Durante o meu primeiro ano em Edimburgo, devo ter recebido perto de três dezenas de cartas endereçadas a um senhor Alistair Crump. Garantiu-me a agência imobiliária que não tinha qualquer registo de um inquilino anterior chamado Alistair Crump. No posto local do Royal Mail expliquei a situação. Garantiram-me que não voltaria a receber as cartas do senhor Alistair Crump. Uma semana depois, recebi nova carta para o senhor Alistair Crump. Esta sequência repetiu-se várias vezes. Por fim, acabei por mudar-me, mas, tanto quanto sei, os inquilinos que me sucederam continuaram a receber a volumosa correspondência do senhor Alistair Crump.
Na manhã de hoje, a quinhentas milhas de Edimburgo, recebi um envelope - em meu nome - contendo dez postais com ilustrações de cariz natalício, feitas por membros da Association of Mouth & Foot Painting Artists (AMFPA). Apesar de todo o respeito e solidariedade que a organização me merece, nunca subscrevi uma das suas newsletters ou encomendei qualquer um dos seus produtos. Desconheço os meios através dos quais eles obtiveram os meus dados.
Um dos ilustradores - que pintou com a boca um enorme castelo cinzento afundado em neves festivas - chama-se Alistair Crump.
Perante situações destas, que afagam sedutoramente a minha apofenia, não há chocolate que alivie os tremores, nem exercícios respiratórios que dissipem a insónia. Se nesta altura tivesse a oportunidade de observar uma noz ao microscópio, quem me garante que não encontraria, como Strindberg, um par de mãos enlaçadas em fervorosa oração? E, já agora, não é ainda um bocadinho cedo para postais de natal?
É nestas alturas que me sinto tentado a voltar a ler as inscrições nas paragens de autocarro, à procura de pistas, de sinais.
1 comentário:
Pois, e Pinchon é o que vem ao espírito, imediatamente.
Podemos ver essa situação de um ângulo cómico:
Às 3 da manhã, o telefone toca.
- Boa noite, desculpe incomodá-lo. O Alphie está?
- Seu !!!! Isto não são horas de telefonar para ninguém, e além disso não mora aqui nenhum Alphie.
O senhor re-adormece, mas meia hora depois o telefone toca de novo:
- Desculpe voltar a incomodá-lo, mas preciso realmente de falar com o Alphie.
- Seu !!! Seu ### Já lhe disse que não mora aqui nenhum Alphie.
E adormece de novo, um pouco mais a custo.
Quando está a dormir profundamente, o telefone toca. O senhor prepara-se para a invectiva da vida dele, mas do outro lado uma voz diz:
- Boa noite, eu sou o Alphie. Alguém telefonou para mim?
Claro que não tem a dimensão digamos metafísica da sua história, mas também tem piada. Uso-a muitas vezes, como analogia.
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