sexta-feira, dezembro 31, 2010

2010

Interrompi a redefinição do organigrama do meu corpo, SAD, para vos desejar a todos o ano novo que merecem. Na coluna do Bruno Prata, num Público de há duas semanas, uma metáfora estruturante não muito original mas perfeitamente razoável sobre hardware e software conseguiu chegar, em parágrafo e meio, a uma conclusão irrefutável sobre a evolução do Hulk nos últimos nove ou dez meses: "até aí, Hulk já tinha um poder incrível para influenciar o jogo, mas ainda não tinha o poder de o compreender verdadeiramente". No entanto, a metáfora foi esticada ao longo de um oceano adicional e, como é costume acontecer às metáforas quando são esticadas ao longo de oceanos, começou a misturar-se com outras metáforas promíscuas e a perder a penugem por causa do calor. No resto da crónica, fomos sucessivamente informados de que Jesualdo Ferreira "vivia, então, no fio da navalha no que respeita à afinação de Hulk"; de que a afinação do hardware era feita "sempre a lápis", para "poder apagar e voltar à primeira forma se a máquina incrível ameaçasse entrar em rotura"; de que Hulk lá foi apresentando "um processador mais compatível com a dimensão do seu futebol" e "de acordo com as potencialidades de uma ave rara do futebol mundial"; e de que o novo sistema operativo tem "funcionado como um vendaval", depois da posterior afinação de um novo treinador, que terá percebido que "debaixo daquele futebol aparentemente egocêntrico havia um filão por explorar". Temos portanto que o software de uma ave rara debaixo de um filão foi afinado a lápis no fio da navalha até funcionar como um vendaval. Digam o que disserem, a verdade é que este tipo de coisas nunca acontece a jogadores formados em Alcochete. Dedico esta brilhante conclusão ao Daniel, que muito provavelmente escreveu o melhor post do ano; é só ir lá procurar.
Queria também parabenizar todos os blogues que li regularmente em 2010 por terem sobrevivido às cisões potenciais resultantes da presença de Luis Rainha no Universo. Entre os do costume, três deles merecem-me particular destaque, pois parecem ter encontrado o software do seu próprio vendaval ornitológico bem afinado debaixo do filão egocêntrico: o 5 Dias, o Tolan e o Ouriquense. Na sempre pertinente classificação geral dos textos da edição de Natal do Economist, creio que um pódio simpático é formado pelo do barbecue, pelo da Ascension Island e, pelo obituário dos pubs britânicos. As melhores heresias cristãs de 2010 foram as do séc. XVII, mesmo perante competição feroz das heresias cristãs do séc. III. O filme do ano foi o Scott Pilgrim vs. the World; o pior momento televisivo do ano foi aquela repetição de uma coisa em que o rei D. Carlos era assassinado por membros da Cornucópia. O melhor sms do ano foi recebido na manhã de 22 de Dezembro; dizia apenas "José Couceiro?!". Termino juntando-me à onda geral de consternação pela morte da pessoa que inventou uma das grandes instituições da internet: o link quinzenal para textos do Adam Kirsch. Que descanse em paz, e em três colunas.