terça-feira, outubro 28, 2008

A minha mãe obrigou-me a vir ao blogue um bocadinho, e continuo a sentir muito amor por James Wood

Que tem andado em autêntica campanha eleitoral nas últimas semanas: podcast no New York Review of Books com o Pim Fortuyn da crítica literária (Daniel Mendelsohn); podcast no Bookworm com o Vasco Granja da crítica literária (Michael Silverblatt, eu depois explico), e um cameo inesperado como detective na nova série da RTP, Liberdade 21 - (vi-o sentado num sofá, a explicar a um advogado o que era o "segredo profissional").
O repertório habitual está todo presente: elogios a Norman Rush (amén); utilização copiosa da expressão «joy, simple joy»; e piadas sobre televisão. Mas também respostas indirectas a pessoas que nem sequer estão presentes, hábito que pode levar algumas pessoas a pensarem nele como um cafageste invertebrado (não eu, que considero a estrutura óssea de Wood de uma inimpugnável solidez); um dogmatismo miópico sobre o que é o Realismo, característica assumidamente irritante que pode levar algumas pessoas a sentirem uma compulsão de atingir a douta cabeça de Wood com um rectângulo de contraplacado (não eu, esclareço, que apenas tenho a compulsão de acariciar a douta cabeça de Wood com um aglomerado de plumas); e a já clássica implicação com Pynchon, por motivos indiscutivelmente ignóbeis, posição crítica infundada que pode levar os emocionalmente voláteis a etiquetarem Wood como um pederasta cocainómano (não eu, insisto, que olho para Wood como um modelo de sã sexualidade e saudabilíssimo sistema linfático).
O nosso crítico literário preferido não suporta o nosso escritor preferido (plural majestático), e uma pessoa anda há anos a tentar reconciliar estas duas preferências numa Teoria de Campo Unificado, tarefa tão complicada como explicar a relatividade e o electromagnetismo com o mesmo conjunto de equações.
Wood raciocina como se o modelo de ficção que ele prefere fosse o único merecedor de atenção crítica séria; e escreve como se o seu naipe idiossincrático de princípios estéticos tivesse saliência universal. Obviamente, isto irrita muitas pessoas de bem (não é o meu caso; volto a realçar que acho Wood um querubim).
Estas características tornam-no uma figura tão polarizante como Leavis (com quem tem, aliás, bastante em comum), e repelem muitos potenciais admiradores (que não eu), que confundem a primeira característica com uma incapacidade congénita para reconhecer o potencial lúdico da literatura (o que é demonstravelmente falso), e a segunda com um autoritarismo congelado (o que já está mais perto da verdade, mas ele é tão fofinho que eu desculpo-lhe tudo).
O que me parece é que Wood terá sucumbido à maldição do crítico: a pressão da coerência. A partir do momento em que uma série de argumentos justíssimos contra um tipo de excesso recorrente cristaliza numa teoria estética, o crítico vê quase sempre, paradoxalmente, o seu leque de ferramentas reduzido, pois depara-se com a necessidade de deformar as suas análises futuras para que coincidam com o novo ângulo de visão. E um instrumento de curto-alcance, que surgiu como resposta a um objecto artístico específico, transforma-se agora num obstáculo permanente a juízos imparciais.
Trocado por miúdos: o crítico da New Yorker não pode correr o risco de elogiar um autor pelos mesmos motivos usados seis meses antes para criticar outro, que, por convenção jornalística ou pessoal, é encaixado na mesma "escola" ou "geração".
(Ou, à falta de melhor, aposto que o meu pai era capaz de dar porrada no pai de Wood).
Nos seus melhores ensaios negativos, Wood exalta aquilo que é específico na ficção, que nasceu com os Modernistas, e que não pode ser feito por qualquer outra forma de arte: a representação dos processos de consciência. Para Wood, o realismo psicológico é tudo. E com essa alavanca, ele atingiu uma posição previlegiada, a partir da qual conseguiu apontar astutamente algumas das deficiências de muita ficção contemporânea, cristalizada na sua apta definição de "Realismo Histérico":

«Hysterical realism is not exactly magical realism, but magical realism's next stop. It is characterised by a fear of silence. This kind of realism is a perpetual motion machine that appears to have been embarrassed into velocity. Stories and sub-stories sprout on every page. There is a pursuit of vitality at all costs.»

Este parágrafo é dolorosamente apropriado para descrever muitos dos magno-romances dos últimos 10/15 anos, cuja reputação é, e aí estou do lado de Wood, algo exagerada: White Teeth, The Corrections, Middlesex, Underworld, e quase tudo o que Rushdie escreveu depois de 1981. O problema, evidentemente, é que os mesmos "defeitos" podem ser apontados a muitas obras-primas indiscutíveis (no sentido em que uma pessoa gosta muito delas, e não admite cá discussões, ou isto dá para o torto), como Tristram Shandy, Almas Mortas, Ulysses, Gravity's Rainbow ou Infinite Jest. E em última instância, só são defeitos na medida em que afastam a literatura do ideal Chekhoviano de Wood. Ele aborda cada romance contemporâneo com a sua lupa astigmática, à procura de sinais exteriores de realismo histérico; é lógico que os vai encontrar.
O seu texto sobre Against the Day é um tour-de-force de apontar a luneta ao quarto escuro. Quando Pynchon usa algumas das convenções do realismo, e descarta outras, Wood interpreta negativamente essa triagem como um desequilíbrio, quase como uma falha moral. A estrutura da história policial, por exemplo, na qual os personagens (e o leitor) vão recebendo parcelas de informação que tentam organizar e hierarquizar, é constantemente subvertida por Pynchon, que tranca todas as portas antes da derradeira pista, obrigando-nos a retroceder os passos sem qualquer resposta. Isto porque Pynchon não vê nesta convenção a metáfora habitual do puzzle e das peças, mas algo mais parecido com as fractais de Mandelbrot: a incompreensão localizada existe para que o leitor deduza, com a mesma lógica paranóica do autor, que o todo é igualmente caótico; há padrões, mas são sempre fugazes.
A questão do "significado", que tanto frustra Wood, ecoa a célebre crítica de Leavis ao Heart of Darkness: o abuso por parte de Conrad de expressões como "unsayable", "inscrutable" ou "impenetrable". Não me parece que isto sejam meros borrões cognitivos. Pynchon não relativiza a Verdade; apenas reconhece que a nossa apreensão da Verdade é sempre relativa. A sua preocupação está, não tanto em extrair significado, mas em detectar padrões, um modelo narrativo que pode ou não merecer reprovação, mas que merece, pelo menos, ser avaliado nos seus próprios termos. O erro é potenciado quando Wood coteja três descrições de três lugares diferentes (separadas por seiscentas páginas) e aponta triunfantemente as semelhanças, como se estas fossem evidências de desleixe, ou pior, provas da imaterialidade do universo Pynchoniano. Qualquer leitor atento de Pynchon reconhece aqui o intento autorial: a magnificação apofénica das semelhanças entre locais ou eventos distantes. Isto não revela falta de arte, mas sim toda uma forma de ver o mundo, e não se pode criticá-la sem primeiro a entender.
Um dia destes eu vou a Nova Iorque explicar-lhe isto tudo, prometo.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Escrita em Dia live

23:13 - Os participantes são apresentados. Fala-se do Nobel, mas não, estranhamente, da crise económica.

23:13 - Eduardo Pitta refere-se a "um homem tonto": o secretário Engdahl. Eu aceno, sorridente.

23:15 - O "anti-americanismo da Academia" faz a sua primeira aparição, seguido de perto pelo "conservadorismo da Academia". As coisas estão renhidas. Até agora, eu ainda não falei, mas nota-se o meu domínio profundo sobre as matérias.

23:19 - O apresentador comete uma inconfidência que acaba de lixar o meu karma orçamental para o resto do ano. Enfim.

23:23 - "O funcionamento da Academia parece uma coisa maçónica", José Mário Silva. Há apertos de mão secretos, e ritos de iniciação envolvendo sumo de uva e focas amestradas. Isto é do conhecimento público. Vamos falar de coisas sérias, senhores.

23:24 - A dicção perfeita de Eduardo Pitta está a deixar-me perturbado.

23:28 - Aproveito o intervalo musical para perguntar ao Francisco José Viegas: "Para que é que serve este botão? Este aqui, a piscar: serve para quê?"

23:31 - Não percebo os comentários depreciativos dos meus colegas de emissão. Eu até acho esta morna cabo-verdiana muito bonita.

23:35 - Tal como McCain fez com Obama no primeiro debate, Eduardo Pitta ainda não estabeleceu contacto visual comigo a noite inteira.

23:37 - Fala-se do optimismo dos premiados. Eu estou ocupado com o copo de água que a produção gentilmente me ofereceu, mas não concordo com nada disto.

23:39 - Enumera-se a malta que "nunca chegou lá". Eduardo Pitta informa-me que Naipaul é indiano. Estou com tanta sede.

23:43 - José Mário Silva diz, e muito bem, que se houvesse mais transparência, o processo perderia a graça. Ando há anos a tentar explicar esta teoria aos meus gerentes bancários, mas sem sucesso.

23:45 - Reparei agora que o meu microfone não está ligado.

23:47 - Engasguei-me num salgadinho, o que originou aquele comentário do Pitta em que ele diz que não é médico. Foi mauzinho. A propósito do Pynchon ir ou não a Estocolmo, o homem enviou um comediante (Prof. Irwin Corey) para receber o National Book Award em nome dele.

23:49 - Frank Sinatra diz que tem de nos ter todos os dias. Há um frisson silencioso no estúdio.

23:51 - Eduardo Pitta diz que Roth não tem parado de crescer nos últimos 10 anos. É aquela comida que os judeus comem.

23:53 - Francisco José Viegas evoca um cenário que eu pagava para ver: dezenas de fãs de Doris Lessing a celebrarem destruindo quartos de hotel.

23:56 - "Namibianos, sei lá, não sei". Preciso urgentemente de um copo de água. Vou só meter mais uma morna à revelia do apresentador e vou-me embora. Boa noite.

00:04 - Apanhei um táxi à saída do estúdio. Passei pela Isabel Coutinho, que ia a entrar, ligeiramente atrasada.

E para o meu próximo truque vou fazer qualquer coisa com malabares

A partir das 23h, vou comentar em directo, aqui no Pastoral Portuguesa, a minha participação no programa Escrita em Dia, na Antena 1.

segunda-feira, outubro 06, 2008

Notícia lida apenas 22 minutos depois do golo do Wesley

«New Thomas Pynchon novel confirmed

This morning, Carolyn Kellogg reported on web rumors about a new novel by Thomas Pynchon. Now, Penguin Press, Pynchon's publisher, confirms that there is, indeed, a new novel by the reclusive author, to be published in August 2009.

As for the other rumored details -- that it's a noir novel of about 400 pages, set in the world of 1960s psychedelia -- Penguin is remaining silent ... for the time being.»

(LA Times)

quinta-feira, outubro 02, 2008

Os gajos do Inimigo Público agora estagiam no caderno principal

«A Federação Nacional dos Invisuais dos EUA está a preparar um protesto contra o filme “Blindness”, que estreia esta semana nos Estados Unidos. (...) o filme está a causar polémica entre os invisuais que se queixam da imagem que é passada no filme sobre os cegos.»

(Público)

quarta-feira, outubro 01, 2008

A economia mundial desaba enquanto eu meto dez libras no Real Madrid

Nunca tive uma conta a prazo, nunca tive um cartão de crédito, nunca pedi um empréstimo bancário. Toda a minha gestão financeira pessoal desde 2001 tem sido orientada para a William Hill, e é com prazer que anuncio que nenhum dos seus executivos se matou nos últimos dias, que os lucros continuam a aumentar, e que os fundos na minha conta online cresceram (com a ajuda de Casillas) 150% desde ontem.
As últimas semanas validaram de tal maneira o meu estilo de vida que já me posso dar ao luxo de aparecer na próxima reunião de família.