sexta-feira, fevereiro 15, 2008

12 palavras

A Bomba, o maradona e o senhor arquitecto (ordem cronológica) imploraram-me que revelasse aqui as minhas doze palavras preferidas, o que não me parece nada razoável, pelo que vou revelar apenas sete:

bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk. Aparece logo no início de Finnegans Wake, uma prolongada sessão de sodomia sintáctica a que me submeti durante quase vinte e oito páginas (aleatórias, incompletas e dolorosas). O livro conta - enfim, acho eu - a história de Humphrey Chimpden Earwicker, um pobre diabo irlandês que passa grande parte da sua vida a ser espancado por ferozes gangues de substantivos compostos. A comovente palavra que transcrevo, quando vertida de joyciês para terráqueo, significa "trambolhão".

Ex-namorada. Estrutura orgânica na qual substâncias como "orgulho" e "auto-estima" são arrefecidas, divididas, e reduzidas às suas mais encarquilhadas moléculas.. A ex-namorada é frequentemente encontrada no outro lado de um canal comunicativo analógico, em noites de bar aberto. As suas propriedades nunca foram rigorosamente catalogadas, embora teólogos medievais tenham especulado que estas incluem a intangibilidade, a omnipotência, e a vozinha irritante.

Aforismo. Um bom aforismo deve ter apenas uma frase. Uma segunda frase costuma estragar tudo. (Os que incluem uma terceira entre parênteses são um descalabro).

Ronaldo. Palavra inscrita em cédulas de nascimento e, posteriormente, através de um complexo algoritmo, convertida em vídeos do YouTube.

Punhal. Metáfora diligente e flexível, periodicamente depositada entre as omoplatas de líderes do PSD.

Lol. Termo arcaico, muito usado na lírica Camoniana de pendor mais misógino, e que alude às propriedades cómicas de um indivíduo e/ou situação. Exemplo: "Ah, minha Dinamene, que encobres o Sol!/ Com tuas larachas desprovidas de lol."

Qualquer advérbio de modo terminado em -mente. Inquestionavelmente eficaz para prolongar artificialmente uma frase embaraçosamente curta.

Escafandro. De todas as palavras que não são insultos, "escafandro" é a melhor qualificada para ser um insulto.

Vaivaivaivaivaivai. Em microeconomia, é o vocábulo arremessado na direcção de um cavalo, numa tentativa desesperada de o fazer correr mais depressa. Deve ser acentuado em todas as sílabas. Costuma estilhaçar-se no momento do impacto, alterando dramaticamente a qualidade de vida do utilizador.

Technorati. Palavra derivada do calão Fenício para "mercador cujas bugigangas gozam de sucesso considerável entre os Hititas". Designa actualmente o instrumento utilizado para medir a relevância ontológica de um sujeito X, em relação a um padrão abstracto Z denominado, por convenção, "Pacheco Pereira".

Pessoa. Talvez a minha palavra preferida. A pessoa é uma composição química patenteada por uma divindade hebraica há cerca de seis mil anos atrás, e tentativamente replicada por um reduzido naipe de peritos nos momentos que se seguiram à Criação. O grande sucesso comercial das pessoas entre as pessoas previamente existentes abriu as portas à liberalização do mercado de pessoas, com o desmantelamento da regulação opressiva que impedia a produção de pessoas em larga escala. Apesar destas medidas, chegou-se a uma situação em que a oferta se revelou incapaz de corresponder à procura; as pessoas queriam cada vez mais pessoas e não havia pessoas suficientes. Este facto, aliado à crescente rudimentarização dos processos técnicos envolvidos, declarou o óbito do profissionalismo metódico, apregoando a era do amadorismo e do do-it-yourself: as pessoas, muitas delas sem qualquer experiência na manufactura de pessoas, passaram a reunir-se com outras pessoas para fabricar as suas próprias pessoas, com as inevitáveis consequências ao nível da qualidade
Apesar de tudo, a pessoa continua a ser um produto muito desejado. Fazer pessoas, em particular, é hoje uma das actividades mais populares entre as pessoas que já cá estão.


É estipulado que a corrente seja passada a doze pessoas, o que não me parece nada razoável, pelo que a vou passar apenas a sete: ao Eduardo, ao Bandeira e ao Filipe Guerra.

3 comentários:

José Bandeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Bandeira disse...

Caramba, Rogério, cada vez melhor. Não dá para superar isto, mas cumprirei a missão.

E obrigado pelo link para o Filipe Guerra, que eu não conhecia. Um mimo. Nao no sentido de Marcel Marceau, mas no sent... ok, acho que dá para perceber. O Eduardo, claro, já eu conheço de gingeira.

Anónimo disse...

muito, muito bom
cj