"O fim do Reino Unido?", ou uma variação sobre essas palavras, tem sido uma frase recorrente na imprensa inglesa das últimas semanas. O debate, tratado com crescente seriedade na Escócia, tem gotejado para sul da fronteira em velocidade de cruzeiro, mas duas bombas despoletaram a corrida ao editorial: a primeira foi uma inesperada sucessão de sondagens como esta, levantando a possibilidade real de um parlamento autónomo dominado pelo Scottish National Party (SNP). A outra foi um surpreendente artigo de opinião na revista Prospect, pelo historiador Michael Fry, um membro da velha guarda conservadora (ferozmente unionista), que anunciou a sua conversão recente à causa da independência. Diz-se que pode ser o primeiro de muitos.
Há seis anos atrás, quando me mudei para a Grã-Bretanha, este cenário era impensável. A expressão eleitoral do SNP era mínima, e tinha estagnado depois dos ganhos dramáticos na década de 70. Até no período Thatcher/Major, durante o qual o Partido Conservador se eclipsou completamente nas Highlands como força eleitoral, os principais beneficiários foram os Trabalhistas e os Liberais-Democratas, cuja coligação tem dominado a legislatura desde as primeiras eleições pós-devolução em 1999.
É claro que o impulso separatista não é de agora, nem nunca andou afastado do debate político. A História escocesa assemelha-se a um complexo de inferioridade ilustrado; um longo catálogo de independências fugazes e delírios tribais anti-ingleses, desde que os vários clãs se uniram sob a coroa de Malcolm II em 1018.
A União de 1707 (e é uma das muitas ironias deste caso que as celebrações do ano que vem possam inaugurar o processo de dissolução) tem sido tradicionalmente interpretada pelos historiadores como uma abdicação voluntária de soberania por parte do parlamento escocês, a troco da manutenção de um sistema legal próprio, e de garantias sobre a independência da Igreja Presbiteriana. A proposta foi aprovada na altura por 40 votos de diferença, mas a União sempre foi impopular entre a população, e subsiste até hoje uma forte e curiosa tradição oral que acusa os Whigs escoceses de terem vendido a pátria a troco de subornos e regalias pessoais - um mito que permite imensos trocadilhos na panfletaria nacionalista actual sobre os novos "traidores" Gordon Brown e John Reid.
Gordon Brown, já agora, é quem tem mais motivos para estar preocupado. O partido Labour precisa necessariamente dos 40 assentos parlamentares garantidos pelos círculos escoceses para ter qualquer esperança de competir com os Conservadores em 2009. A Separação - para quem quiser manter contagem das ironias - negar-lhe-ia a possibilidade de se tornar o 12º Primeiro-Ministro britânico nascido na Escócia (o último, apesar das propaladas 'raízes' de Douglas-Home e Tony Blair, foi Ramsay MacDonald). Brown, que tem martelado incansavelmente a tecla da 'Britishness', em oposição a orgulhos patrióticos mais localizados, arrisca-se a ser, digamos, "Cameronizado" pelos seus próprios conterrâneos.
Parte do debate tem-se centrado na capacidade da Escócia para sobreviver como nação independente. Fala-se em despesismo estatal congénito (graças ao que devia ser apenas uma curiosidade histórica, a Barnett Formula, a Escócia recebe uma parcela quase comicamente desproporcionada do orçamento britânico), e num sector público demasiado inchado (cerca de 585 mil funcionários para uma população de 5 milhões).
Do lado nacionalista fala-se no Exemplo Eslovaco (os eslovacos acolheram com natural surpresa o facto de serem um exemplo) e acena-se com os lucros do petróleo do Mar do Norte - uma charada com barbas. Uma vantagem mais evidente é o sector da educação, que, embora não seja o mesmo responsável por dar ao Mundo David Hume, Adam Smith, James Watt, John Logie Baird, James Clerk Maxwell, Thomas Reid, Alexander Flemming e William Cullen, continua a ser superior ao inglês, especialmente ao nível superior, onde as Universidades de Edimburgo, Aberdeen e St. Andrews, que persistem em manter os seus regimes de 'porta aberta', em nada ficam a dever a Oxford e Cambridge.
Mas subsistem sérias dúvidas sobre a disponibilidade dos líderes do SNP para seguirem qualquer modelo, seja ele irlandês, eslovaco ou simplesmente racional. Alex Salmond tem feito passar a mensagem que as receitas petrolíferas dos próximos 30 anos serão suficientes para financiar os cortes fiscais corporativos necessários sem reduzir a despesa pública. Alguém que perceba mais de Economia do que eu (não é difícil) estará mais habilitado para avaliar a sanidade deste projecto. A um leigo, isto soa demasiado familiar: a conversa do jogador que vai para a mesa da roleta com um "sistema", convencido de que vai ser possível regressar a casa com o dinheiro, as fichas, e o eterno respeito do croupier. O que costuma acontecer é ficar sequer sem a quantia para o táxi.
Apesar de todas estas dúvidas, o que é inegável é o florescimento de um optimismo contra-natura, bastante diferente do nacionalismo cheio de ressentimentos a que os escoceses me tinham habituado. Em 2003, uma sondagem em Edimburgo que tentava averiguar as afinidades patrióticas dos cidadãos revelou que 72% se definiam como escoceses e apenas 20% como britânicos. A previsível manchete de um jornal local ("SCOTTISH PRIDE ON THE RISE!") foi assim comentada por um amigo meu: "Bollocks. Of course I feel Scottish rather than British, but pride has got nothing to do with it".
O mesmo amigo, que nunca participou num sufrágio na sua vida inteira, envia-me agora e-mails entusiásticos sobre as eleições de Maio próximo. E o facto de alguém como ele saber a data com esta antecedência, é talvez o aspecto mais surpreendente de toda esta situação.
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