quarta-feira, janeiro 31, 2007

Eu juro que só chamei a atenção para um carrot cake fora de prazo e depois começou tudo a correr mal

Não queria estar a maçar-vos com estas coisas, mas acabo de ser banido da minha mercearia local e estou muito aborrecido e não vou escrever mais nada hoje.

Prometo não refazer a lista de links desta maneira

«A similar [game] is ACRONYMS, in which players take a word or phrase, and make an appropriate sentence from words beggining with its letters. Thus shovel could be described as 'sharp hand-operated vertical earth lifter', snail could be 'slimy nocturnal animal invading lettuces', and brain could be 'box retaining assorted interesting notions'. This game is a favourite theme for competitions in the New Statesman, from which are gathered these examples using the titles of films:

Just a white shark;
Space, time and relativity, with a ridiculous script;
This has everything: syrupy outbursts, uplifting nannies, dancing over flowery mountains, unctuous songs involving children;
Clichés harvest awards. Runners in old-time shorts. Oxford flummery. Flabby idealism. Rotten ending.
»

(The Oxford Guide to Word Games, p. 131)

O melhor que consegui foi este par de ruínas gramaticais:

Gangster's only options: dying fast; end living life as schnook.
Blocked artist rationalizes, then offends nutcase. Faulkner is naturally killed.

Aceitam-se sugestões dos cinéfilos de serviço. Pontos de bónus para quem fizer um em japonês (usando o sistema de romanização Hepburn) para um filme do Beat Takeshi.

A minha posição

A minha posição é muito simples, e convém repeti-la sempre que as circunstâncias o exijam: sou peremptoriamente a favor das coisas boas, e intransigentemente contra as coisas más. Nestas coisas não pode haver compromissos.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Um minuto


«Contou, em muito pormenor, a história do beijo e, um minuto passado, já se calava... Num minuto pôde contar tudo, e ficou terrivelmente espantado por ter precisado de tão pouco tempo. Parecia-lhe que podia falar daquele beijo até ao amanhecer.»

(«O Beijo», na tradução de Nina e Filipe Guerra. Chekhov nasceu a 29 de Janeiro de 1860)

The Maple Leaf Conspiracy


Desde o início do ano, três pessoas diferentes, em três ocasiões diferentes, e por três motivos aparentemente diferentes, perguntaram-me se eu era canadiano.
Por uma questão de equilíbrio formal, dei três respostas diferentes.

(Em 2004, tive a oportunidade, nunca formulada em termos concretos, de me mudar para o Canadá. Uma das pessoas com quem comentei a hipótese foi um antigo professor, natural de Liverpool, que reagiu com cepticismo, e me deixou a seguinte advertência: «Have you noticed that no one ever says anything bad about Canada? No one. Ever. That surely is evidence of a conspiracy of massive proportions.»)

Google boo

domingo, janeiro 28, 2007

Roger e os gnomos amestrados

Rafael Nadal custou-me cinquenta libras, mas não o posso culpar. Foi uma aposta puramente sentimental - o pior tipo de aposta que se pode fazer - e uma que sabia de antemão estar condenada ao fracasso; o grunhido derrisório do corrector da William Hill assumiu a eloquência necessária. Por motivos geográficos, acompanhei a carreira de Andy Murray mais de perto do que a de qualquer outro tenista contemporâneo, e sabia que, salvo uma desastrosa sucessão de erros por parte de Nadal, a vitória seria impossível.
Os motivos geográficos são auto-explanatórios; os emocionais são estes: Murray tem a personalidade mais interessante do ténis actual. Depois da década de sublimação da mediocridade que foi o bafiento reinado de Tim Henman (esse Kevin Costner das raquetes) Murray foi a melhor coisa que poderia ter acontecido à Grã-Bretanha - uma espécie de bálsamo em reverso, fazendo o oposto de tudo o que um bálsamo deve fazer.
Por temperamento e por experiência, sou um céptico quanto à existência real de identidades nacionais, mas tenho de admitir que a feroz Scottishness de Murray é a chave desse interesse: o equilíbrio precário entre self-love e self-loathing, as puras reacções de menino mimado (a rábula da lesão dorsal no segundo set contra Nadal é uma performance que ele repete ciclicamente, sempre que está a perder), e um instinto auto-destrutivo que parece, infelizmente, estar a ser cerceado. Em 2006, duas semanas antes de Wimbledon, onde iria jogar perante uma plateia sedenta de um ídolo local sem chispes de argila, Murray informou casualmente um jornalista que ira torcer por todas as equipas que jogassem contra Inglaterra no Mundial. Três milhões de escoceses aplaudiram furiosamente, mas o rapport com as multidões de Wimbledon nunca mais foi o mesmo.
Mas agora, o manto diáfano das Relações Públicas parece ter sido estendido sobre a sua cabecinha quente; Murray comporta-se - nas conferências de imprensa, pelo menos - como alguém submetido a uma cura intensiva de chás e xaropes. Conseguiu até exibir alguma graciosidade na derrota, algo que - chamem-me sentimental - é a última coisa que eu quero ver num atleta profissional. O mínimo que se exige é que insultem genericamente a Humanidade depois do match point e se recusem a falar ou a apertar a mão ao adversário, mostrando às câmaras apenas um par de olhos vermelhos. (No melhor dos mundos possíveis, o derrotado nas finais do Grand Slam arrebataria o troféu das mãos do organizador e fugiria na direcção dos balneários gritando "You'll never catch me alive!")
Há quem diga que Murray precisa de canalizar a sua agressividade. Há quem diga que Murray precisa de um treinador diferente. Há quem diga que Murray precisa de mais chá e mais xaropes. Pessoalmente, acho que Murray precisa de menos pessoas a dizerem-lhe o que ele precisa, e de soltar o hooligan de Glasgow dentro de si. Apesar de ser tecnicamente muito bom, nunca será o nº1; mas caso não cometa o erro de se civilizar, pode ser o top-ten mais entusiasmante dos últimos anos.

No lado oposto do espectro está Federer, que parece cada vez mais jogar com o auxílio de dois gnomos invisíveis, um em cada metade do court. Aqueles forehands a pingar, que mudam de trajectória três centímetros antes da linha, são altamente perturbantes, de um ponto de vista metafísico. No séc. XXI é possível aplicar-lhes úteis e giríssimos gráficos computorizados, e explicar tudo de forma a que até os leigos consigam entender o que se passa, mas não tenho dúvidas de que há quinhentos anos atrás, o Suiço seria queimado numa gigantesca fogueira. A plateia entoraria em coro "Burn, witch, burn" enquanto a camada exterior de cera derreteria lentamente, até não restar nada sobre a pilha de carvões fumegantes a não ser um inexpugnável coraçãozinho metálico, com a inscrição SADI CARNOT, Inc.
Dois comentários espontâneos ajudaram a definir com precisão o que foi o Open. Primeiro, a eloquente sinopse teológica que Roddick fez da situação, no 3º set das meias-finais, depois de ter sido escrupulosamente demolido na meia-hora de ténis mais sobrenatural que eu vi na minha vida: «Goddamn everything, it's all God damn it».
O outro foi fornecido por um comentador da BBC durante a final, quando o ombro de um cabisbaixo González era massajado pelo seu treinador: «Oh, he looks, uh, González there, looking very uncomfortable with some sort of, uh, discomfort».
O desconfortável desconforto do resto da Espécie, perante a anomalia não-transpirante, gelidamente sentada na outra cadeira.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Os Meus Professores

Tive muitos professores. Uns foram bons professores, outros foram maus professores, e outros ainda, em rigor, não foram bons nem maus. Tive professores que interrompiam as aulas a meio para considerar os lírios do campo. Professores que usavam óculos-de-sol no Inverno. Professores que se moviam atabalhoadamente, e em cujos ombros se notavam protuberantes ângulos rectos, como se tivessem vestido o casaco com o cabide ainda lá dentro. Tive professores que nunca marcavam trabalhos de casa. Professores que não respondiam a perguntas de jornalistas. Professores que não respondiam a perguntas de ninguém.
Tive professores que se insurgiam contra a adesão ao Euro; professores que se gabavam de ter combatido as feras em Éfeso. Professores que escovavam os dentes com energia excessiva e cujas gengivas sangravam durante as primeiras aulas da manhã. Professores que praticavam uma cordialidade neutra. Professores que abusavam da palavra 'conluio'. Professores intransigentes com o mascar de pastilhas elásticas de uma certa marca, mas que toleravam misteriosamente as de outra marca. Professores que gritavam 'Descartes!' sempre que um aluno espirrava. Professores que insultavam a memória de Camões. Professores que lideravam contagens decrescentes para o toque da campainha. Professores que gemiam baixinho quando a campainha se atrasava. Professores que fingiam não ouvir a campainha.
Tive professores que achavam que Telémaco era um débil mental. Professores que recusavam a possibilidade de um desenvolvimento sustentado. Professores que transpiravam profusamente, confessando problemas nunca especificados. Professores que enfiavam a cabeça entre os cotovelos, perguntando "Porquê eu? Porquê eu?". Tive professores que fugiam ao fisco pelos corredores do Pavilhão B. Professores que liam "A Pousada da Jamaica" durantes os testes-surpresa. Professores que roubavam um pedacinho de giz todos os dias. Professores que ridicularizavam a arbitrariedade do signo.
Tive professores que eram internados de urgência no hospital Curry Cabral, com complicações renais, e que vociferavam os alunos, nas horas de visita: «Lição? Lição?? Ainda nem a barba fazem e já vinculados ao disparate. Não procurem aquilo que os outros já acharam. A tactear, a tactear no escuro, à espera do quê? Sirenes? Profetas? Um empurrãozinho? Quem é que vocês julgam que são, para virem ao meu hospital, e roubarem a minha jeropiga? Eu não sou o feixe de sensações dispersas com uma alma a fazer de corda de que falaram os iluministas escoceses. Sou um gajo. Tenho uma personalidade. Está para aqui algures enfiada. Ano após ano, as novas gerações pavoneiam-se pelas minhas tascas como se o erro não fosse sequer uma opção. Respostas para tudo. Dedo no gatilho e sempre com dinheiro trocado. Mas lá por dentro, lá no fundo, há uma coisinha misteriosa a crescer. E vai ser um parto de sangue. Metem-me nojo. O tipo de gente que vai aprender a fechar os olhos antes de passar diante de um espelho. E depois marram com os cornos na porta. Não assumam que eu não vejo. É por causa de gente como vocês que gente como eu começa a beber. Fracasso é quando se esquece; eu lembro-me de tudo. E parem de tirar notas quando eu estou a falar!»
Tive professores que achavam que o Mundo seria um dia a nossa concha. Tive professores que viam em nós o embrião de um vasto exército de varredores de rua.

Hoje ouve-se


Lost in a Roman wilderness of pain
And all the children are insane
All the children are insane
Waiting for the s...
for the s...
for the s...


- The Doors, «The End», The Doors (1967)

(Quando tinha 13 anos, no auge da minha curta enfatuação com os Doors, o filme de Oliver Stone estreou na RTP. Por motivos que não recordo, e que não vêm ao caso, passei essa noite em casa dos meus avós, e consegui, graças a uma combinação de feroz diplomacia e despudorada chantagem emocional, negociar uma inédita sessão televisiva nocturna.
O que aconteceu é algo previsível (eram os dias de leite e rosas da pré-insónia): adormeci antes de o filme começar. O factor-surpresa foi a minha avó, que fez questão de o ver do princípio ao fim, provavelmente porque eu, na minha febril campanha, tinha feito Jim Morrison passar por uma espécie de Dr. Schweitzer com laivos de António Calvário, o que lhe deve ter aguçado a curiosidade. Na manhã seguinte, entre torradinhas queimadas, perguntei-lhe o que tinha achado e ela, olhando-me com incontida censura, respondeu: "Aquele moço era um grande mafarrico".
É bastante fácil fazer pouco dos Doors. Vamos, portanto, ceder à tentação, e fazer pouco dos Doors. Começando pela música, que nos piores momentos lembra a banda sonora de um soft-porn oitentista. Alguns dos arranjos são perturbantemente parecidos com as batidas pré-definidas que vinham na memória daqueles órgãos Casio que as madrinhas tinham o hábito de oferecer antes de os pares de meias e agendas terem estendido o seu inexplicável domínio satânico sobre todas as ocasiões especiais.
Mas é claro que o pior não é isso. Os Doors têm o condão de sublimar o pior da adolescência: o pretensiosismo isolado, a pose torturada, a solenidade labrega. Ninguém está imune. A primeira vez que fui a Paris, em '95, passei a obrigatória tarde no Pêre Lachaise, e pousei para a lamentável fotografia da praxe diante da campa do artista. Está lá tudo: a cabeleira farta, o rosto sisudo, as roupas pretas, colar índio comprado na feira e até (juro) o livro de Rimbaud na mão direita. Só não tenho uma tabuleta ao pescoço a dizer "Palhaço" porque esta seria, com toda a franqueza, redundante.
Dito isto, há muito para recomendar na obra dos Doors. E convém lembrar que o grupo saiu de um meio - musical, social e geográfico - invulgarmente predisposto ao ridículo. É possível descortinar algum valor retro-kitsch em muita da psicadelia hippie da segunda metade dos anos '60, mas experimentem sujeitar as vossas sensibilidades modernas a «Atlantis» de Donovan ou às piores coisinhas dos Jefferson Airplane. Em comparação com "My antediluvian baby, oh yeah", a fantasmagoria carnavalesca dos Doors - as cenas esquisitas dentro da mina de ouro - parecem não apenas originais como positivamente benéficas e conducentes à Paz Universal.
Mas se precisarem de um motivo adicional para voltar a ouvir «The End», o Pastoral Portuguesa está aqui para ajudar. Coloquem o cd na aparelhagem (não funciona com Real Audios nem I-pods) e deixem a faixa correr até ao minuto 3:31, em que Morrison inicia o verso "Waiting for the summer rain"; quando ouvirem o sibilar do primeiro 's' de 'summer', primam ao de leve o botão rewind, soltando-o logo de seguida, repetindo novamente o processo assim que voltarem a ouvir o 's'. Não é difícil apanhar o jeito, e assim que o conseguirem, terão o privilégio de ouvir, no conforto do vosso lar, o Rei Lagarto, o Batman, esse grande mafarrico, gritar um portuguesíssimo 'foda-se' num loop contínuo. God is in the details.)

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Está tudo no nome

Não sei se alguém já reparou, mas 'Rute Monteiro' é um anagrama de 'é outro mentir'.

Babelfish 0.0, to studious youth

« The most notorious phrase-book ... was published in Paris in 1855 by Pedro Carolino, with the title O Novo Guia da Conversação, en Portuguez e Inglez. The portuguese author compiled this work by translating a book of French dialogues word for word into English with the help of a dictionary.
The Preface reads:
A choice of familiar dialogues, clean of gallicisms, and despoiled frases, it was missing yet to studious portuguese and brazilian youth; and also to persons of other nations. . . We expect then, who the little book (for the care what we wrote him, and for her typographical correction) that may be worth the acceptation of the studious persons, and especially of the Youth, at which we dedicate him particularly.
The 'English' phrases recommended by the author include: 'Do you cut the hairs?'; 'It knock one's the door, go to and see who is it'; 'I have put my stockings outward'; and 'These apricots and these peaches make me and to come water in the mouth'. »

(The Oxford Guide to Word Games, p. 178)

Farrar/Cohen



Nunca mais vou ver filmes de Powell & Pressburger da mesma maneira.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Judas!

Se vir um espaço topológico bi-dimensional compacto, não-orientável e conexo - não beba


(O estalajadeiro do Corstorphine Inn, em Edimburgo, mantinha uma garrafa de Klein oculta atrás do balcão para afugentar fregueses que não sabiam quando parar de beber. A garrafa só era utilizada em casos extremos, depois de a campaínha ter soado. O freguês aproximava-se do balcão, cambaleante, exigindo uma última rodada, para o caminho, para os seus amigos invisíveis, em nome da pátria, em nome dos velhos tempos. O estalajadeiro pedia-lhe educadamente que saísse do estabelecimento. O freguês recusava e tornava-se truculento. A garrafa de Klein era então prestidigitadamente produzida da sua prateleira secreta e colocada em cima do balcão; o estalajadeiro dizia "todos os copos estão sujos" deixando a ameaça matemática implícita na frase a pairar, e a sua consequência lógica materializar-se no cérebro confuso do freguês que não sabia quando parar de beber.
Vi isto acontecer inúmeras vezes.)

domingo, janeiro 21, 2007

Antes do arco-íris



«This then, I thought, is the representation of history. It requires a falsification of perspective. We, the survivors, see everything from above, see everything at once, and still we do not know how it was.»

(W. G. Sebald, The Rings of Saturn)


A partir de que distância é possível discernir um padrão na desordem? Que porção do caos devemos levar em conta nessa análise? E a esporádica berlaitada psicadélica, ajuda?
Estas perguntas, com uma ou outra variação, têm estado latentes em cada página Pynchoniana, desde o início. No epílogo de V. - o seu primeiro romance, publicado em 1963 - um jovem Sidney Stencil, depois de sensatamente recusar uma pitada de hashishe no seu cachimbo, coloca a seguinte hipótese: «suppose sometime between 1859 and 1919, the world contracted a disease which no one ever took the trouble to diagnose because the symptoms were too subtle - blending in with the events of history».
Quarenta anos e cinco romances depois, um padrão começa a ser identificável na sua obra, cujo impulso central parece ter sido o elaborar de uma cripto-história da humanidade desde a Revolução Industrial. Pynchon sempre dedicou uma atenção especial aos espaços em branco no espectro oficial da Verdade, aos vácuos nas cronologias, às convulsões invisíveis que sacodem as mudanças de paradigma, e onde costumam florescer os mitos urbanos e as teorias da conspiração; não há muita obsessão subterrânea que não lhe tenha merecido algum tempo de antena, desde a colónia de crocodilos nos esgotos de Nova Iorque, à supressão de uma lâmpada perpétua pela Phillips, passando por genocídios secretos e serviços postais alternativos. O novo livro leva essa cosmologia paranóica até às últimas consequências, com resultados ocasionalmente hilariantes:

«'Back before the beggining of all, when they were designing the World -'
'They?'
'They.'
»

Mas Against the Day é também uma tentativa de diagnosticar a doença de Stencil (funcionando nesse aspecto, como uma prequela de Gravity's Rainbow, que dramatiza os seus efeitos), um diagnóstico que aspira a uma obsessiva totalidade e a cujo escrutínio narrativo nada - realidade ou lenda, facto ou mito - parece escapar.
O que acontece, e vamos tentar manter as coisas simples, é isto: Webb Traverse, líder sindical dos mineiros do Colorado, anarquista e patriarca, é assassinado por dois rufiões ao serviço de Scarsdale Vibe, um plutocrata satânico e um digno representante da not quite mitológica raça dos Robber Barons que ajudaram a construir a América. A problemática filha de Webb, Lake Traverse, apaixona-se por um dos assassinos, enquanto os três filhos reagem à tragédia de maneiras diferentes: Reef jura vingança e percorre o planeta, primeiro no encalço dos dois assassinos, e depois perseguindo troféus de ordens diferentes; Frank, cujos desejos de retribuição são mais diluídos, atravessa a fronteira mexicana, onde se envolve, quase por acidente, na revolução de Madero (Pancho Villa faz uma curta aparição); Kit, um prodígio intelectual, e o mais novo dos irmãos, faz um pacto faustiano com Vibe, que se oferece para financiar a sua educação superior - primeiro em Yale e posteriormente em Göttingen, onde conhece a irresistível matemática Yashmeen Halfcourt, ex-aluna de Riemann, e que é capaz de se bifurcar e deslocar através do tempo e do espaço. Em paralelo, vamos seguindo as peripécias dos Chumps of Chance, um grupo de aventureiros saídos - literalmente - de uma colecção de livros juvenis, que se desloca numa gigantesca aeronave movida a hidrogénio (cujo tamanho vai aumentando gradualmente), recebendo instruções de um obscuro e quase-omnisciente consórtio, e interferindo aqui e ali nos assuntos terrenos, ora seguindo o rasto a uma arma ultra-poderosa que pode ou não ter sido desenhada por Nikola Tesla, ora experimentando uma máquina do tempo que pode ou não já ter sido usada, ora procurando, com a ajuda de um insólito mapa tri-dimensional, a mítica cidade de Shambhala, que pode ou não ocultar-se debaixo das areias de um deserto asiático, e que pode ou não conter reservas inesgotáveis de petróleo, ou o segredo da vida eterna.
Na segunda metade do livro, as coisas complicam-se. Grande parte dos personagens parte para uma Europa que vacila no limiar de uma catástrofe sem precedentes; as premonições vão-se acumulando:

«What was about to emerge from the night, just behind the curve of the Earth?. . . a persistent component of black in all light that swept this lowland, flowing over dead cities, mirror-still canals. . . black shadows, tempest and visitation, prophecy, madness. . .»

Algumas páginas depois, sobrevoando os campos da Flandres, um visitante do futuro deixa o seguinte aviso:

«This world you take to be 'the' world will die, and descend into Hell, and all history after that will belong properly to the history of Hell. (. . .) Flanders will be the mass grave of History. (. . .) On a scale that has never yet been imagined. Not some religious painting in a cathedral, not Bosch, or Brueghel, but this, what you see, the great plain, turned over and harrowed, all that lies below brought to the surface - deliberately flooded, not the sea come to claim its due but the human counterpart to that same utter absence of mercy - for not a village wall will be left standing. League on league of filth, corpses by the uncounted thousands, the breath you took for granted become corrosive and death-giving

Os reencontros fortuitos vão-se multiplicando; personagens que se tinham visto pela última vez nas cavernas do México cruzam-se nas selvas de África; amantes separados em Nova Iorque reunem-se nas ruas de Trieste. A locução mais frequente nesta secção é "who should then appear but". Os desenvolvimentos teóricos da época vão sendo mencionados e trabalhados, sempre de um modo relativamente leigo-friendly: os primórdios do cinema, a teoria do Éter Luminífero, o debate matemático entre Vectoristas e Quaternionistas (a única secção onde, confesso, me perdi), pesquisas sobre o Espato da Islândia, uma variante da calcite com invulgares propriedades de refracção, e cuja capacidade para duplicar a realidade é um pouco mais do que metafórica. Abundam também longas tiradas sobre o Tempo («our fate, our lord, our destroyer») que cumpre a mesma função estruturante já familiar de livros anteriores (a entropia em V., as leis de causa e efeito em GR, a linguagem binária em Vineland e a cartografia em Mason & Dixon).
Mas é o estilo, como sempre em Pynchon, que acaba por ser a personagem principal. Tal como em V., o modo básico de narração é o pastiche, mas um pastiche modulado e filtrado pela inconfundível voz do autor, de forma que é quase impossível encontrar um parágrafo que não seja imediatamente identificável como seu. O zodíaco referencial continua imenso; num excelente ensaio, John Clute tenta ancorar o trabalho numa certa tradição da Ficção Científica, que remonta às distopias de William Morris e cujo expoente máximo é Michael Moorcock (cuja obra desconheço). De qualquer forma, a interpretação é redutora. Against the Day contém alusões literárias em número suficiente para obcecar académicos durante décadas. Uma primeira leitura permitiu identificar piscadelas de olho ao Hamlet e ao Fausto de Marlowe, a Dante e a Le Carré, B. Traven e Evelyn Waugh, Ronald Firbank e Mark Twain, Henry Adams e Júlio Verne, Raymond Chandler e Ridder Haggard, William Burroughs e Enid Blyton, Charles Dickens e Alan Moore. Há também alusões cinéfilas a John Ford, Howard Hawks e aos irmãos Marx; uma piada horrenda envolvendo o Titanic; uma série de variações já familiares sobre o Roadrunner e o Coyote (incluindo uma fantástica perseguição através de uma fábrica de maionese na Bélgica); e uma bizarra e inesperada homenagem a Dune que me pareceu dever mais ao incoerente filme de Lynch do que ao impenetrável livro de Frank Herbert.
Alguns críticos atribuíram uma relevância inquinada aos aspectos mais esotéricos deste Universo hiper-ligado, como se Pynchon, na sua velhice, se tivesse convertido ao charlatanismo New Age da malta dos cristais. Mas Pynchon, e isto não é uma opinião, mas um facto indesmentível, sabe mais sobre ciência do que qualquer outro escritor vivo, e sabe o suficiente para compreender que qualquer avanço mais brusco pode parecer momentaneamente um acto de magia. Para uma geração cuja educação foi solidamente fundada sobre a Rocha das leis Newtonianas, os primeiros passos na direcção da Teoria da Relatividade devem ter soado alguns ecos preocupantemente sobrenaturais.
O resto - fantasmas, profecias, horóscopos, e um fascínio com o Tarot que vem de longe - é puro xamanismo literário, testando a elasticidade das convenções do Realismo sem sufocar a linha narrativa, como acontece em certos descendentes menores da Escola Sul-Americana e bastardos pouco talentosos de Garcia Márquez.
É a mesma lógica que regula a criação das suas personagens, tantas vezes denegridas (stand up Kakutani) como meros cartoons. As falhas de caracterização inspiram um ressentimento crítico ainda maior porque os enredos de Pynchon, ao contrário dos jogos meta-ficcionais dos seus contemporâneos Barthelme, Coover e Gardner, por exemplo, vêm camuflados de Naturalismo. Mas a sua ficção não se esgota no aprofundamento psicológico: há outros imperativos. O tratamento que Pynchon dá aos seus protagonistas está a meio-caminho entre a rédea solta dos grandes romances Vitorianos e as grilhetas do pós-modernismo: é um despotismo iluminado, que lhes permite uma certa amplitude dentro da grelha de intenções do autor.
Intenções que, surpreendentemente, devem muito ao Puritanismo dos seus antepassados e a um posicionamento político algo ambíguo. Dados alguns elementos recorrentes na sua obra (um feroz tom anti-capitalista e uma empatia desmesurada com os desenfranchizados, etc.) tem sido tentador para alguns enquadrá-lo num enclave ideológico de esquerda. Mas Pynchon, mais do que um liberal de Long Island ou um velho hippie, é um libertário Calvinista, cuja fanática desconfiança em relação à Autoridade e descrença em qualquer forma de progresso social é contra-balançada por uma fé inabalável no Indivíduo e num estranho tipo de salvação arbitrária, uma relíquia da desesperada doutrina Calvinista da Predestinação, na qual a Salvação é uma lotaria e Deus uma gigantesca tômbola extraindo almas ao caos giratório.
Os desejos utópicos não resistem ao pessimismo de quem suspeita que a Utopia já existiu e foi irremediavelmente arruinada. Yashmeen, a dada altura, diz que viajar no tempo é uma forma falhada de utopianismo. A tendência geral desta mundivisão é para uma idealização excessiva do Passado, mas no caso de Pynchon serve para trazer à tona o seu melhor; os picos da sua escrita encontram-se naquelas prolongadas cadências, exprimindo a visão elegíaca de um ontem irrecuperável.
É uma escrita de uma intensidade quase religiosa - no melhor sentido do termo - em que todos os contratos seculares entre leitor e autor são meticulosamente rasgados. Existe, contudo, uma promessa maior: a promessa de que a Arte é a única oportunidade redentora para os que esbracejam à ilharga da História, os não-seleccionados, os Preteridos; a ideia Conradiana de que a Literatura pode e deve ser uma tentativa de distribuir a melhor justiça possível pelo Universo visível. A enorme cidade flutuante das últimas páginas, na qual «every wish, if not granted, is at least addressed», e na qual habitam os personagens arbitrariamente escolhidos pelo Autor - os Chumps of Chance, que pertencem a ficções dentro da ficção, que nunca envelhecem, e que se casam todos na mesma página, como no final de uma comédia Shakespeareana - é o símbolo visível dessa promessa, triunfantemente cumprida. Aos outros, os sobreviventes da débacle, algemados à Terra, resta-lhe a Paris do pós-guerra e uma trégua fugaz antes de Gravity's Rainbow.

(Against the Day tem 1085 páginas e a única coisa que eu queria era que não acabasse. A maior dificuldade colocada pelo livro é a de regressar: a 2007, à vida, aos livros normais.)

Pynchon & Jazz

Seguindo o exemplo de livros anteriores, Against the Day volta a fetichizar a anarquia organizada da música e da dança como uma arma contra a Ordem conspiratória dos Eleitos, e um antídoto contra a inevitabilidade da entropia. Um fetiche de longa duração:

V. (1963)

« 'Crazy', said McClintic... But one thing that did occur to him was if a computer's brain could go flip and flop, why so could a musician's. As long as you were flop, everything was cool. But where did the trigger-pulse come from to make you flip? (...) What happened after the war? That war, the world flipped. But come '45, and they flopped. Here in the jazz bars of Harlem they flopped. Everything got cool. . .»


The Crying of Lot 49 (1967)

«Each couple on the floor danced whatever was in the fellow's head: tango, two-step, bossa nova, slop. But how long, Oedipa thought, could it go on before collisions became a serious hindrance? There would have to be collisions. The only alternative was some unthinkable order of music, many rhythms, all keys at once, a choreography in which each couple meshed easy, predestined. (...) She was danced for half an hour before, by mysterious consensus, everybody took a break, without having felt any touch but the touch of her partner . . . an anarchist miracle.»


Mason & Dixon (1997)

« "'Tis ever the sign of Revolutionary times, that Street-Airs become Hymns, and Roist'ring-Songs Anthems,-- just as Plato fear'd,-- hast heard the Negro Musick, the flatted Fifths, the vocal portamenti,-- 'tis there sings your Revolution. These late ten American years were but Slaughter of this sort and that. Now begins your true Inversion of the World."
"Don't know, Coz. Much of your Faith seems invested in the novel Musick,--"
"Where better?" »



Against the Day (2006)

«"... I’ve noticed the same thing when your band plays — the most amazing social coherence, as if you all shared the same brain."
"Sure," agreed ‘Dope’, "but you can’t call that organization."
"What do you call it?"
"Jazz."»

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Terceira Epístola aos Coríntios

Dear Corinthians,

I've written to you twice now. No reply. I don't know what it's like in Corinth, but where I come from, that's just rude.

Sincerely,

Paul



(Graçola improvisada por Frankie Boyle, um génio cómico escocês)

La Jetée

«The only convincing act of time-travel in the whole of science-fiction.»

(J. G. Ballard, A User's Guide to the Millennium)


Parte 1

Parte 2

Parte 3.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Problemas resultantes de uma educação defeituosa, cruelmente exposta pela releitura de algumas secções de Against the Day

Graças a esta espectacular sucessão de reguadas do professor Fernando J. A. S. Barriga (um perfeito nome Pynchoniano) e também a este divertido boneco, consegui esclarecer as dúvidas que tinha sobre o Espato da Islândia (existe mesmo).
Mas com a experiência de Michelson-Morley, isto está mais complicado. Comprometo-me a colocar 10 libras num cavalo à escolha da pessoa que me conseguir explicar isso - por mail, e em menos de 250 palavras. Tenham em conta que ainda nem sequer consegui perceber o que é um interferômetro, apesar de gostar muito da palavra.

Problemas resultantes de uma chegada tardia à blogosfera (e de muito tempo perdido a ler os arquivos dos outros)

- Concordar enfaticamente com alguém que entretanto mudou de opinião;

- irritar-me com polémicas das quais já ninguém se lembra;

- não saber quem era, afinal, o Pipi.

Realidade plagia Dickens

« The novellist Ian McEwan has discovered that a bricklayer is the older brother he never knew he had (...) The revelation emerged that Rose McEwan, the novelist's mother, had given away Ian's older brother, Dave, at a railway station. (...) The lives of the two men have taken very different paths. Mr Sharp, 64, worked in the building industry in south-east England during the post-war years. His undiscovered brother went from private school to university before finding international acclaim with such novels as Atonement, and Enduring Love. For 20 years the brothers lived just 15 miles apart, Mr McEwan in Oxford's exclusive Park Town, and Mr Sharp in the Wallingford (...) »

- The Guardian

terça-feira, janeiro 16, 2007

I'll be your Sousa Tavares if you'll be my 24 horas

Numa sessão de perguntas e respostas organizada pelo Independent, alguém aproximou um frasco de mostarda do nariz de Martin Amis:

Q: The phrase "horrorism", which you invented to describe 9/11, is unintentionally hilarious. Have you got any more?

AMIS: Yes, I have. Here's a good one (though I can hardly claim it as my own): the phrase is "fuck off".

segunda-feira, janeiro 15, 2007

p. 1084



«The book by now has grown as large as a small city. There are neighborhoods, there are parks. There are slum conditions. It is so big that when people on the ground see it in the sky, they are struck with selective hysterical blindness and end up not seeing it at all.»

Músicos de rua em Union Square, NYC

Black Wave/Bad Vibrations

Singing Hallelujah with the fear in your heart

domingo, janeiro 14, 2007

Anarchist's Golf


«The next day Reef, Cyprian and Ratty were out in the Anarchist's golf course, during a round of Anarchist's Golf, a craze currently sweeping the civilized world, in which there was no fixed sequence - in fact, no fixed number - of holes, with distance flexible as well, some holes being only putter-distance apart, others uncounted hundreds of yards and requiring a map and compass to locate. Many players had been known to come there at night and dig new ones. Parties were likely to ask, "Do you mind if we don't play through?" then just go and whack balls at any time and in any direction they liked. Folks were constantly being beaned by approach shots barreling in from unexpected quarters. "This is kind of fun," Reef said, as an ancient brambled guttie went whizzing by, centimeters from his ear.»

(Thomas Pynchon, Against the Day)

'Alexandre o Ghandi e as Chamuças da Morte'?

"YouTube: vídeo de Gandhi escandaliza a Índia"

- Diário Digital

O dia em que o historiador atravessou fora da passadeira



«(...) Apparently, however, as I was later told, "jaywalking" is a criminal offence in the State of Georgia. But I had no idea I had done anything wrong. A young man in a bomber jacket accosted me, claiming to be a policeman, but with no visible evidence of his status. We got locked in mutual misunderstanding, demanding each other's ID. I mistook the normal attitude of an Atlanta cop for arrogance, aggression and menace. He, I suppose, mistook the normal demeanour of an ageing and old-fashioned European intellectual for prevarication or provocation. His behaviour baffled me even before he lost patience with me, kicked my legs from under me, knocked my glasses from my nose, wrestled me to the ground, and with the help of four or five other burly policemen who suddenly appeared on the scene, ripped my coat, scattered my books in the gutter, handcuffed me, and pinioned me painfully to the concrete. (...) First, I learnt that the Atlanta police are barbaric, brutal, and out of control. The violence I experienced was the worst of my sheltered life. Muggers who attacked me once near my home in Oxford were considerably more gentle with me than the Atlanta cops. (...) Once in gaol I discovered another, better side of Atlanta. (...) In gaol, I saw none of the violence that typifies the streets. On the contrary, the staff treat everyone - including some of the most difficult, desperate, drunk, or drugged-out denizens of Atlanta's demi-monde - with impressive courtesy and professionalism. I began to suspect that some of the down-and-outs I shared space with had deliberately contrived to get arrested in order to escape from the streets into this peaceable world - swapping the arbitrary, dangerous jurisdiction of the cops for the humane and helpful supervision of the centre. (...) I then met the best of America when I appeared in court. (...) I watched Judge Jackson at work. He had 117 cases to try that day. He handled them with unfailing compassion, common sense and good humour. (...) It only took him a few minutes to realise that I was the victim, not the culprit. The prosecutors withdrew the charges. The judge then proclaimed my freedom with kindly enthusiasm and detained me for nothing more grievous than a few minutes' chat about his reminiscences of the Old Bailey. (...) But, at the risk of projecting my own limited experience on to a screen so vast that the effect seems blurred, I see bigger issues at stake: issues for America; issues for the world. I found that in Atlanta the civilisation of the gaol and the courts contrasted with the savagery of the police and the streets. This is a typical American contrast. The executive arm of government tends to be dumb, insensitive, violent and dangerous. The judiciary is the citizen's vital guarantee of peace and liberty. (...)

(The Independent)

sexta-feira, janeiro 12, 2007

O que fazer com €15M



Para começar: peguem no cheque e dirijam-se ao balcão do BPI mais próximo. Enquanto esperam, dancem a Lambada, pintem os formulários com lápis de cera, chorem como bebés, peçam a um funcionário para vos atar os sapatos, resmunguem sobre a falta de gosto de certas taxas de juro; enfiem o dinheiro em sacos de plástico, varram o piso com olhares devastadores e despeçam-se com uma gargalhada.
Voltem no dia seguinte com uma pistola na mão, uma meia de nylon na cabeça e sete bandidos contratados, gritem 'Mãos ao ar, escumalha!', ameacem o gerente com um dedo ríspido e gritos sincopados, arrombem o cofre, coloquem lá dentro palha, nozes, coisinhas brilhantes, e anunciem solenemente: "Isto é o meu ninho".
Sejam presos. Toquem músicas de Natal nas grades da cela, subornem guardas para vos trazerem gelados, paguem a fiança e deixem gorjeta, cocem as axilas no meio do tribunal, digam ao juiz que a Primavera é a melhor das estações, soprem-lhe beijos amorosos.
Construam uma casa no topo de um monte, um Xanadão com três pisos, oito garagens, court de ténis, cinema, piscina com trampolins de veludo endurecido, discoteca, sala de conferências, coreto, solário, jardim zoológico com golfinhos deprimidos e pandas confusos.
Convoquem a imprensa e denunciem o estado de coisas. Digam 'O estado das coisas é lamentável', e respondam a todas as perguntas com esta frase. Anunciem um projecto megalómano para fomentar a discórdia entre os espanhóis; ruminem horas a fio sobre o Destino Lusitano e depois digam: "um bulaquinho na palede". Façam-se convidados para um jantar oficial e abusem do ponche; agridam vereadores como uma balalaica prateada, interrompam anedotas a meio, empinem garfos na ponta do nariz, comentem um quadro de Paula Rego dizendo "Há ácidos próprios para este tipo de problema"; dedilhem as meias de renda da Primeira-Dama, ofereçam-lhe oitenta mil euros por um chocho.
Comprem um fato Armani e sapatos de pele de crocodilo, pavoneiem-se em frente dos mendigos gangrenados do Martim Moniz. Destroquem mil euros em moedas de cinco cêntimos e torturem até ao reumático o homem-estátua da Rua Augusta. Entrem numa carruagem do Metro na hora de ponta e gritem a plenos pulmões: "Eu é que tenho a bondade de vos auxiliar!", acenando notas estaladiças e perfumadas e depois fujam antes de as portas se fecharem. Vão a uma galeria de arte parisiense com um carrinho de supermercado, empilhem obras-primas como se fossem grades de Super-Bock, paguem o dobro do que é pedido, cliquem os tacões de felicidade, cantem. Repitam o processo cinco vezes.
Arvorem-se em mecenas renascentistas, contratem os pintores esfomeados de Florença para vos imortalizarem as feições, prometam horríveis torturas caso a verruga não seja aumentada, as sobrancelhas unidas. Marquem uma consulta com o melhor cirurgião plástico do planeta e exijam mais gordura nas coxas.
Trepem a encosta mais íngreme da Torre Vasco da Gama, atirem aviões de papel ao Tejo, façam chover cheques sobre Lisboa como um profeta Bíblico e depois gritem, "Esse dinheiro é meu!" Comprem um iate de luxo. Ou comprem dois e afundem um antes de ser usado. Baptizem o outro com um cálice de leite condensado. Chamem-lhe Afrodite, chamem-lhe Bananarama. Partam rumo ao alto mar.
Aluguem uma ilha remota no Pacífico ao governo das Filipinas, povoem-na com mercenários, hooligans, amoladores, cães salivantes, positivistas lógicos desempregados e coelhinhas da Playboy; alcem uma bandeira cor de mel, declarem uma cisão ideológica imaginária, formulem uma Constituição só de vogais, armem um exército de babuínos e declarem guerra à Lua. No solstício de Inverno, liderem uma procissão de escravos até ao ponto mais alto da ilha, e desvelem uma estátua oca - uma réplica perfeita da vossa divina figura. Revelem-se como a última descendência da linhagem dos Habsburgos e fuzilem quem tiver uma ideia melhor. Distribuam barras de ouro como tremoços. Sorriam para as câmaras e para o Céu.
Quando o dinheiro acabar, escondam-se dentro da vossa estátua e transformem-se em pedra para sempre.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Robert Anton Wilson (1932-2007)


«In the first Vision, they saw Yahweh, a neighboring god with a world of his own which overlapped theirs in some places. He was clearing the set to change its valence and start a new show. His method struck them as rather barbarous. He was, in fact, drowning everybody -- except one family that he allowed to escape in an Ark.
"This is Chaos," said Hermes. "That Yahweh is a mean mother', even for a god."
And they looked at the Vision more closely, and because they could see into the future and were all (like every intelligent entity) rabid Laurel and Hardy fans and because they were zonked on the weed, they saw that Yahweh bore the face of Oliver Hardy. All around him, below the mountain on which he lived (his world was flat), the waters rose and rose. They saw drowning men, drowning women, innocent babes sinking beneath the waves. They were ready to vomit. And then Another came and stood beside Yahweh, looking at the panorama of horrors below, and he was Yahweh's Adversary, and, stoned as they were, he looked like Stanley Laurel to them. And then Yahweh spoke: "Now look what you made me do," he said.»


- The Illuminatus Trilogy

(Robert Anton Wilson morreu esta madrugada, pela segunda e última vez. Mais pormenores aqui)

Uma história da vida real

Hoje vi uma situação muito engraçada no supermercado, mas suspeito que contada não terá a mesma graça, portanto não a vou contar.

He had me at 'uh'

Dois excelentes blogues que descobri este ano: um é um amigo pop e, pelos vistos, anda nestas coisas quase desde o início. Escreve coisas como esta, de 3 de Dezembro: «uh, está aqui uma aranha a explorar o móvel, falta-lhe uma perna, um insecto sem simetria, quem consegue matar um aranha deficiente? eu não. mais coisas que estão a acontecer: Joanna Newsom, ...acho que estou a ficar velho. comecei a gostar de roupa de velho. gosto da "Young Folks" por causa do we don't care about the young folks quando toda a gente gosta é do assobio. aquela ideia de fazer comemorações etílicas acho parva. ando cheio de tosse, estou constipado. é sempre assim: a ideia de fumar é repelente mas depois reaprendo. estou a fumar e a beber moscatel. o meu plano para 2007 é não ter doenças.»

O outro blogue é o Analfabeto, do qual, nesta altura da minha vida, gosto mais do que gosto de manteiga, por exemplo.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

A practical purpose

« Anagrams had a practical purpose for some people, as a method of concealing their real name. Voltaire, whose real name was Arouet, formed his pseudonym by making an anagram of Arouet L. J. (le jeune) using the 'u' as a 'v' and the 'j' as an 'i'. Casanova gave the reason he suspected for this name-change in his History of My Life: "Voltaire would never have attained immortality with the name of Arouet. . . He would have lost all self-respect if he had constantly heard himself called à rouer ('whipping-boy')". »

(The Oxford Guide to Word Games, p. 75)

Juro:

A anamnese, comigo, não é um recurso estilístico; é um golpe de sorte. E sobre este assunto não tenho mais nada a dizer.

terça-feira, janeiro 09, 2007

'As pessoas têm de saber que se passaram coisas estranhíssimas nos anos 70'



(The Shat interpreta «Rocket Man». Pontos altos: o stanislavskiano 'hiiiiiigh' aos 52 segundos; e o ar genuinamente confuso do segundo Shatner quando um terceiro Shatner se materializa do joelho do primeiro Shatner, dançando um boogiezinho letal com o ar mais descontraído do mundo, como se fosse o tio de um tio, nas últimas horas da pior festa de fim-de-ano das nossas vidas. Eu já vi Elton John cantar isto vestido com um candelabro de lantejoulas, um par de lunetas roxas e um chapéu não-euclideano: é preciso muito, mas mesmo muito talento para conseguir extrair mais kitsch maligno de um cigarro e de um tuxedo.)

Livro Aberto - versão hardcore

Graças ao imprescindível Return of the Reluctant, que tem vindo a exumar alguns links do Google.video com as entrevistas literárias de Charlie Rose na PBS, fui dar com este pedacinho de história audiovisual: um excerto do infame Cavett Show de 1971, com a presença de Norman Mailer, Gore Vidal e Janet Flanner, durante o qual o anfitrião Dick Cavett e Mailer se envolveram num relevante debate filosófico (começa aos 29:14):

MAILER: "I guarantee you I wouldn't hit any of the people here because they are smaller"
CAVETT: "In what ways?"
MAILER: "Intelectually. Intellectually smaller."
CAVETT: "Perhaps you'd like two more chairs to contain your intelect."
MAILER: "I'll take the two chairs if you'll all accept fingerbowls."
CAVETT: "What?"
MAILER: "Fingerbowls."
CAVETT: "What does that mean? I don't understand. I wanna know and then I will respond accordingly. Fingerbowls. . . To do what in?"
MAILER: "Think about it."
CAVETT: "Fingerbowls, fingerbowls. Things you dip your fingers on after you've gotten them filthy from eating. Am I on the right track, am I warm?"
MAILER: "Why don't you look at your question sheet and ask your question?"
CAVETT: "Why don't you fold it five-ways and put it where the moon don't shine?"

(Para os interessados, há mais entrevistas de Charlie Rose: Martin Amis e Gore Vidal, Ian McEwan, sobre Atonement, duas (esta, de 1998 e esta, de 2003) com o sempre afável e interessante avô Updike, e uma com o talentoso bandana-man David Foster Wallace.)

segunda-feira, janeiro 08, 2007

2006 - discos esquecidos (2)




O magnífico Springtime Can Kill You de Jolie Holland, a quem cheguei depois de ler os elogios descontrolados que Nick Cave e Tom Waits lhe teceram.
É a melhor voz feminina actual (que me desculpem os fãs de Cat Power, Joanna Newsom e Chris Martin) e conseguiu extrair algo de novo da recentemente sobre-explorada tradição folk americana.
«Stubborn Beast» é a faixa 6 - e a melhor canção do álbum.

2006 - discos esquecidos (1)



Roots & Crowns dos Califone, uma das melhores coisas do ano que passou, e que eu, miseravelmente, me esqueci de mencionar. Em baixo, pode-se ouvir a peça central do álbum, «The Orchids», versão de um original dos Psychic TV.
“Before we started to work on the new the record, I was listening to ‘Orchids’ by Psychic TV on repeat,” says Rutili. “This song made me want to start writing songs again.” (...) The line from the song, ‘In the morning after the night/ I fall in love with the light,’ became a theme for the new album.

domingo, janeiro 07, 2007

Google boo!

Depois de um confrangedor exercício de vaidade, fiquei a saber que:

- em Dezembro de 2005, dei uma palestra no Centro de Tecnologia da Solda do Rio de Janeiro sobre "Apuração de Custos no Processo de Soldagem";

- em 2003, numa partida entre o Atlântico e o AA Farroupilha a contar para o Campeonato Municipal de Futebol de Campo da Prefeitura de Passo Fundo, marquei um dos golos da vitória;

- sou membro do Fórum Nacional.

Fim-de-semana: glossário

palpite: s. m. [fig] pressentimento; suposição.

changueiro: s. m. [Bras.] o cavalo que não sabe correr bem.

fracasso: s. m. ruído de coisa que se quebra.

...always drawn to the random lever...


« . . .When one of Skinner's rats pressed a lever, it was given a food pellet. By experiment Skinner then established that if a pellet was delivered only on the 10th press of the lever, the rat would quickly learn to press the lever 10 times. If, however, a random element was introduced to the lever-pressing, whereby a pellet was still introduced on average one in 10 times, but sometimes delivered twice or three times in a row and sometimes not for 20 or more presses, the rat apparently became obsessed with the lever-operation itself.
The rats on a fixed one-in-10 schedule only pressed their levers when they were hungry, confident that the food would arrive when they needed it; the rest of the time they got on with their rat lives. The rats on the variable schedule, by contrast, stood almost constantly by the lever, pressing furiously, mesmerised by the uncertainty of delivery, apparently hoping to work out the system, or hit the three-in-a-row pellet jackpot.
Further, when faced with a choice of levers - between one which delivered food predictably, and one which did so randomly, sometimes all at once, sometimes not at all - the rats were nearly always drawn to the random lever, seduced by the risk. Rats, Skinner suggested, were gamblers at heart. »


- The Observer

sexta-feira, janeiro 05, 2007

The noted troublemaker Al-Mar-Fuad


«One day the noted Uyghur troublemaker Al-Mar-Fuad showed up in English hunting tweeds and a deerstalker cap turned sidewise, with a sort of ultimatum in which one might just detect that difficulty with the prevocalic 'r' typical of the British upper class. "Gweetings, gentlemen, on this Glowious Twelfth!"»

(Thomas Pynchon, Against the Day)

...the angel, if not of death at least of deep shit...


« . . .Life in Göttingen appeared to proceed on its blade-twinkling way, wheelfolks on brandnew bikes crashing into each other or careering out of control and scattering pedestrians, beer-drinkers quarreling and bowing, preoccupied Zetamaniacs forever on the verge of walking off the edge of the Promenade being rescued by companions, a town he had never loved all at once become a place, now he was obliged, it seemed, to live it, whose most quotidian detail shone with a clarity almost painful, already a place of exile's memory and not returning, and here just to make that official was the angel, if not of death at least of deep shit, and nobody else seemed to notice. . . »

(Thomas Pynchon, Against the Day)

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Esta noite ouve-se


Louie the Cunt, he lives in a dream
he drives around Versailles in his limousine
Louie the Cunt, he's feeling so bluesy
he can't even relax in his diamond jacuzzi
Oh oh oh your ma-jes-ty
spreading hi-po-cri-sy (4x)

Louie the Cunt, in his platform shoes
tries to ease the pain of his crown & throne blues
Yeah, Louie the Cunt, France is his toy
he's behaving just like an impotent playboy
Oh oh oh your ma-jes-ty
spreading hi-po-cri-sy (4x)

(organ solo)

Yeah Louie, your days are number-ed
'Cause you don't give your people bread
They've been starved by your mon-ar-chy.
Yeah Louie, soon you'll be dead,
and Marianne will then be fed
the tasty baguette of de-mo-cra-cy

The Church crumbles
The Monarchy slips
You descend from the Sun, but you're just an eclipse
Yeah, you're just an eclipse
You're History's eclipse

- The Happy Guillotineros, «Louie the Cunt», Progress and Pictures of Shit

(Nota 1: Mesmo tendo em conta o desenfreio simbiótico do final dos anos 70, os Happy Guillotineros eram uma raridade: o primeiro e (creio, espero, rezo) o último grupo a tentar compatibilizar as heranças antagónicas do punk e do prog rock. Dada esta atroz condicionante, não é de estranhar que a banda tenha implodido ao fim de 18 meses, apesar de o mentor do projecto ter continuado a usar o nome nas suas raras presenças em palco até meados dos anos 80. Jazmo Fingerer, confesso e fanático admirador de Syd Barrett e Captain Beefheart é uma daquelas figuras, pródigas na história da música popular, cuja imaginação excede desmesuradamente o talento; a sua visão - feita de austeridades rítmicas, preocupações sociais, e uso abnegado e borderline psicótico do velho mellotron - continha as sementes de uma lucidez polifónica que nem os colegas de banda, nem os produtores, nem provavelmente a sua mãezinha foram capazes de discernir.
O único álbum dos Guillotineros - Progress and Pictures of Shit - começou como uma ópera-punk conceptual sobre a Revolução Francesa, mas as primeiras sessões de estúdio foram tão frustrantes que a banda decidiu descartar grande parte do material, substituir o produtor e recomeçar do zero. Permanecem alguns vestígios desse projecto inicial - em faixas como «Journée des Fucking Tuiles» e «Blood is the Life», com o glorioso refrão: 'O Marie Antoinette/ I see, I see the future/ It does not include your tête'.
«Louie the Cunt», ostensivamente sobre o Rei Luís XVI, divide duas secções que são puro punk-três-acordes com um solo de órgão que se prolonga durante quatro minutos e dezassete segundos. É uma peça intemporal, da qual Joe Strummer e Robert Fripp se poderiam envergonhar em conjunto. Pontuando a demência, a voz de Fingerer: um sibilar grotesco mas preciso, escandindo competentemente aqueles versos inqualificáveis como se estivesse no palco do Globe Theatre.
Jazmo Fingerer morreu em 1993, ao tentar voar, por nenhum motivo aparente, da janela de um quinto andar. A Lei da Gravidade, apesar de intimidada, manteve a promessa newtoniana, negando-lhe o acesso às alturas que o seu génio sem pinga de talento indiscutivelmente merecia.
Nota 2: Philip Larkin, cujo surpreendente gosto musical promete ser um manancial inesgotável para futuros biógrafos, era um grande fã dos Happy Guillotineros. E consta que não perdia um concerto.)

quarta-feira, janeiro 03, 2007

still ned sum pide?

Recebi hoje a seguinte mensagem de texto, de um número que não reconheci: «awright Daz wazupp! foookin gr8 i c its all round the toilets tough and still ned sum pide. soz if i dont make ti. catch yez 2moz».
Ao contrário do que possa parecer aos mais apressados ou sensatos, a tarefa de a decifrar não requer os dotes desencriptadores de um Legrande. Basta alguma paciência, e uma vidinha muito aborrecida.
Tradução especulativa:
«Tudo bem Darren, como vais? A solução por ti recomendada, apesar de ter atenuado o problema doméstico que me aflige, revelou-se incapaz de o resolver por completo. É, por esse motivo, altamente improvável que consiga manter o compromisso que contigo assumi para hoje. Sugiro um adiamento para o dia seguinte.»

A resolução de ano novo mais esquisita até agora

«Quando Gregor Samsa despertou certa manhã de um sonho intranquilo, viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de insecto

terça-feira, janeiro 02, 2007

A Radically Condensed History of Postindustrial Life

When they were introduced, he made a witticism, hoping to be liked. She laughed very hard, hoping to be liked. Then each drove home alone, staring straight ahead, with the very same twist to their faces.The man who’d introduced them didn’t much like either of them, though he acted as if he did, anxious as he was to preserve good relations at all times. One never knew, after all, now did one.

(David Foster Wallace, Brief Interviews with Hideous Men)

Snipered


O Luís M. Jorge decidiu pôr um fim ao seu blogue. Tenho pena; aterrei lá um dia por engano (uma citação de Conrad... enfim, é uma longa história), mas fui regressando, obedecendo ao mesmo instinto que me leva a regressar frequentemente a um certo pub em Sutton Coldfield, o Beggars Bush Inn, estabelecimento onde é raro haver uma semana sem pancadaria, mas que serve o melhor petisco das Midlands (um 10oz Gammon Steak com uma rodela de ananás, ervilhas e batatas fritas).
O anagrama com que o linkei - Confraria do Rato, umas boas semanas antes do ratogate - foi o meu momento mais nostradâmico do ano. Espero que o regresso não tarde, e que a nova casa tenha uma tabuleta com muitas letrinhas misturáveis.

(Na imagem: o actor Barry Pepper, em Saving Private Ryan)

Profecia para 2007

BORING PROPHET: There shall, in that time, be rumours of things going astray, er, and there shall be a great confusion as to where things really are, and nobody will really know where lieth those little things, with the sort of raffia work base that has an attachment. At this time, a friend shall lose his friend's hammer and the young shall not know where lieth the things possessed by their fathers that their fathers put there only just the night before, about eight o'clock.

- Monty Python, The Life of Brian (1979)