sábado, abril 26, 2008

O meu amigo tem este problema

Queria aqui apresentar, nos termos mais inequívocos, o meu protesto contra a rapidez com que os cafés e restaurantes deste país estão a aderir às luzes com detector de movimento para apetrecharem as suas casas-de-banho. O propósito, segundo me explicaram, é poupar energia, intenção contra a qual nada me move. Mas eu tenho, por acaso, um amigo que gosta de se instalar com o Record ou o Economist (ordem de preferência) no cubículo e passar lá uns confortáveis minutos de leitura. E acontece que há por aí determinados estabelecimentos em que o impulso conservacionista do detector de movimento é tão forte que não se vai lá com subtilezas: meras inclinações cranianas ou encolheres espaduares são ostensivamente ignorados. Não nego que haja óbvios benefícios económicos e ecológicos nestas rigorosas exigências motoras, mas custa-me que a dignidade do meu amigo - forçado a esbracejar como um lunático de 30 em 30 segundos para não ficar às escuras na retrete com o Record ou o Economist (ordem de preferência) - seja assim tão radicalmente relegada para segundo plano. Isto parece-me importante.
As minhas previsões para o resto da Liga dos Campeões são as seguintes: o Liverpool irá a Stamford Bridge virar a eliminatória, através de um lance tão inacreditavelmente deusexmachinista que o próprio Eurípedes abandonaria o estádio a meio, sob o pretexto de "escapar ao infernal trânsito londrino"; e Dirk Kuyt poderá tornar-se o pior jogador da história do futebol a marcar em duas finais consecutivas. A final da competição vai decorrer em Moscovo, no Estádio Luzhniki, um complexo desportivo cujas torres de iluminação não são activadas através de detectores de movimento (embora isso não me pareça a pior ideia do mundo neste momento).

segunda-feira, abril 21, 2008

Ponto-e-vírgula update

You practically do not use semicolons at all. This is a symptom of mental defectiveness, probably induced by camp life.

- George Bernard Shaw to TE Lawrence, on The Seven Pillars of Wisdom

(... deste apressadote artigo no Guardian, que vale também por esta magnífica apresentação: «As the great early 20th-century Gallic novelist, essayist, playwright and Academician Henry Marie Joseph Frédéric Expedite Millon de Montherlant so succinctly put it in his Carnets...». Não me sentia tão bem informado desde que li uma vez um artigo na Vogue sobre o célebre atleta profissional português Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro.)

quinta-feira, abril 17, 2008

Táctica para o Jamor


quarta-feira, abril 16, 2008

Brilliant sugar, turn over




(The National, «You've Done it Again, Virginia»)

A votação chegou ao redondíssimo número de cem, e a vontade do povo português parece ser que Virginia Woolf se dispa o mais rapidamente possível. Confesso a minha dificuldade em perceber os vinte e nove votos recolhidos por Edith Wharton. O comentário do Major (parabéns, também) ao post em questão acaba por ser, a alguns níveis, elucidativo: o temperamento conservador tem um longo e verificável historial de aversão ao círculo de Bloomsbury. Lembro-me de uma passagem deste livro em que Lady Thatcher se refere aos ditos como 'scabs of Englishness' ou uma coisa assim do género; e que Saul Bellow utilizou um dos seus mais conservadores protagonistas para despejar meio-litro de petróleo retórico nas cinzas da "pior espécie de elitismo intelectual", ou uma coisa assim do género.
Nada disto, evidentemente, deveria ter sido um factor decisivo. Abstendo-nos também de considerações de natureza psico-biográfica (o pormenor de Edith Wharton, com aquele ar de sopeira minhota, ter escrito livros que tresandam a sexo), há que realçar o fundamental, que é o extraordinário pescoço de Virginia Woolf: podem-se pendurar videiras naquele metro e meio de carne Modernista. Entre ela e a Nicole Kidman de prótese nasal, eu não hesitaria um segundo.

terça-feira, abril 15, 2008

Um post aprovado sem quaisquer reservas por Rufus Wainwright

A William Hill, agência de apostas que há mais de seis anos coloca semanalmente em causa as minhas possibilidades de vir a constituir família, fornece odds para quase tudo. Se quiserem apostar na temperatura máxima que vai ser registada nas ilhas britânicas, no melhor marcador do campeonato belga, no próximo vice-presidente dos Estados Unidos, ou na eventualidade de Elvis Presley vir a ser encontrado vivo num kibbutz israelita, os diligentes funcionários da William Hill terão todo o gosto em aceitar o vosso dinheiro, atitude muito do agrado de Rufus Wainwright.
É possível efectuar um cálculo probabilístico para qualquer ocorrência, até para a súbita aparição de um cliché no Los Angeles Times ao pequeno-almoço - mercado vergonhosamente sub-explorado pela William Hill. Houvesse odds para o número de obituários especulativos disfarçados de bandarrismo teórico que aparecem mensalmente em suplementos culturais, e eu já teria uma conta bancária ao nível da minha indisfarçável riqueza interior, facto que pode ser confirmado por Rufus Wainwright. Semana após semana, edifícios conceptuais inteiros são abalroados por mil e seiscentos caracteres. Assumo que a maioria dos jornais do planeta destaque um estagiário para manter estas coisas debaixo de olho: atravessamos uma era turbulenta; sopram ventos de mudança; o zeitgeist tem crises de pânico; a qualquer altura, em qualquer lugar, alguma coisa deve estar prestes a acabar e uma pessoa tem de estar atenta. A morte de Deus, o declínio do Romance, o desaparecimento do Autor, o suicídio do Jazz, o fim da História, (o fim do Fim da História), a obliteração da Verdade, a obsolescência da Masculinidade, o coma alcóolico do Ideal Olímpico, o sequestro e espancamento da Civilização Ocidental - as Letras Maiúsculas habitam uma realidade alternativa onde é sempre meia-noite no Poço do Bispo. A esperança média de vida de um conceito abstracto passou a depender directamente do coeficiente de tédio existencial de um editor. Em termos mais obtusos (devido às horas que são, ao Rufus Wainwright, e ao facto lamentável de se me terem acabado os maltesers) podemos dizer que quando x e y se cruzam, há 2/1 de probabilidades de z, sendo que z é um pastel astigmático como «The End of the Critic».
O hábito intelectual horoscopeiro de descortinar tendências com base numa vaga intuição de que as coisas não podem ficar como estão por causa de outras coisas que passam a estar como ficam não é intrinsecamente censurável. O que diverte nestes pitorescos exercícios de cosmética mortuária é a aparente e inabalável convicção de que dezenas de factores convergem por milagre sincrónico na mesma cabecinha nostradâmica, e que a pulsação cardíaca da História está a ser reproduzida num teclado da Apple, cinco minutos antes do prazo de entrega. A moribunda mas combativa verdade é que se podem passar horas e horas a esmiuçar os pesos, idades e registos competitivos de dezoito pilecas, na tentativa de erigir o mais sensato prognóstico do hemisfério Norte, mas o esplendidamente baptizado cavalinho High Five Society lá arranjará maneira de nos negar o acesso ao pequeno Estado da Micronésia que nos pertence por direito.
Creio, apesar de tudo, que esta é uma fórmula de enchimento de chouriços em vias de extinção, e que caminhamos a passos largos para o Fim do Artigo Sobre o Fim De, posição com a qual o Rufus Wainwright concordaria enfaticamente se aqui estivesse.

São Pedro Ramos

Ávido coleccionador que sou de motivos sólidos (por oposição a motivos puramente instintivos) para detestar o eminentemente espancável Rufus Wainwright, não posso deixar de chamar a vossa atenção para este admirável chibanço, pelo qual, de resto, me sinto parcialmente responsável (fui, não fui?)
A atitude do Pedro Ramos, contudo, não me merece os mesmos aplausos. Qualquer troca verbal semelhante àquela que não termine com um silêncio de trinta segundos seguido de um «you.... lying.... fraudulent.... little..... shit» não pode ser encarada como outra coisa que não uma oportunidade perdida.
Entretanto, enfim/o Rufus acena, e diz que sim:

sexta-feira, abril 11, 2008

Ulysses

«Experts estimate that, by 10 p.m. Tuesday night, Blume had survived exposure to approximately 1,700 advertising images of epic banality, at least 35 emotionless interactions with complete strangers without making any real human contact, and more than 25,000 moments of soul-crushing inner emptiness throughout the almost day-long struggle. In addition, he also surmounted the onslaught of more than 150 separate anxiety-producing forces, including credit card debt, weight gain, hair loss, sexual inferiority, loneliness, a dead-end job, geographical isolation from extended family, virus-laden spam, the need to keep his cell phone charged, in-store Muzak, mortality, mounting laundry and dishes, his cable bill, indefinable longing, fear of terrorism, online gossip, the unavoidable certainty of his own unimportance, nostalgia for a past that never was, severe lower-back pain, and general ennui.»

Ofereço...

... um quilo de laranjas ("são ácidas") do meu quintal ("precisa de ser limpo") a quem me enviar uma imagem do rosto do Pereirinha ("porquê?") no lance do segundo ("barbitúricos") golo do Rangers ("quero ouvir Amália") - concretamente uma imagem do rosto do Pereirinha ("mas porquê?") no momento em que o rosto do Pereirinha ("quero ouvir Delta blues") se condensa num pequeno cristalzinho de sportinguismo ("estive quase para nascer no Porto"), e o mesmo rosto do mesmo Pereirinha ("coitado, coitados") desata a gritar com as pernas incredulamente ultrapassantes do adversário ("isto já será em câmara lenta?"), como mostrado na segunda repetição ("vou vê-las todas, muitas vezes") do golo ("porquê? porquê?") em câmara lenta ("agora sim, vejo claramente").

Obrigado ("isto custa tanto").

quarta-feira, abril 09, 2008

Alguém, por amor de Deus, explique ao Pedro Arroja a diferença entre "paid" e "paid for"





Acabo de ler um artigo da Economic Botany em que os autores, e passo a citar, «searched the complete works of Cervantes, as historical ethnobotanical resources, for all references to plants, plant communities and products. (...) 167 species were registered in the 38 works, 110 cited in Don Quijote» pelo que me compreenderão se não estiver agora com cabeça para explicar os vários motivos pelos quais mais uma presença do Liverpool nas meias-finais da Liga dos Campeões é um pesadelo metafísico que ameaça o próprio tecido da realidade. E acho muito injusto estarem a pensar que esta aparente azia se deve exclusivamente ao dinheiro que apostei numa vitória do Arsenal, até porque o golo de Sami Hyypiä me rendeu 65 libras (£5 @ 12-1, 'anytime scorer', William Hill). Se me dedicasse a pesquisar as obras completas de Rafael Benítez à procura de 'plants', 'plant communities' ou mesmo 'cynical, neurasthenic, vegetable-like midfielders', encontraria muito mais do que cento e sessenta e sete espécies. Vi futebol no Reino Unido durante sete anos. O melhor futebol que lá se jogou foi invariavelmente jogado pelo Arsenal (mesmo na fase pós-Bergkamp), mas, em uma ou outra altura, dei comigo a disseminar a minha simpatia continental por quase todos os clubes federados, incluindo uma paixoneta de 3 meses pelo Redditch United da Conference League, cujo melhor jogador - um extremo-direito que acumulava funções de repositor de stock na loja da Staples - tentou um total de três fintas nos cinco jogos a que assisti, duas delas com relativo sucesso. Mas nunca - nunca - consegui sentir um borrifo de qualquer sentimento positivo pelo Liverpool, por motivos complexos que explicaria se não tivesse acabado de ler um artigo da Economic Botany.
A votação tem estado a decorrer ordeiramente (com Virginia Woolf, para já, em clara e governantíssima vantagem). Conto encerrar as urnas assim que o número de votos exceder o número de espécies de 'plants' ou 'plant communities' referenciadas no Antigo Testamento, segundo o estudo efectuado em 2002 por Moldenke e Moldenke, conhecidos como os Dupond et Dupont da etnobotânica. Aquela cantiga chama-se «Brand New Song» e é de um rancho escocês chamado The Pendulums.
Termino com alguns exemplos de frases sobre Rafael Benítez inexplicavelmente não devolvidas pelo google:

«Ouvi dizer que o Rafael Benítez não respeita o meio-ambiente»; «Ouvi dizer que o Rafael Benítez tem um mamilo supranumerário»; «Ouvi dizer que o Rafael Benítez é um niilista Bakuniniano»; «Ouvi dizer que o Rafael Benítez faz mal a gatinhos»; «Ouvi dizer que o Rafael Benítez é um anagrama de Rabanete Feliz»; «"Ouvi dizer que o Rafael Benítez está a destruír a Civilização tal como a conhecemos"».

segunda-feira, abril 07, 2008

Virginia ou Edith?



Dada a oportunidade, com qual das duas?
Virginia Woolf
Edith Wharton
pollcode.com free polls


Sondagem parcialmente inspirada por este este post do Pedro Mexia, e por uma peremptória declaração de Sir Isaiah Berlin nesta entrevista (a pornografia começa ao minuto 1:30), que passo a transcrever foneticamente, e de olhos bem fechados: «(...) Juan uhv a mowst biootiful weemin I have a sin in my life. She'd lie to bloo I's, and, um, round n'wondering like a gypsy's. She'd un ex-kwisit figure. She cud be sed to luke lie can kind uhv idealised govern ass. I mean dat too wards witch govern asses my twish two ass pire.»
Depois da respectiva votação, tratarei de revelar a minha opinião sobre esta matéria fundamental para os adolescentes de hoje.

domingo, abril 06, 2008

Not the worst, not the best, just the same old shit


É o maior acontecimento do calendário equestre: todos os anos, em Abril, eu dou 25 libras a um cavalo gordo e o cavalo gordo come-as. A Grand National veio e foi, alheia à minha não-presença. Slim Pickings, a pileca irlandesa por quem nutro uma inexplicável admiração desde 2005, voltou a fazer o que faz todos os anos: estabelecido pelas agências de apostas como o quarto favorito, tratou de terminar a prova na quarta posição. Se o mercado de capitais funcionasse com a mesma entediante consistência, seríamos todos bilionários, e um café custaria dois milhões de euros.
O leitor pode admirar Slim Pickings na imagem acima: é aquele plácido borrão cognitivo no lado direito.

terça-feira, abril 01, 2008

"I must say there are some absolutely delightful motels where I've been very happy"









Ao minuto 2:11 do primeiro clip, Nabokov decide esticar as pernas e sentar-se num sofá no outro lado da sala; Trilling segue-o, obrigando o apresentador do programa a arrastar a cadeira para os acompanhar. Como represália, o apresentador pega na chávena de chá de Trilling e besunta-lhe o rebordo. Ao longo de toda a entrevista, Nabokov recorre escandalosamente às cábulas - as que tem nos cadernos, as que tem na cabeça - e Trilling deixa um cigarro arder até ao último milímetro de alcatrão. Discute-se Lolita.
Não sei o que é isto, mas quero que a minha televisão faça o mesmo.

On the rebound

Comentário de um leitor a este artigo no The Guardian:

«Famous sign outside a church in Northern Ireland in the 1970's
Jesus Saves
George Best scores on the rebound»