quarta-feira, setembro 26, 2007

The Plot Against Vespuccia


«...The Americas may actually have been named after Richard Ameryk, a wealthy Welsh merchant who was the main investor in the second transantlantic voyage of Giovanni Caboto. New lands in the 15th-century were usually named after a person's last name, not the first. If it was Amerigo Vespucci who gave his moniker, America would instead be called "Vespuccia".»

("A Welsh discovery", da secção de cartas do Economist)

... Vespuccian Pastoral, The Great Vespuccian Novel, Vespuccian Psycho, Vespuccian Beauty, The Quiet Vespuccian, Trout Fishing in Vespuccia, Purple Vespuccia, Vespucciana... passei a manhã a pensar nisto e em como a literatura moderna se livrou de um pesadelo fonético. As melhores estantes da Fnac pareceriam ter sido paridas por Doris Lessing, na sua fase Ficção Científica.

(O Lourenço, pelos vistos, também lê o Economist atrasado. Mas olha que há uma piada bem melhor nesse artigo: aquela do "over-qualified" no segundo parágrafo.)

segunda-feira, setembro 24, 2007

K.


Não percebo, juro que não percebo. Alguém me explica?
A ocasional contratação falhada não é nenhum animal mitológico, mas sim um imperativo estatístico: o adepto espera-a e desenvolve mecanismos para lidar com ela. Mas é essencial que o falhanço seja tangível; que seja, aliás, retumbante; que o adepto lhe possa pôr o dedo (preferencialmente o do meio). Um Missé-Missé a artilhar pontapés de bicicleta tecnicamente abismais ante a incrédula defesa do Espinho enriquece o anedotário clubístico e fortalece (enfim, enfim...) aquela secção do espírito que será sempre necessária para apoiar essa instituição demente que é o Sporting Clube de Portugal.
Mas um jogador como Farnerud bloqueia as respostas elementares, e lança-nos num dilema moral, onde surgem até questões de jurisprudência. É que com Farnerud há crime, mas nunca há cadáver. Queremos criticar um lance, mas o lance não acontece. Queremos insultá-lo, mas não o encontramos. Queremos rir, mas não tem graça. Queremos questionar a integridade moral da senhora sua mãe, mas um inédito rebate de consciência faz soar o alarme: a culpa não é dela. E a culpa não é dele.
Farnerud comporta-se em campo como um personagem de Kafka, que acordou de manhã para se ver subitamente catapultado para a máquina alienadora que é o desporto de alta competição. Ele não percebe o que lhe está a acontecer, e isso comove. Tragado por colossais e impenetráveis burocracias técnicas (há que assimilar conceitos como linhas de passe, diagonais, recepção em movimento) Farnerud adquire a importância de um símbolo, provocando uma empatia com o adepto comum que, tal como ele, gosta bastante do que costuma acontecer num relvado, mas não o sabe reproduzir.
E essa pode, na verdade, ser a sua única oportunidade de redenção: levar a sua gritante anonimidade a um tal nível de sublimação que force a posteridade a atribuir-lhe relevância, adicionando o seu nome ao léxico. Temos o kafkiano para as repartições de finanças. Talvez o futuro nos dê o adjectivo farnerudiano, ferramenta essencial para que o jornalista desportivo e o adepto resignado possam definir contratações inexplicáveis. Que seja esse o seu legado. Como alternativa, sugiro um linchamento público. Debatam, debatam.

Mr. Romero, I am ready for my close-up




O ritmo de actualização do blogue tem sido lamentável, mas peço encarecidamente aos milhares de leitores fiéis que não me julguem. Ainda não tenho internet em casa. A Margem Sul é uma realidade alternativa e exige uma longa adaptação. Há rotinas novas e ritmos diferentes a assimilar. Chamei um táxi por duas vezes nas últimas semanas, mas em vão. Da primeira vez, a firma não reconheceu a rua, ou sequer o código postal. Da segunda vez (seriam umas dez da noite), a voz do outro lado da linha repetiu cautelosamente o nome do bairro e perguntou: "isso não é a zona dos cães selvagens?". O senhor da PT que veio instalar o telefone disse-me com um ar ominoso que "esta zona não é boa". Estava presumivelmente a vernacularizar um termo técnico, mas eu cresci com filmes de terror. Se me dizem com um ar ominoso que "esta zona não é boa" fico logo com vontade de pendurar dentes de alho e crucifixos no portão. Soube também que há um mito urbano na zona de Sesimbra sobre "actividade nocturna" em cemitérios. E na rua de baixo mora um senhor chamado Américo que tem um abrigo nuclear no quintal das traseiras.
No meio de tudo isto, o que mais inquieta é a possibilidade de sobreviver ao apocalipse e, como o pobre Duane Jones, ser sumariamente executado por falta de credenciais locais (as conversas no café continuam a cessar assim que eu entro).
Não há quem tenha um T1 em Telheiras para a troca? Contactos para o mail, sff.

segunda-feira, setembro 17, 2007

It's not writing, it's typing

Um texto cujo segundo parágrafo começa com a frase «My attitude to gray flannel has changed over the years» tem um longo caminho a percorrer, mas esta peça de Anthony Daniels na última New Criterion merece que o leitor resista ao impulso óbvio. É um excelente trabalho de demolição crítica, por vezes no limite da mesquinhez carrancuda, mas - perversamente - mais justo para com Kerouac do que muitas das elegias sonâmbulas que assinalaram o cinquentenário de On the Road. Façam o favor de ignorar o saloio arremedo de "Howl" que encerra o artigo e ponham os olhos no parágrafo anterior. «Prophet of immaturity» é uma proeza de condensação: forja um epíteto simultaneamente apto, venenoso e ternurento; e faz com que o «King of the Beats», que jornalistas culturais preguiçosos teimam em continuar a usar, soe ainda mais frouxo.

John Updike, na sua doida juventude, escreveu uma paródia brilhante da verborreia Keroualha. Desafio qualquer adepto confesso da escrita Beat (que nem sequer sei se existe) a submeter-se ao teste.
A vulnerabilidade a uma boa paródia não é necessariamente indicativa da dimensão de um escritor. Beerbohm "apanhou" Henry James sem lhe negar um milímetro de justa posteridade. Mas foi preciso Beerbohm - um génio - para o fazer. O problema com Kerouac (e com o desgraçado do Ginsberg já agora) é este: não é preciso um talento fenomenal para os parodiar; Updike fê-lo e fê-lo bem, mas poderia ter passado a comissão a um sobrinho competente ou a um dos fact-checkers da New Yorker. O único risco é o da redundância; é que o original já fez o trabalho quase todo:

«... This is where Dunkel and I spent a whole morning drinking beer, trying to make a real gone little waitress from Watsonville—no, Tracy, yes, Tracy—and her name was Esmeralda—oh, man, something like that.»

(Ando há quatro ou cinco anos a ler regularmente as colunas de Anthony Daniels e Theodore Dalrymple e só há duas semanas descobri que ambos são a mesma pessoa. Isto é daquelas ocorrências que desarmoniza por completo o pacato mundo de um leitor de revistas. A minha paranóia latente não precisa de estímulos, obrigado. We're through the looking-glass here, people. Não me surpreenderia que o senhor também escrevesse meia dúzia de blogues por aí.)

Lonely tylenol



Dylan e palíndromos. Não é preciso muito para me fazer feliz.

(Com agradecimentos ao Salústio e aos cafés Delta)

Já vem a caminho


domingo, setembro 16, 2007

He is in that void

«It seems it won't go, but suddenly it does. The medicinal odor of displaced Vaseline reaches his nostrils. The grip is tight at the base but beyond, where a cunt is all velvety suction and caress, there is no sensation: a void, a pure black box, a casket of perfect nothingness. He is in that void, past her tight ring of muscle».

(John Updike, Rabbit is Rich)

Esta passagem, que regista, com veemente rigor, a primeira experiência sexual alternativa do protagonista, tem o mérito adicional de descrever a experiência estética acelerada que é ler as novecentas páginas da tetralogia Rabbit em quatro dias. A prosa de Updike é o grande esfíncter contraído da literatura contemporânea, frase que, de resto, aconselho vivamente o leitor a usar sempre que possível em ocasiões sociais futuras ("Já leu o último Mário Cláudio?" "Olhe, não. Tenho andado entretido com o Updike, cuja prosa é o grande esfíncter contraído da literatura contemporânea".) É raro o parágrafo Updikeano que não titila um nervo, mas a pressão é sempre localizada e efémera; o leitor pressente o vazio para lá da sensação imediata e anseia pelas posições de missionário e intenções reprodutivas dos seus conterrâneos menos talentosos. O fetichismo da prosa desgasta; brutaliza por acumulação de percepções. Em novecentas páginas, nada acontece (e nada acontece) que não mereça uma extraordinária passagem descritiva - invariavelmente subtil e raramente profunda. Há impulsos estéticos mais honestos nos tipos que escrevem as quadras para os manjericos. Mas admito que tenho andado um bocado resmungão.

sábado, setembro 15, 2007

"António Costa não acredita em Chinatown" *


* manchete lida na madrugada de sexta-feira, na página 103 do teletexto da TVI

Achei esta tripla justaposição - um autarca português, uma declaração negativa de fé e uma obra-prima da estética neo-noir - verdadeiramente inspirada, e deixo aqui sugestões para possíveis variantes:

Rui Rio não acredita em The Lost Seduction
Augusto Pólvora não acredita em Miller's Crossing
Fernando Seara não acredita em The Usual Suspects
José Portada não acredita em The Big Easy
Maria da Luz Rosinha não acredita em Palmetto

quarta-feira, setembro 05, 2007

Um 'overheard' quase tão bom como aquele do Concílio de Latrão

Na secção de informática da Worten do Fogueteiro, um homem de óculos escuros e t-shirt dos Aztec Camera dizia a um funcionário (julgo que a respeito das especificações de uma impressora): «Parece-me que o meu amigo está a confundir correlação com causalidade».
Ouvi a balbuciante resposta que se seguiu, mas não a vou revelar por respeito à privacidade do funcionário da Worten do Fogueteiro. E, aliás, que atire a primeira pedra aquele que, num momento de fraqueza, nunca confundiu correlação com causalidade.

Para breve no Pastoral Portuguesa

Uma lista das dez pastilhas Rennie que nunca me aliviaram as dores menstruais, e outra dos dez membros do Parlamento Europeu que nunca vieram cá a casa ler o contador do gás.