quinta-feira, dezembro 21, 2006

Hoje ouve-se


Gypsy gal, the hands of Harlem
Cannot hold you to its heat.
Your temperature's too hot for taming,
Your flaming feet are burning up the street.
I am homeless, come and take me
Into reach of your rattling drums.
Let me know, babe, all about my fortune
Down along my restless palms.

Gypsy gal, you got me swallowed.
I have fallen far beneath
Your pearly eyes, so fast and slashing,
And your flashing diamond teeth.
The night is pitch black, come and make my
Pale face fit into place, ah, please!
Let me know, babe, I'm nearly drowning,
If it's you my lifelines trace.

I been wonderin' all about me
Ever since I seen you there.
On the cliffs of your wildcat charms I'm riding,
I know I'm 'round you but I don't know where.
You have slayed me, you have made me,
I got to laugh halfways off my heels.
I got to know, babe, will you surround me?
So I can know if I'm really real.


(Bob Dylan, «Spanish Harlem Incident», Another Side of Bob Dylan)

- Nota 1: Tenho por experiência que este é um dos patinhos feios nas prateleiras dos Dylanófilos. Quem prefere o folk-hero tem tendência a gostar mais dos dois álbuns precedentes. Quem prefere o génio musical no topo da montanha prefere - e com toda a razão - as três escandalosas explosões de talento que se seguiram. Blood on the Tracks é eleito apenas pelos Dylanistas de ocasião, ou por aqueles que chegam tarde ao oásis, enquanto que os verdadeiros fanáticos - os que têm apertos-de-mão secretos e a frase 'Dylan is God' carinhosamente tatuada nas omoplatas - tendem a perder-se por uma das pérolas secundárias, negligenciadas pelos zeladores do cânone, como New Morning ou Street Legal. Mas Another Side é um álbum que revisito constantemente, e que contém pelo menos 5 obras-primas: «My Back Pages» (que entra em qualquer lista honesta das 10 melhores canções de Dylan), «Chimes of Freedom», «Black Crow Blues», «It Ain't Me, Babe» e este «Spanish Harlem Incident», que tenho ouvido num obsessivo e inexplicável repeat desde segunda-feira.
Há aqui uma atitude de "baza lá fazer um disco" que se nota a léguas e que me agrada muito. O álbum foi gravado em Nova Iorque, numa única sessão nocturna, regada, segundo relatos de participantes, com algumas garrafas de Beaujolais. Lirica e musicalmente, são canções de transição. Para trás tinha ficado a intervenção social e a "finger-pointing music". A exuberante polifonia eléctrica estava ainda a alguns meses de distância, e a fase evangélica a alguns anos. Another Side é, acima de tudo, descontraído, liberto daquele brilhantismo quase opressivo, de quem sente que está a fazer História. Não há mensagem, nem profecia, nem um redesenhar dos mapas. Este, in more ways than one, é o meu Dylan.

-Nota 2: alguém me disse um dia que José Figueiras tinha cometido uma versão desta música nas sessões de estúdio do «Rock Tirolês», e que estava apenas à espera do momento certo para lançar o caos na vida pública portuguesa. Por favor, digam-me que sonhei este pedaço de trivia numa das minhas raras e efémeras vitórias sobre a insónia.

4 comentários:

Tiago Cavaco disse...

Também compraste as Essential Interviews do Dylan pelo Jonathan Cott? Tá lá a história dessa sessão.
Na mouche. Este é o meu disco preferido da fase inicial.

"Rogério Casanova" disse...

Ainda não tenho. Esse e o livro do Greil Marcus sobre as Basement Tapes estão na minha wish list há já algum tempo. Espero que as pessoas que pensam oferecer-me prendas de Natal este ano estejam atentas ao que aqui se passa e que percebam que eu não preciso de mais peúgas nem agendas.

Samuel Úria disse...
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Samuel Úria disse...

Não esquecer os que preferem o "The Freewheelin'". Acho que lhes podemos chamar a tipologia Joan Baez. É que ela ainda hoje deve deixar a mão deslizar-lhe até partes mais íntimas de cada vez que ouve o "Blowin' in the Wind".
Eu e o Tiago somos de uma estirpe particular. Pusémos um véu a tapar as cabeças antes de vir comentar este post.