem-me a franqueza, "PLENTY LAND IN HER CLITORIS", não podemos esquecer que uma presidência Hillary devolverá a Pensylvannia Avenue o seu mais dissoluto inquilino, Bill Clinton, ou, se preferirmos, "LADY HITLER'S CLIENT IN PORN", que já deve ter nomeado uma estagiária para efectuar "THE ORALLY INCLINED SPRINT" na sua direcção.

Os indícios são aterradores, mas o Partido Republicano ainda vai a tempo de impedir o Apocalipse. O meu mail está ali, do lado direito da página.

Fucking ourselves out com Pedro Arroja


(Contemporary Portugal)

Combater a artrose com Vasco Barreto

Provavelmente a forma mais eficaz de começar um post sobre extractos bancários

sábado, fevereiro 16, 2008

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

12 palavras

A Bomba, o maradona e o senhor arquitecto (ordem cronológica) imploraram-me que revelasse aqui as minhas doze palavras preferidas, o que não me parece nada razoável, pelo que vou revelar apenas sete:

bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk. Aparece logo no início de Finnegans Wake, uma prolongada sessão de sodomia sintáctica a que me submeti durante quase vinte e oito páginas (aleatórias, incompletas e dolorosas). O livro conta - enfim, acho eu - a história de Humphrey Chimpden Earwicker, um pobre diabo irlandês que passa grande parte da sua vida a ser espancado por ferozes gangues de substantivos compostos. A comovente palavra que transcrevo, quando vertida de joyciês para terráqueo, significa "trambolhão".

Ex-namorada. Estrutura orgânica na qual substâncias como "orgulho" e "auto-estima" são arrefecidas, divididas, e reduzidas às suas mais encarquilhadas moléculas.. A ex-namorada é frequentemente encontrada no outro lado de um canal comunicativo analógico, em noites de bar aberto. As suas propriedades nunca foram rigorosamente catalogadas, embora teólogos medievais tenham especulado que estas incluem a intangibilidade, a omnipotência, e a vozinha irritante.

Aforismo. Um bom aforismo deve ter apenas uma frase. Uma segunda frase costuma estragar tudo. (Os que incluem uma terceira entre parênteses são um descalabro).

Ronaldo. Palavra inscrita em cédulas de nascimento e, posteriormente, através de um complexo algoritmo, convertida em vídeos do YouTube.

Punhal. Metáfora diligente e flexível, periodicamente depositada entre as omoplatas de líderes do PSD.

Lol. Termo arcaico, muito usado na lírica Camoniana de pendor mais misógino, e que alude às propriedades cómicas de um indivíduo e/ou situação. Exemplo: "Ah, minha Dinamene, que encobres o Sol!/ Com tuas larachas desprovidas de lol."

Qualquer advérbio de modo terminado em -mente. Inquestionavelmente eficaz para prolongar artificialmente uma frase embaraçosamente curta.

Escafandro. De todas as palavras que não são insultos, "escafandro" é a melhor qualificada para ser um insulto.

Vaivaivaivaivaivai. Em microeconomia, é o vocábulo arremessado na direcção de um cavalo, numa tentativa desesperada de o fazer correr mais depressa. Deve ser acentuado em todas as sílabas. Costuma estilhaçar-se no momento do impacto, alterando dramaticamente a qualidade de vida do utilizador.

Technorati. Palavra derivada do calão Fenício para "mercador cujas bugigangas gozam de sucesso considerável entre os Hititas". Designa actualmente o instrumento utilizado para medir a relevância ontológica de um sujeito X, em relação a um padrão abstracto Z denominado, por convenção, "Pacheco Pereira".

Pessoa. Talvez a minha palavra preferida. A pessoa é uma composição química patenteada por uma divindade hebraica há cerca de seis mil anos atrás, e tentativamente replicada por um reduzido naipe de peritos nos momentos que se seguiram à Criação. O grande sucesso comercial das pessoas entre as pessoas previamente existentes abriu as portas à liberalização do mercado de pessoas, com o desmantelamento da regulação opressiva que impedia a produção de pessoas em larga escala. Apesar destas medidas, chegou-se a uma situação em que a oferta se revelou incapaz de corresponder à procura; as pessoas queriam cada vez mais pessoas e não havia pessoas suficientes. Este facto, aliado à crescente rudimentarização dos processos técnicos envolvidos, declarou o óbito do profissionalismo metódico, apregoando a era do amadorismo e do do-it-yourself: as pessoas, muitas delas sem qualquer experiência na manufactura de pessoas, passaram a reunir-se com outras pessoas para fabricar as suas próprias pessoas, com as inevitáveis consequências ao nível da qualidade
Apesar de tudo, a pessoa continua a ser um produto muito desejado. Fazer pessoas, em particular, é hoje uma das actividades mais populares entre as pessoas que já cá estão.


É estipulado que a corrente seja passada a doze pessoas, o que não me parece nada razoável, pelo que a vou passar apenas a sete: ao Eduardo, ao Bandeira e ao Filipe Guerra.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Curiosamente

Curiosamente, foi neste alfarrabista em Inverness que um dia encontrei um livro de Júlio de Mattos. Curiosamente, falei disso aqui, num post escrito há exactamente um ano.
Curiosamente, ainda não tinha visto isto, mas já começava a estranhar a inexistência de uma paródia ao vídeo mais eminentemente parodiável dos últimos tempos. O facto de John McCain conhecer Vince Vance e formular política externa com um refrão em Do e Sol é um eficaz afrodisíaco intelectual.
Mas, por enquanto, o meu endorsement não é oficial. Fico à espera de saber a opinião de Rui Santos, sem a qual eu nunca consigo tomar decisões em relação a nada, curiosamente.

A campanha está a ficar feia

Argumentum blogspoticum

O que aconteceu foi o seguinte:
Porque há alturas em que me parece que a vida pode ser um bocadinho mais do que costuma ser, passei hoje uns minutos a fazer experiências com algumas das funcionalidades do blogger, essa plataforma tão amistosa e injustiçada, e à qual tenciono permanecer fiel durante as décadas vindouras.
Ocorreu-me que nunca tinha escrito um post sem caixa de comentários e manipulei os controlos necessários para o poder fazer (não digo que tenha sido muito complicado, mas uma pessoa com insónia crónica aprende a celebrar estas pequenas vitórias). Intitulei o post "Um post sem caixa de comentários" - porque não gosto de enganar ninguém - mas percebi instantaneamente que não havia mais para escrever: o propósito do post estava cumprido, não era preciso acrescentar nada no corpo do dito. Portanto re-intitulei o post "Um post sem caixa de comentários e sem nada escrito no corpo do dito". As coisas estavam a correr bem, sentia-me bastante lúcido.
Depressa cheguei à conclusão que um post sem caixa de comentários e sem nada escrito no corpo do dito não necessita realmente de título, portanto retirei o título, tendo ficado apenas com uma data e uma assinatura. Uma data e uma assinatura, no contexto certo, podem ser tremendamente eficazes. Porém, depois de breve ponderação, acabei por decidir que assinar e datar o que é essencialmente um espaço em branco poderia ser mal interpretado, portando retirei também esses elementos do post - post esse que, por esta altura, já não retinha nenhuma das características que normalmente associamos ao conceito de post. O resultado está à vista: fui forçado a escrever um segundo post - este post: este - a explicar as características de um post prévio que as categorias de percepção dos leitores não vão registar, e que todas as evidências apontam não estar, pura e simplesmente, lá.
Este processo é conhecido como teologia.
Assumo que os infiéis entre vocês vão optar por concluír que o post nunca existiu, mas estão tragicamente enganados.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

YouTubing

Resultados para a pesquisa "James Joyce reading Finnegans Wake": 1 (Não é fácil perceber tudo, por causa daquele cerradíssimo sotaque irlandês. Com o João Villaret a ler o mesmo texto, as coisas seriam totalmente diferentes)

Resultados para a pesquisa "João Villaret reading Finnegans Wake": 0 (infelizmente não há maneira de demonstrar a validade desse raciocínio)

Resultados para a pesquisa "James and Norah Joyce making sweet sweet love": 0 (típico; nunca há celebrity porn de jeito na internet)

Resultados para a pesquisa "Pulido Valente and Filomena Mónica making sweet sweet love": 0 (típico; etc, etc.)

Resultados para a pesquisa "kittens": 43900 (já nos gatinhos, há sempre muito por onde escolher)

Resultados para a pesquisa "kitten reading Finnegans Wake": 0 (desde que não esperemos milagres, obviamente)

Resultados para a pesquisa "kitten falling down": 44 (isto, por exemplo, está dentro do esperado)

Resultados para a pesquisa "Gerald Ford falling down: 3 (tal como isto, de resto)

Resultados para a pesquisa "kitten flying": 177 (isto já é algo surpreendente)

Resultados para a pesquisa "Gerald Ford flying": 4 (bem, o rácio apresenta alguns problemas)

Resultados para a pesquisa "kitten flying over Gerald Ford reading Finnegans Wake": 0 (isto sim, foi uma grande desilusão)

Resultados para a pesquisa "gravity explained": 87 (mas acaba por fazer sentido)

Resultados para a pesquisa "Jorge Sampaio discurso": 0 (aqui, receio que tenhamos chegado ao domínio do inexplicável)

Resultados para a pesquisa "paint drying": 580 (mas, enfim, há compensações)

Resultados para a pesquisa "Nixon playing the piano": 7 (desta, sinceramente, não estava nada à espera)

Resultados para a pesquisa "Nixon meets Elvis": 12 (ah, um grande momento histórico)

Resultados para a pesquisa "historical moment": 3900 (aliás, o YouTube está repleto de momentos históricos)

Resultados para a pesquisa "Miguel Garcia Alkmar": 2 (repleto, digo-vos)

Resultados para a pesquisa "Miguel Garcia reading Finnegans Wake": 0 (ocorreu-me; tinha de tentar)

Resultados para a pesquisa "Elvis is Alive": 501 (prosseguindo: creio que este dado é relevante)

Resultados para a pesquisa "Pontus Farnerud is alive": 0 (ainda mais relevante)

Resultados para a pesquisa "Carlos Freitas is alive": 0 (o café acabou mais ou menos nesta altura)

Resultados para a pesquisa "Nescafe": 1460 (nunca consegui perceber a diferença entre o Nescafé normal e o gold blend; acho que foram cinco anos de dinheiro mal gasto)

Resultados para a pesquisa "difference between regular and gold blend": 0 (uma questão que, pelos vistos, não preocupa a comunidade YouTube)

Resultados para a pesquisa "worries of the YouTube community": 37 (a comunidade YouTube tem trinta e sete preocupações declaradas, mas nenhuma delas está relacionada com os rótulos da Nescafé)

Resultados para a pesquisa "How not to waste your money": 288 (ainda assim, creio que não volto a comprar o gold blend)

Resultados para a pesquisa "this is a whole new level of time wasting": 1 (este valor é meramente simbólico)

Acordei cedo, fiz um cafézinho, vim ao YouTube, introduzi na caixa de busca a expressão "BOXING KANGAROO"

__ e, por incrível que pareça, só obtive 157 resultados. Este foi o mais satisfatório:

(Não quero que concluam da última frase que os vi todos: só os primeiros 20, se tanto, até porque muitos eram repetições. 157 é muito pouco. A segmentação dos mercados ainda não foi capaz de produzir um nicho de aficionados de "vídeos com cangurus pugilistas" facilmente identificável, e capaz de merecer maior etc., o que é, a todos os níveis, lamentável.)

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sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Derrick





Isto é absolutamente espectacular. Já não deve ser novidade para os que lêem o blogue do Sullivan, mas não resisti a espalhar a coisa.
Pensem bem no extraordinário azar do gajo do microfone: uma pessoa anda uma vida inteira a acumular desalento demográfico; a perder a fé numa adolescência que mal consegue assimilar o conceito de polissílabo; a construir pacientemente um paralisado clichézinho sobre o apoiante-padrão de um político que apela a uma espécie muito particular de idealista choné. Dá-se depois ao trabalho de ir a um comício para confirmar o caos; de nomear uma vítima escolhida a dedo - artefacto suspeito ao pescoço e tudo - para exemplificar o declínio da civilização; e no final deste processo desgastante sai-lhe essa ave rara: alguém mais informado e eloquente do que ele próprio. A gradual mudança de atitude do entrevistador - do armadilhante desprezo à admiração relutante, mas genuína - é uma coisa bonita de se ver, e ilumina melhor a essência do "movimento Obama" do que aquele embaraço dissonante que é o clip do "Yes We Can".
Se isto continua assim, ainda encomendo um pin.

(Continuo a gostar muito de McCain, e a ter impecáveis credenciais de cínico. Mas um homem não é de ferro.)

Roll your Pazuzu-eyes for the Gipper



Este artigo de Paul Waldman na Prospect americana - bastante satisfatório, apesar da quase escandalosa ausência de [ponto-e-vírgulas/pontos-e-vírgula/alguém me ajuda?] - apresenta o argumento estatístico mais esotericamente rebuscado que vi nos últimos tempos. Para demonstrar aquilo que é basicamente uma benigna evidência - a Reaganolatria do movimento conservador - Waldman sai-se com esta: «according to the Social Security Administration, Reagan was the 155th most popular name in America for girls in 2006».
Não duvido que muitos bebés nesta nossa galáxia tenham sido baptizados em homenagem a Ronald Reagan; um deles, como é sabido, foi criado num laboratório da Madeira e vive hoje em Manchester. Mas não se vai buscar o centésimo quinquagésimo quinto posicionado numa lista para reforçar positivamente um argumento. O centésimo quinquagésimo quinto posicionado numa lista não deve servir para mais nada, a não ser para ocupar o espaço livre entre o centésimo quinquagésimo quarto e o centésimo quinquagésimo sexto.
Até porque o resto da lista, analisada sob essa pespectiva Waldmaniana, devolve indicações bem mais intrigantes. O terceiro nome mais popular - para raparigas, atenção - foi Madison. Madison meus amigos; uma geração de raparigas chamadas Madison. Já o nome Hamilton não aparece sequer nos primeiros 500 lugares. Segundo o método-Waldman isto prova estatisticamente que o debate entre Federalistas e Anti-Federalistas continua a ser encenado em maternidades e registos civis por essa América fora.
A baça e desinteressante verdade, claro, é que a persistente popularidade onomástica de Madison não se deve ao campeão dos states'-rights, mas sim à Daryl Hannah, que se encontra assim cento e cinquenta e dois lugares acima do protagonista de Bedtime for Bonzo, com as estonteantes consequências ideológicas que o facto acarreta. Curiosamente, o nome Hillary, que era relativamente popular em 1992 (131º no ranking), viu a sua reputação cair aos trambolhões desde a inauguração de Bill Clinton, encontrando-se hoje na nonagésima octogésima segunda posição. Sem a ajuda de Waldman, contudo, não é possível retirar daqui quaisquer conclusões.

(Já agora, o nome mais popular é Emily, cujas conotações mais óbvias não parecem incomodar ninguém. A menina d' O Exorcista chamava-se Regan, e não Reagan; mas a fotografia fica no post, que mais não seja para irritar a minha mãe quando ela aqui vier.)

O senhor arquitecto anda a ler bons livros

E nem sequer é um dos argumentistas em greve

Por causa da minha extraordinária geekiness (fiz parte, em tempos longínquos, da mailing-list de uma Pynchon Society...) fiquei mais ou menos amigo de um americano de Miami, com quem troco e-mails regularmente. Na semana passada perguntei-lhe se tinha votado nas primárias da Florida (ele está registado como Republicano); resposta dele, recebida há minutos:

«Sure I did. Five times.»

"Your browser is not supporting cookies"

Em resposta à repetida, caluniosa e incomprehensive insinuação, por parte da página da Salon, de que o meu browser não support cookies, queria emitir o seguinte comunicado:

«My browser does support cookies. My browser has always supported cookies. My browser was supporting cookies long before it was even fashionable to support cookies. My browser categorically denies any attempt to undermine the cookies, and derides those accusations as the callous political ploy they so cookie-obviously are. Although my browser may have some misgivings regarding the current cookie deployment strategy, particularly the "cookie-surge", it also understands that cookies are a brave bunch, going where they're told to go, doing their cookie-like things wherever they're told to do their cookie-like things. Cookies play a vital role in sustaining our shiny and delightful cookie freedom. My browser's record shows a consistent resolve to stand by the cookie coalition and support the cookie effort. My browser's vocal moral commitment to cookies will continue, regardless of these shameful attempts at playing politics with our cookies»

Espero que isto resolva o assunto de uma vez por todas.

A manchete do ano

Na Fox (embora escrita por um sub-editor que deve ter estagiado no The Onion):

Police: Crack Found in Man's Buttocks

(Via Language Log, naturalmente)

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Uma semicolonoscopia ao Orlando

Chamo a vossa atenção, denisdutonicamente, para este artigo do Financial Times, um perfilzinho de James Wood (continuem a ler, se faz favor: o resto do post não tem nada a ver com o James Wood). Depois de um interessante desabafo sobre o rigor totalitário dos célebres fact-checkers da New Yorker, James Wood (última menção, juro) faz a seguinte confissão: «"I love semi-colons," he says with all the enthusiasm of a 10-year-old talking about chocolate.».
Isto deixou-me contentíssimo. Como tantas outras pessoas espalhadas por esse planeta fora, eu passo grande parte do meu tempo livre a fantasiar sobre o ponto e vírgula, e é sempre bom encontrar camaradas para o swing platónico. O ponto e vírgula é, com uma considerável vantagem sobre a concorrência, o meu sinal de pontuação favorito. Aliás, se fosse forçado a escolher entre o ponto e vírgula e os chocolates da Lindt, a decisão nem sequer seria problemática.
(E não é nada fácil de manusear, o ponto e vírgula; eu, por exemplo, nunca aprendi a fazê-lo; o que não me impede de continuar; a tentar).
Como qualquer alvo de obsessões, o ponto e vírgula tem a sua entourage, os seus cínicos detractores, e a sua biografia recheada de altos e baixos. A tragédia é concisamente relatada no canónico "The Rise and Fall of the Semicolon: English Punctuation Theory and English Teaching" de Paul Bruthiaux (disponível aqui, em ficheiro .pdf), onde aprendemos, por exemplo, que « . . . the popularity of the semicolon itself appears to have peaked in the eighteenth century, and its demise in the nineteenth century was almost as sudden and overwhelming as its rise to stardom had been two centuries earlier».
Para que serve, então, o ponto e vírgula no século XXI? As opiniões divergem. Donald Barthelme dizia que o ponto e vírgula é tão feio "como uma carraça na barriga de um cão". Lynne Truss, no seu divertido bestseller, alerta que o ponto e vírgula pode ser "perigosamente viciante", devendo ser usado com parcimónia, um pouco como uma carga policial, sempre que haja conflito entre vírgulas desordeiras. No meu caso específico, e isto fica só entre nós, o ponto e vírgula cumpre o mesmo propósito do par de tracinhos, ou da gaiola de parênteses: ostraciza por convenção o que eu não consegui conciliar por talento, e legitima graficamente o progresso soluçante daquilo que passa por raciocínio neste crânio fatigado. (Eu durmo muito pouco; é um problema sério).

Mas concentremo-nos antes em quem o utiliza com brio. Como é sabido por todas as pessoas que já tiveram o prazer de me aturar com uns copos a mais, cada sinal de pontuação tem o seu campeão literário. A vírgula tem Henry James, o ponto de exclamação tem Philip Roth, as reticências têm Thomas Pynchon, o ponto final tem Pedro Lomba Hemingway, e por aí fora. (Um dia desenvolvo isto melhor). O ponto e vírgula, apesar de quatrocentos anos de flirts, engates e rapidinhas mais ou menos efectivas, só foi competentemente aviado por Virginia Woolf.
Para todos os admiradores do ponto e vírgula, o Orlando é um espectáculo quase pornográfico (e não apenas por ser o único clássico da literatura universal com nome de chulo algarvio): não há parágrafo que não coreografe duas, três, cinco dessas híbridas e adoráveis criaturas em kamasutricas acrobacias. Uma pessoa pode passar uma vida inteira a treinar-se no uso do ponto e vírgula para chegar ao Orlando e desfalecer de incompreensão. Eu sabia que se podia fazer isto a um ponto e vírgula; mas aquilo? É transtornante. O parágrafo seguinte, extraído ao segundo capítulo, está amparado por duplos e triplos sublinhados no meu exemplar, com uma trémula notinha na margem sugerindo humildemente "esta gaja passou-se":

«He now commissioned Mr Isham of Norfolk to deliver to Mr Nicholas Greene of Clifford’s Inn a document which set forth Orlando’s admiration for his works (for Nick Greene was a very famous writer at that time) and his desire to make his acquaintance; which he scarcely dared ask; for he had nothing to offer in return; but if Mr Nicholas Greene would condescend to visit him, a coach and four would be at the corner of Fetter Lane at whatever hour Mr Greene chose to appoint, and bring him safely to Orlando’s house. One may fill up the phrases which then followed; and figure Orlando’s delight when, in no long time, Mr Greene signified his acceptance of the Noble Lord’s invitation; took his place in the coach and was set down in the hall to the south of the main building punctually at seven o’clock on Monday, April the twenty–first.»

Parece-me por esta altura incontroverso que Virginia Woolf era completamente maluca no que diz respeito ao ponto e virgula. E como aquelas almas sôfregas que gostam tanto de marmelada que acabam por sublimar a sua pulsão num desenfreio fetichista, Virginia não traduziu o seu arrebatamento gráfico na delicadeza do gourmet. The lady liked it rough; a sua pontuação vem coradinha e ensopada em suor, como uma empregada doméstica num filme de Tinto Brass. O Orlando deve ter mais ponto e vírgulas por centímetro quadrado do que qualquer outra obra literária, mas ao iniciado só vai trazer um perplexo e transpirado desalento.
A melhor defesa do ponto e vírgula terá forçosamente de ser uma defesa utilitarista, e começar por estabelecer que, nas mãos certas, o ponto e vírgula reduz o trabalho de sapa do leitor. A mais lúcida argumentação nesse sentido foi feita por Henry W. Fowler, no clássico The King's English.
Para Fowler, a pontuação era um problema moral: «Any one who finds himself putting down several commas close to one another should reflect that he is making himself disagreeable, and question his conscience, as severely as we ought to do about disagreeable conduct in real life, whether it is necessary.»
Qualquer um dos quatro sinais de pontuação que denotam uma pausa (a vírgula, o ponto e vírgula, os dois pontos e o ponto final) difere dos outros quantitativamente. Todos estabelecem graus distintos de separação temporal, cujo valor é relativo e nunca absoluto. Cada sinal de pausa cumpre uma dupla função: lógica e retórica. A função lógica é clarificar as relações gramaticais entre os componentes da frase; a retórica está relacionada com questões de tom, ênfase e gestão rítmica. O trabalho do escritor deve então ser um trabalho diplomático, regulando as dependências entre orações, e adjudicando a sua importância relativa.
A tendência geral da literatura moderna tem sido para uma progressiva erradicação do ponto e vírgula. A esmagadora maioria dos escritores rege-se pelo que Fowler, com o seu inigualável talento classificativo, chama de "spot-plague principle": nunca usar outro sinal quando o ponto final serve. Isto, para Fowler, é moralmente catastrófico. Ele sugere antes o princípio do agrupamento, argumentando que «a style that groups several complete sentences together, by the use of semicolons, because they are more closely connected in thought, is far more restful and easy - for the reader, that is - than the style that leaves him to do the grouping for himself».
Virginia Woolf, como é hiperbolicamente claro para todos, seguiu uma terceira via: fetichizou o ponto e vírgula, e usou-o não para benefício do leitor, mas porque lhe dava na real gana. Estes modernistas; francamente; não respeitavam ninguém.
Encontrado o imprescindível ponto de equilíbrio entre o entusiasmo e a anarquia, é possível fazer disto um instrumento formidável. Dar-me-ia um enorme prazer se a malta (começando por mim) passasse a tratar melhor este belo sinalito;.

(Rapida, superflua, mas seriamente: entre os bloguers que leio, os que melhor utilizam o ponto e vírgula são o Ivan Nunes, o Mexia e o maradona. Este último, aliás, tem lá uma utilização exemplar da combinação "ponto e vírgula/dois pontos", por enquanto não-apagada, mas que merece ser aqui resgatada à efemeridade:
Não insinuo que o Henrique Raposo mereça as mesmas vilanias que a minha espectacular pessoa; com alguma arrogância, arrisco apenas que, em certo e muito restrito sentido (que espero, tantos posts depois, já evidente para todos), o Henrique Raposo exista neste mundo como se fosse a minha alma gémea do irmão que nunca tive (muito embora eu não possa ser considerado, tecnicamente, um anão): um gajo que, se fosse primeiro-ministro, nada disto acontecia.
Garanto-vos que, se virasse o olho cego à gramática, o Fowler aprovaria.)

sábado, fevereiro 02, 2008

James Joyce flash interview

«But abide Zeit's sumonserving, rise afterfall. Blueblitzbolted from there, knowing the hingeworms of the hallmirks of habitationlesness, buried burrowing in Gehinnon, to proliferate through all his Unterwealth, seam by seam, sheol om sheol, and revisit our Uppercrust Sideria of Utilitarios, the divine one, the hoarder hidden propaguting the plutorpopular progeniem of pots and pans and pokers and puns from biddenland to boughtenland, the spearway fore the spoorway.»

(Finnegans Wake)

* * *

Repórter: James Joyce, boa noite. Antes de mais, parabéns. Foi um parágrafo importante?

Joyce: Sem dúvida. Todos os parágrafos são importantes, mas era crucial para nós completarmos este parágrafo. Sabíamos de antemão que iríamos encontrar um ambiente complicado, mas trabalhámos a semana inteira neste parágrafo, e acho que vimos hoje aqui os frutos desse trabalho.

R.: Está satisfeito com a atitude das suas palavras?

J.: Não tenho rigorosamente nada a apontar às minhas palavras. Hoje, como sempre, estiveram irrepreensíveis em termos de atitude, deram o seu melhor em prol do parágrafo, e agora há que continuar a trabalhar da mesma maneira até ao final do livro.

R.: Chegou a passar por algumas dificuldades. . .

J.: Hoje em dia, no Modernismo, já não há parágrafos fáceis. Temos de encarar todos com a mesma humildade. Mas julgo que, com muito trabalho, é possível criar as condições necessárias para sermos felizes.
E não queria deixar passar a oportunidade para dar mérito aos adversários. A gramática e a semântica estão em grande forma e causaram-nos alguns problemas, mas no final acabou por ganhar o mais forte.

R.: Surpreendeu muita gente ao não colocar a palavra “plutorpopular” logo de início, mas acabaria por trazê-la já na segunda metade do parágrafo. Porquê essa decisão?

J.: Ouça, eu trabalho com estas palavras há muito tempo, conheço-as melhor que ninguém. e as pessoas têm de entender que as minhas decisões, em termos de meter palavras no início, no meio ou no fim, são sempre tomadas em função das necessidades do parágrafo. A palavra “plutorpopular” correspondeu, trabalhou bem, mas comigo não há palavras indiscutíveis.

R.: Que comentários lhe merecem aqueles incidentes no final do parágrafo?

J.: Não sei a que “incidentes” se refere.

R.: Aquele “the spearway fore the spoorway” deixou algumas dúvidas a muita gente. . .

J.: Eu não quero entrar em polémicas, acho que vocês é que têm de comentar esse tipo de questões. O que eu acho é que a gramática terá talvez acusado algum nervosismo, o que é perfeitamente natural, e terá reagido a quente.

R.: Está a responsabilizar a gramática pelo incidente?

J.: Não vamos por aí, eu não estou a responsabilizar ninguém. A gramática é uma grande profissional, tem uma longa carreira, mas se calhar não está habituada a ser dominada desta maneira ao longo de um parágrafo inteiro. Como disse, acho natural que se tenha esse tipo de reacções a quente.

R.: Não sente que tem sido beneficiado pela crítica literária, especialmente a de pendor mais académico?

J.: Acho que só alguém com grande má-fé poderá fazer insinuações desse calibre. Já tive parágrafos muito prejudicados pela crítica literária, e qualquer análise isenta e imparcial vai mostrar que, se há alguém com razões de queixa da crítica literária, esse alguém sou eu.

R.: Vem aí já o próximo parágrafo. . .

J.: É um facto, mas vamos pensar parágrafo a parágrafo. É um livro longo, hoje ultrapassámos aqui um parágrafo difícil, agora há que descansar e, a partir de amanhã, começar então a trabalhar no próximo parágrafo, que também será muito dificil.

R.: James Joyce, obrigado, e boa noite.

J.: Obrigado eu. Boa noite.

Ele pegou numa concha para ilustrar a sua sem-abriguice


Passei as últimas seis horas a ouvir «The Opposite of Hallelujah», faixa que, até há sete horas atrás, assumi ser um mero arremedo death-metal da canção de Cohen/Cale/Buckley. Não sei como, mas Jens Lekman passou-me ao lado em 2007, e ter-me-ia passado ao lado em 2008 não fosse a bondade de terceiros, a inqualificável porosidade do meu filtro anti-spam, e o facto de eu ter horas disponíveis em lotes de seis.
Sempre me guiei pelo sábio princípio de que os arranjos domésticos de Stephin Merritt - xilofone, castanhetas, órgão a pilhas oferecido pela madrinha no Natal, etc. - eram o pináculo de qualquer coisa que devia ser transcendentalmente calamitosa, mas não é. Lekman levou a coisa ao estágio seguinte, parece-me. A confirmação segue dentro de mais seis horas.

(Os canais terrestres estão uma miséria tão grande que cheguei a tirar o Finnegans Wake da estante. Já lá o arrumei outra vez, mas foram momentos preocupantes.)

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Oswald was a fag

A não perder, na Atlântico de Fevereiro, um exercício especulativo de Rui Ramos sobre a situação em que estaria Portugal caso o Rei D. Carlos tivesse sobrevivido ao atentado de 1908.
A não perder, em Março, no Pastoral Portuguesa, um exercício especulativo sobre a situação em que estaria Portugal caso Rui Ramos não tivesse escrito, na Atlântico de Fevereiro, um exercício especulativo sobre a situação em que estaria Portugal caso o Rei D. Carlos tivesse sobrevivido ao atentado de 1908.
A não perder, em Abril, no Pastoral Portuguesa, um exercício especulativo sobre a situação em que estaria Portugal caso o Pastoral Portuguesa não tivesse incluido, em Março, um exercício especulativo sobre a situação em que estaria Portugal caso Rui Ramos não tivesse escrito, na Atlântico de Fevereiro, um exercício especulativo sobre a situação em que estaria Portugal caso o Rei D. Carlos tivesse sobrevivido ao atentado de 1908.