Chegou ao fim o Mundial em que a única equipa sem derrotas foi a Nova Zelândia, em que a grande figura individual foi um molusco, e em que a Espanha, depois de derrotar os índios, os Nazis e a Frota Imperial, conseguiu aparentemente redimir a Humanidade, salvar as baleias, e tornar o planeta mais seguro para a democracia.
O triunfo dos campeões menos entusiasmantes desde o Brasil de 1994 tem sido quase consensualmente aplaudido, perante a minha boquiaberta conta bancária, como "um triunfo do futebol bonito", o que indica que eu devo ter perdido reuniões importantíssimas, onde se andaram a redefinir conceitos à traição.
A vitória da Espanha é merecida, o que só por si não quer dizer nada, uma vez que o futebol funciona ainda melhor do que o mercado. Não me ocorre uma única competição internacional no meu tempo de vida em que a vitória final não tenha sido merecida; até nas raras ocasiões em que a "melhor" (aspas relativistas) equipa não ganhou, como no Mundial de 1998 (Holanda) e no Euro 2004 (provavelmente a Rep. Checa), a circularidade tacitamente embutida na definição de "vitória merecida" fez com que quem ganhasse merecesse fazê-lo. Na África do Sul, nem sequer houve esse espaço para a manobra retórica: a Espanha era a melhor equipa, e ganhou. Está tudo certo, não é mais nem menos do que isto. Não havia necessidade nenhuma de perturbarem a minha conturbada recuperação emocional depois de ter sido brutalmente espoliado de três mil euros, dando uma rodagem incompreensível à narrativa do "futebol bonito, ah que futebol bonito, é um futebol muito positivo, o tiki-taka, a posse de bola, é assim que deve ser, o tiki-taka, é tudo tão bonito, vejam o número de passes, etc."
Para esclarecer o conceito de vitória merecida: a Espanha venceu justamente porque um Mundial é como uma eleição para a presidência - pretende-se apenas que ganhe o melhor dos participantes. Não é necessário fingir que a opção utilitária está a cumprir um ideal qualquer, basta afastar o Manuel Alegre dos sítios. Nesse sentido, a selecção espanhola foi um justo e digno professor Aníbal Cavaco Silva; estar a promovê-la a Péricles ou Bismarck é capaz de ser um bocadinho excessivo. Não assistimos a um triunfo do futebol espectáculo, apenas a um triunfo do melhor conjunto de jogadores, o que, já agora, é sempre de aplaudir, em particular se os jogadores são tão absurdamente bons como estes (e boas pessoas, ainda por cima, tirando o Busquets, que está duas léguas éticas abaixo do Felipe Melo e do Van Bommel).
Os argumentos utilizados para se tentar extrair desta vitória um significado moral que ela não merece foram competentemente sintetizados neste útil post do Lourenço, do qual ele já está certamente muito arrependido, e do qual tenciono transcrever as passagens mais ofensivas sempre que seja apropriado. Comecemos pela frase que mais vontade me deu de ir destruir um prédio bonito: «obviamente, acho que seria um grande serviço ao desporto a Espanha ser campeã do mundo: provaria que se pode ganhar coisas a jogar bonito, algo extremamente necessário depois daquilo que se passou com o Inter este ano».
Elogiar o futebol praticado pela Espanha ao longo da competição como uma epítome do "jogo bonito" parece-me um caso clássico de confusão crítica (aliteração totalmente planeada): tendo-se detectado a inequívoca existência de talento, todos os frutos produzidos por esse talento são automaticamente classificados como positivos, como se não houvesse um livro chato na carreira de cada Philip Roth, ou como se eu próprio – eu próprio! - nunca tivesse escrito um mau post. Confrontado com a excelência técnica dos jogadores espanhóis (em que um dos defesas-centrais é melhor no passe, na recepção e no drible do que qualquer médio inglês, por exemplo), o espectador que se aborrece suspeita-se imediatamente de estar a caír no filistinismo, ou no iconoclasmo fácil.
O equívoco de base parece-me fácil de identificar. Se reduzirmos o jogo às suas três dimensões básicas - técnica, táctica e física - não é especialmente condenável promover o aspecto técnico em detrimento dos outros dois como o mais importante para o conceito de futebol bem jogado, porque é a capacidade técnica que permite o lance de ruptura, ou a variação inesperada - todos os elementos associados à criatividade, que permite quebrar a deriva mecanicista que o rigor táctico e a capacidade atlética tendem a impor.
O problema com a Espanha é o de ter utilizado - e isto é sem dúvida uma inovação - a capacidade técnica para impor no jogo o mesmo tipo de restrições que no passado e no presente das outras equipas eram impostas pela táctica ou pelo físico.
Num perfil recente de Federer na New Yorker, ele diz o seguinte sobre o jogo de Nadal: «I admire Rafa for that (...) The mental toughness of playing each point the same is amazing, but I could never play that way. I need change, I need a different point every time».
Vamos ignorar os diversos tipos de nojo que a segunda metade deste subtil raciocínio defensivo carlosqueiroziano provoca e concentrar-nos no essencial. A mais visível qualidade exibida pelo futebol espanhol no Mundial foi esta: a mental toughness de jogar cada jogada como se fosse a mesma. Mas o espectador precisa de mais, precisa de variação, precisa não exactamente de uma jogada diferente de cada vez, mas pelo menos de vez em quando. O que o kaku-tani faz é formatar e homogeneizar o jogo, transformando cada jogada numa repetição, razão pela qual a virtude que começa a ser mais elogiada no jogo Espanhol seja não a criatividade, mas a paciência. E a paciência, aplicada com consistência psicótica, é uma virtude que impressiona, mas não entusiasma.
Daí que esta declaração do Lourenço seja tão esfalfadamente equivocada: «o problema da aparente falta de eficácia daquela circulação de bola nasce da atitude de qualquer adversário (Portugal, Paraguai, Alemanha) que dá por dado adquirido a sua inferioridade e se limita a aguardar por um erro espanhol».
Passando por cima (muito por cima, atente-se) da sugestão que o problema da falta de eficácia é a "atitude" dos adversários (talvez ajudasse se eles se demonstrassem mais fair play fazendo um churrasquinho na linha lateral enquanto a Espanha jogava bonito), temos aqui um erro crucial de interpretação. Porque o cálculo racional por detrás da entediante circulação de bola da Espanha é precisamente esse: aguardar um erro do adversário. Isto foi assumido sem problemas por Xavi, e antes por Guardiola. A Espanha não procura controlar o adversário; procura anestesiá-lo. E é inevitável que anestesie parte da plateia também.
Conseguiram a proeza de levar ao extremo da eficiência um determinado processo técnico (tricotado de passes, lento e sem grande progressão), de caminho forçando uma exibição de destreza puramente técnica a produzir na percepção do espectador o mesmo efeito de uma exibição de destreza puramente táctica. E a posse de bola acaba por ter um intrigante efeito colateral: ao resguardarem-se fisicamente, os jogadores espanhóis conseguiram ser os melhores do torneio a fazer pressão alta, pois só precisavam de a exercer seis ou sete vezes por jogo, e estavam todos fresquinhos. A Espanha instrumentalizou uma dos mais impressionantes arsenais de técnica indididual de que há memória para jogar essencialmente um jogo defensivo e de baixo risco.
A ideia de que o futebol da Espanha “representa tudo o que o futebol deveria ser” também caiu por terra (com genuína pena minha) e confunde-me, inclusivamente intriga-me, adicionalmente vexa-me, que se defenda o contrário. O tutan-khamon pareceu, de facto, qualquer coisa como o futuro risonho do futebol, no curto espaço de tempo entre o Euro 2008 e a eliminatória do Barcelona com o Inter, mas agora que foi definitivamente baptizado, entronizado como movimento avant-garde, defendido por uma teoria estética, e sujeito a evangelização por apóstolos e críticos de Arte, assistimos a uma falência parcial do mesmo. O teste definitivo é este: se um conjunto de jogadores de qualidade possivelmente irrepetível, como Xavi, Iniesta e aqueles outros que lá andam, não conseguiram transformar o kiri-te-kanawa em nada mais do que um veículo para ganhar bem, mas chato, o modelo é insustentável como paradigma do futebol bonito. A falência é apenas parcial como mecanismo para ganhar jogos: sete dos oito golos da Espanha e para aí uns 90% das suas ocasiões de golo surgiram não de jogadas de envolvimento, mas sim de lances de bola parada, jogadas individuais de Villa ou Iniesta (sempre que desrespeitavam o metrónomo sedativo do resto da equipa), erros de arbitragem, e contra-ataques competentes - embora se possa argumentar que só a fadiga induzida pelo kon-tiki permitiu essa procissão de acidentes. O Lourenço fala, assumo que sem ironia, de uma “sensação de inevitabilidade” que se começa a instalar: “mais cedo ou mais tarde o golo vai aparecer”. Inevitabilidade foi algo que não senti em nenhum momento no percurso da Espanha, que, como o percurso de qualquer equipa vencedora numa competição a eliminar, foi sendo balizado por contingências favoráveis sucessivas (em número de seis, e não de sete, recordemos). O jogo com a Suiça não pode ser retroactivamente classificado como “um acidente”, porque, se é verdade que a Espanha podia perfeitamente ter ganho esse jogo por 1-0 (bastava ter marcado primeiro), também é verdade que podia ter perdido cada um dos jogos subsequentes por 1-0 (bastava ter sofrido um golo primeiro).
Como entretenimento, no entanto, a falência é total. O objectivo da circulação de bola da Espanha não é entreter o Lourenço nem a minha pessoa. E não o faz. O Lourenço, aliás, só pode estar muito cansado para achar aquilo “futebol bonito”; por amor de Deus Nosso Senhor, o futebol praticado pelo Benfica na época felizmente passada esteve muito mais perto do que é “futebol bonito” do que o muzak de auteur da Espanha. Xavi, uma das pessoas mais pragmáticas e honestas da civilização ocidental, teve a dignidade de sugerir que o futebol da Espanha pode ser aborrecido para o público neutral. Tem toda a razão. Tal como o Brasil de 1994, a selecção de que está espiritualmente mais próxima (o recorde de passes que o Xavi bateu pertencia ao Dunga), a Espanha teve o grupo de jogadores mais tecnicamente dotados do torneio, praticou um futebol personalizado que consiste em reter a bola até toda a gente estar devidamente narcotizada, e contou com um avançado no pico da sua forma terrestre - acrescentando a tudo isto o Iniesta no lugar do Raí. E ganhou, com toda a justiça, e sem necessidade de os erguermos agora a um panteão feito de andaimes.
O que a Espanha fez, utilizando processos diametralmente opostos, é exactamente o que o Inter de Mourinho fez nas eliminatórias com o Barcelona: levar um conjunto reduzido de qualidades específicas ao extremo da eficácia, para eliminar o máximo de variáveis e transformar cada situação de jogo na ocorrência mais segura possível. O que uns fizeram com bola, outros fizeram sem ela, mas o único espectáculo que interessava a ambos era a cerimónia de entrega do troféu.
Não há problema nenhum com o culto da eficiência; só acho extremamente ofensivo para a minha presente situação económica que se tente romantizá-lo.
O triunfo dos campeões menos entusiasmantes desde o Brasil de 1994 tem sido quase consensualmente aplaudido, perante a minha boquiaberta conta bancária, como "um triunfo do futebol bonito", o que indica que eu devo ter perdido reuniões importantíssimas, onde se andaram a redefinir conceitos à traição.
A vitória da Espanha é merecida, o que só por si não quer dizer nada, uma vez que o futebol funciona ainda melhor do que o mercado. Não me ocorre uma única competição internacional no meu tempo de vida em que a vitória final não tenha sido merecida; até nas raras ocasiões em que a "melhor" (aspas relativistas) equipa não ganhou, como no Mundial de 1998 (Holanda) e no Euro 2004 (provavelmente a Rep. Checa), a circularidade tacitamente embutida na definição de "vitória merecida" fez com que quem ganhasse merecesse fazê-lo. Na África do Sul, nem sequer houve esse espaço para a manobra retórica: a Espanha era a melhor equipa, e ganhou. Está tudo certo, não é mais nem menos do que isto. Não havia necessidade nenhuma de perturbarem a minha conturbada recuperação emocional depois de ter sido brutalmente espoliado de três mil euros, dando uma rodagem incompreensível à narrativa do "futebol bonito, ah que futebol bonito, é um futebol muito positivo, o tiki-taka, a posse de bola, é assim que deve ser, o tiki-taka, é tudo tão bonito, vejam o número de passes, etc."
Para esclarecer o conceito de vitória merecida: a Espanha venceu justamente porque um Mundial é como uma eleição para a presidência - pretende-se apenas que ganhe o melhor dos participantes. Não é necessário fingir que a opção utilitária está a cumprir um ideal qualquer, basta afastar o Manuel Alegre dos sítios. Nesse sentido, a selecção espanhola foi um justo e digno professor Aníbal Cavaco Silva; estar a promovê-la a Péricles ou Bismarck é capaz de ser um bocadinho excessivo. Não assistimos a um triunfo do futebol espectáculo, apenas a um triunfo do melhor conjunto de jogadores, o que, já agora, é sempre de aplaudir, em particular se os jogadores são tão absurdamente bons como estes (e boas pessoas, ainda por cima, tirando o Busquets, que está duas léguas éticas abaixo do Felipe Melo e do Van Bommel).
Os argumentos utilizados para se tentar extrair desta vitória um significado moral que ela não merece foram competentemente sintetizados neste útil post do Lourenço, do qual ele já está certamente muito arrependido, e do qual tenciono transcrever as passagens mais ofensivas sempre que seja apropriado. Comecemos pela frase que mais vontade me deu de ir destruir um prédio bonito: «obviamente, acho que seria um grande serviço ao desporto a Espanha ser campeã do mundo: provaria que se pode ganhar coisas a jogar bonito, algo extremamente necessário depois daquilo que se passou com o Inter este ano».
Elogiar o futebol praticado pela Espanha ao longo da competição como uma epítome do "jogo bonito" parece-me um caso clássico de confusão crítica (aliteração totalmente planeada): tendo-se detectado a inequívoca existência de talento, todos os frutos produzidos por esse talento são automaticamente classificados como positivos, como se não houvesse um livro chato na carreira de cada Philip Roth, ou como se eu próprio – eu próprio! - nunca tivesse escrito um mau post. Confrontado com a excelência técnica dos jogadores espanhóis (em que um dos defesas-centrais é melhor no passe, na recepção e no drible do que qualquer médio inglês, por exemplo), o espectador que se aborrece suspeita-se imediatamente de estar a caír no filistinismo, ou no iconoclasmo fácil.
O equívoco de base parece-me fácil de identificar. Se reduzirmos o jogo às suas três dimensões básicas - técnica, táctica e física - não é especialmente condenável promover o aspecto técnico em detrimento dos outros dois como o mais importante para o conceito de futebol bem jogado, porque é a capacidade técnica que permite o lance de ruptura, ou a variação inesperada - todos os elementos associados à criatividade, que permite quebrar a deriva mecanicista que o rigor táctico e a capacidade atlética tendem a impor.
O problema com a Espanha é o de ter utilizado - e isto é sem dúvida uma inovação - a capacidade técnica para impor no jogo o mesmo tipo de restrições que no passado e no presente das outras equipas eram impostas pela táctica ou pelo físico.
Num perfil recente de Federer na New Yorker, ele diz o seguinte sobre o jogo de Nadal: «I admire Rafa for that (...) The mental toughness of playing each point the same is amazing, but I could never play that way. I need change, I need a different point every time».
Vamos ignorar os diversos tipos de nojo que a segunda metade deste subtil raciocínio defensivo carlosqueiroziano provoca e concentrar-nos no essencial. A mais visível qualidade exibida pelo futebol espanhol no Mundial foi esta: a mental toughness de jogar cada jogada como se fosse a mesma. Mas o espectador precisa de mais, precisa de variação, precisa não exactamente de uma jogada diferente de cada vez, mas pelo menos de vez em quando. O que o kaku-tani faz é formatar e homogeneizar o jogo, transformando cada jogada numa repetição, razão pela qual a virtude que começa a ser mais elogiada no jogo Espanhol seja não a criatividade, mas a paciência. E a paciência, aplicada com consistência psicótica, é uma virtude que impressiona, mas não entusiasma.
Daí que esta declaração do Lourenço seja tão esfalfadamente equivocada: «o problema da aparente falta de eficácia daquela circulação de bola nasce da atitude de qualquer adversário (Portugal, Paraguai, Alemanha) que dá por dado adquirido a sua inferioridade e se limita a aguardar por um erro espanhol».
Passando por cima (muito por cima, atente-se) da sugestão que o problema da falta de eficácia é a "atitude" dos adversários (talvez ajudasse se eles se demonstrassem mais fair play fazendo um churrasquinho na linha lateral enquanto a Espanha jogava bonito), temos aqui um erro crucial de interpretação. Porque o cálculo racional por detrás da entediante circulação de bola da Espanha é precisamente esse: aguardar um erro do adversário. Isto foi assumido sem problemas por Xavi, e antes por Guardiola. A Espanha não procura controlar o adversário; procura anestesiá-lo. E é inevitável que anestesie parte da plateia também.
Conseguiram a proeza de levar ao extremo da eficiência um determinado processo técnico (tricotado de passes, lento e sem grande progressão), de caminho forçando uma exibição de destreza puramente técnica a produzir na percepção do espectador o mesmo efeito de uma exibição de destreza puramente táctica. E a posse de bola acaba por ter um intrigante efeito colateral: ao resguardarem-se fisicamente, os jogadores espanhóis conseguiram ser os melhores do torneio a fazer pressão alta, pois só precisavam de a exercer seis ou sete vezes por jogo, e estavam todos fresquinhos. A Espanha instrumentalizou uma dos mais impressionantes arsenais de técnica indididual de que há memória para jogar essencialmente um jogo defensivo e de baixo risco.
A ideia de que o futebol da Espanha “representa tudo o que o futebol deveria ser” também caiu por terra (com genuína pena minha) e confunde-me, inclusivamente intriga-me, adicionalmente vexa-me, que se defenda o contrário. O tutan-khamon pareceu, de facto, qualquer coisa como o futuro risonho do futebol, no curto espaço de tempo entre o Euro 2008 e a eliminatória do Barcelona com o Inter, mas agora que foi definitivamente baptizado, entronizado como movimento avant-garde, defendido por uma teoria estética, e sujeito a evangelização por apóstolos e críticos de Arte, assistimos a uma falência parcial do mesmo. O teste definitivo é este: se um conjunto de jogadores de qualidade possivelmente irrepetível, como Xavi, Iniesta e aqueles outros que lá andam, não conseguiram transformar o kiri-te-kanawa em nada mais do que um veículo para ganhar bem, mas chato, o modelo é insustentável como paradigma do futebol bonito. A falência é apenas parcial como mecanismo para ganhar jogos: sete dos oito golos da Espanha e para aí uns 90% das suas ocasiões de golo surgiram não de jogadas de envolvimento, mas sim de lances de bola parada, jogadas individuais de Villa ou Iniesta (sempre que desrespeitavam o metrónomo sedativo do resto da equipa), erros de arbitragem, e contra-ataques competentes - embora se possa argumentar que só a fadiga induzida pelo kon-tiki permitiu essa procissão de acidentes. O Lourenço fala, assumo que sem ironia, de uma “sensação de inevitabilidade” que se começa a instalar: “mais cedo ou mais tarde o golo vai aparecer”. Inevitabilidade foi algo que não senti em nenhum momento no percurso da Espanha, que, como o percurso de qualquer equipa vencedora numa competição a eliminar, foi sendo balizado por contingências favoráveis sucessivas (em número de seis, e não de sete, recordemos). O jogo com a Suiça não pode ser retroactivamente classificado como “um acidente”, porque, se é verdade que a Espanha podia perfeitamente ter ganho esse jogo por 1-0 (bastava ter marcado primeiro), também é verdade que podia ter perdido cada um dos jogos subsequentes por 1-0 (bastava ter sofrido um golo primeiro).
Como entretenimento, no entanto, a falência é total. O objectivo da circulação de bola da Espanha não é entreter o Lourenço nem a minha pessoa. E não o faz. O Lourenço, aliás, só pode estar muito cansado para achar aquilo “futebol bonito”; por amor de Deus Nosso Senhor, o futebol praticado pelo Benfica na época felizmente passada esteve muito mais perto do que é “futebol bonito” do que o muzak de auteur da Espanha. Xavi, uma das pessoas mais pragmáticas e honestas da civilização ocidental, teve a dignidade de sugerir que o futebol da Espanha pode ser aborrecido para o público neutral. Tem toda a razão. Tal como o Brasil de 1994, a selecção de que está espiritualmente mais próxima (o recorde de passes que o Xavi bateu pertencia ao Dunga), a Espanha teve o grupo de jogadores mais tecnicamente dotados do torneio, praticou um futebol personalizado que consiste em reter a bola até toda a gente estar devidamente narcotizada, e contou com um avançado no pico da sua forma terrestre - acrescentando a tudo isto o Iniesta no lugar do Raí. E ganhou, com toda a justiça, e sem necessidade de os erguermos agora a um panteão feito de andaimes.
O que a Espanha fez, utilizando processos diametralmente opostos, é exactamente o que o Inter de Mourinho fez nas eliminatórias com o Barcelona: levar um conjunto reduzido de qualidades específicas ao extremo da eficácia, para eliminar o máximo de variáveis e transformar cada situação de jogo na ocorrência mais segura possível. O que uns fizeram com bola, outros fizeram sem ela, mas o único espectáculo que interessava a ambos era a cerimónia de entrega do troféu.
Não há problema nenhum com o culto da eficiência; só acho extremamente ofensivo para a minha presente situação económica que se tente romantizá-lo.
38 comentários:
Básicamente, a melhor equipa de futebol de salão do mundo foi campeã mundial de futebol de 11.
O Lourenço encarna sempre os lugares comuns da sua época, o que faz dele um excelente saco de tareia. A Espanha joga bonito, o Federer joga bem e o Nadal mal, etc, etc.
"Triunfo do melhor conjunto de jogadores." Concordo, ou melhor, o del Bosque conseguiu fazer uma equipa do grupo que tinha à disposição. Porque é isso que está em causa. Bons jogadores havia em muitas selecções, a arte do treinador está em conseguir pô-los a jogar uns com os outros. É isso que o Mourinho sabe e o Queiroz ainda não aprendeu. Porque, para isso, é preciso impor disciplina (mesmo ao denominado melhor jogador do mundo)!
"A Espanha não procura controlar o adversário, mas sim anestesiá-lo". Nem mais! Conseguiu mesmo neutralizar o jogo extremamente ofensivo (no bem sentido) da Alemanha. Além disso, geriu bem os golos. Para quê ganhar por 3 ou 4-0, se 1-0 chega? (Para não falar do escândalo dos 7-0)!
E pronto, esta é a modesta opinião de uma mulher, género humano que, em princípio, não entende nada de futebol...
Isto é serviço público. O tutan-khamon é chato como a potassa! E estoi mucho encantado com aquele novo portero, na boa escola do Fernando Alonso.
Concordo que a Espanha terá sido a melhor equipa na medida em que foi a mais eficaz. Como o foi, por exemplo, a Grécia em 2004. No entanto esteve longe de praticar o melhor futebol (esse pertenceu, a meu ver, à outrora fria e bocejante Alemanha.
O mais enervante neste kiki-riqui espanhol e seus jogadores é o sentimento de ter um Moet Chandon fresquinho ali à mão e depois juntar-lhe Raposeira para dar para mais gente, leia-se mais jogos.
Eu por mim, desde o golo daquela mosqueteiro de mosca ao Eduardo aos 67 minutos que a Espanha passou a ser via rápida para Biarritz. Pronto, mas isto sou eu que só perdi 10 euros com este mundial.
Boa tarde, Rogério,
compreendo a sua indignação e tenho-lhe muita estima (a si, não à indignação), mas o que me traz aqui é tentar enviar uma mensagem ao Tolan, que com certeza ainda lê estas suas coisas.
Tolan, se me estás a ouvir, volta lá para o teu blog ou faz outro, pá! A gente está com saudades daquelas cenas que tu escreves. Vê lá isso.
fodasse (ups..) e assim se escreve sobre futebol.. o resto é paisagem..
O Lourenço está carregadinho de razão. Portugal jogou contra a Espanha com 10 gajos atrás da bola; A Alemanha com 8; e a Holanda também com 8. Só deu para ganhar por 1 a 0 porque os adversários nunca quiseram atacar, salvo raríssimas excepções (um lance do Robben aqui, outro do Klose acoli e pouco mais). Por isso, a única selecção - o Chile - que não fez o jogo merdoso que Portugal, a Alemanha ou a Holanda fizeram, levou 2 e podia ter levado mais, como poderia ter marcado 1 ou 2. O Lourenço tem razão: aquilo é mesmo futebol bonito; se se torna entediante é por culpa dos adversários que entram já borradinhos de medo de levarem 4 ou 5.
O que o Inter fez contra o Barcelona não foi o txiri-boga "mas sem bola". Isso é que era bom. Quer na fase de grupos, quer depois nas meias-finais, o Inter, em Barcelona, também se arriscou a levar 4 ou 5. No primeiro caso não levou porque o Barcelona não esteve para isso quando se viu a ganhar 2-0 aos 20 minutos; no segundo, pela mesma razão que nem sempre o Liechtenstein leva 4 ou 5 de Portugal (às vezes até empata).
Etc, etc, etc... mas tu não irias perceber.
Os primeiros comentadores (cartão amarelo) vêm aqui repetir e concordar com o que está no post. Depois vem um (advertência verbal) ignorar o post para escrever um sms. Depois vem o Ricardo (cartão vermelho e orelhas de burro) utilizar os mesmos argumentos que já foram desmontados pelo post. E agora venho eu (despromoção) piorar a situação ao ignorar o post e resumir os comentários
Tem sido o costume nos últimos tempos. Os posts são excepcionais e raros. Os comentários são demasiados e mais chatos que o truka truka.
Bocejo com a espanha e bocejo com quem gosta da espanha. Nem sequer me fizeram perder dinheiro, só mesmo tempo e boa vontade. Obrigado por isto, já era preciso. Futebol bonito my ass.
Ó Pierluigi Conilla, és tão básico a fazer comentários como és a fazer trocadilhos. Já a lamber botas ("Os posts são excepcionais e raros") parece-me que estás no caminho certo. O Casanova não desmontou argumentos nenhuns; deu os dele - que estão errados, por muitas aliterações totalmente planeadas que ele meta lá pelo meio.
Ricardo, és muita estúpido. Mas eu ensino-te uma coisa, para não ires de mãos a abanar. Sabes porque é que toda a gente joga assim com a Espanha? Porque é fácil! e eles deixam! E vão-se embora deste mundial com uma derrota e um empate a zero na final.
É bem provável que eu seja muita estúpido, ó Eduardo. A sério. Mas tudo o que tu dizes desde "Sabes" até "final" mostra que tu és ainda mais estúpido do que eu, pelo que não vale sequer a pena tentar ensinar-te o que seja. Não leves a mal mas vais ter mesmo de ir de mãos a abanar.
"tiqui": derrube de Özil na área e penalti não assinalado;
"taque": 62' a bola ressalta para fora depois de bater na unha do dedo grande do pé de Iker Casillas após remate de Arjen Robben quando seguia isolado;
"buummm e catrapumba": alguém, que não grego, apostar três mil euros na Alemanha
Eu cá acho que, além do Fabregas no lugar do Busquets (recuando o Xabi Alonso), à Espanha só faltava um bom defesa-esquerdo, como o Quim Berto ou o Pesaresi.
(já agora, ó psht'ó, ó pázinhos: o "tiqui-taka" não é uma aliteração, é uma onomatopeia)
não te abespinhes, Ricardo. Quando entras por aqui a dizer que explicavas não sei o quê, mas ninguém ia perceber, e chamas básico a outro e lambe-botas, e me dizes a mim que nem te dás ao trabalho de me explicar uma coisa que nem sequer entendes muito bem, a julgar pelo nada que disseste em favor da Espanha tirando o 'jogam bonito', é um pouco estranho que encaixes tão mal chamarem-te um ganda estúpido. Beijinhos.
Eduardo, eu não disse que "ninguém ia perceber"; disse "mas tu não irias perceber" para o Casanova (e não iria mesmo. Para isso teria de saber quem foram Zandonaide, Cavungi ou o Teixeira II, e eu sei que ele não sabe). Quanto ao resto, aconselho-te a ler os comentários como mandam as regras - de cima para baixo - para veres quem começou com os "burros" e os "muita estúpidos". Consegues?
ou como se eu próprio – eu próprio! - nunca tivesse escrito um mau post.
Modéstia no meio de um post tão deliciosa e tipicamente imodesto? Já agora, só para balizar a definição de mau post, podemos saber qual?
Caríssimo Ricardo, devo-lhe um pedido de desculpas. Só agora carreguei no seu perfil e vi que o amigo é o Detective Cantor. Pensei que estava a falar com um idiota qualquer quando afinal estava a falar com um dos maiores.
Faça um favor a todos, deixe de andar em bicos de pés nas caixas de comentários do maradona e do casanova como uma criança com défice de atenção, porque a única coisa que faz é demonstrar que não percebe um caralho pintado de futebol.
Vá lá meter legendas nos bonecos e deixe isto dos argumentos para os adultos.
quando fala de bola,o detective cantor parece um gajo que foi "operado sem sucesso".
Mas qual bicos de pés, caralho. Já vi que, tanto aqui como no maradona, tentar discutir bola com a geração sporttv e que ainda por cima vota Cavaco Silva é uma perda de tempo.
Bem podem vir para aqui com os vossos nicks a debitar banalidades à Luís Freitas Lobo, que até o Ian McEwan ("e todo o cânone literário inglês, basicamente") percebe mais de futebol do que vocês, foda-se.
Zandonaide, Cavungi e Teixeira II. E não digo mais nada.
* a do "operado sem sucesso" teve piada, admito.
Também me custa a perceber como é que se endeuzou tanto o tiki taka (achei que devia ser o primeiro a usar a designação correcta..), um estilo de jogo lento que mesmo os seus praticantes admitem ser para adormecer o inimigo e forçá-lo a cometer erros. Mas que a Espanha mereceu ganhar, isso mereceu, ainda para mais contra uma Holanda ainda mais rasca que a da batalha de Nuremberga.
p.s.1: isso do Federer na new yorker vem onde? não há link?
p.s.2: Ricardo, respira fundo, limpa a saliva dos cantos da boca e vê lá se consegues perceber a figurinha triste que estás aqui a fazer.
Vai pró C. Morais.
Adoro quando o Gabriel Alves posta assim com respeito pelo Acordo Ortopédico e tudo.
As aspas, tenham cuidado com as aspas!
Então? Ficam-se? All right; we'll call it a draw.
Então e Titicaca, ninguém diz Titicaca?
Cambada de peixes-piloto, se o casanova fosse o picasso vocês esperavam que ele acabasse as meninas de avignon, desenhavam-lhes uns bigodes nos pés (das meninas)e cagavam-lhe na palete (do pablo)!
Es lo peor que he leído en mi vida. Hasta parecen buenas las idioteces que escribe el sr. Lourenço comparadas con este post. No es tan difícil de entender el fútbol, creeme. Escribe menos sobre fútbol y practicalo un poquito más, a ver si así consigues comprenderlo.
Popeso,
porque no sigues chupando la cabecita del caralhete?
Grácias, miércoles, olé.
hahahahahahaha
eu a pensar que isto tinha esmorecido e eis que chega um espanhol!
"tique-taka" escreveu o João Marcelino no "Diário de Notícias".
"o resguardarem-se fisicamente, os jogadores espanhóis conseguiram ser os melhores do torneio a fazer pressão alta, pois só precisavam de a exercer seis ou sete vezes por jogo, e estavam todos fresquinhos."
Como?!?!
Então as estatísticas da FIF(i)A (como não tenho outras confio nestas) dizem que os espanhóis correram sempre mais que os adversários!!!
Ter a bola é bom, mas para manter a posse com a intensidade com que estes o fazem obriga a equipa toda a correr (sem ela) o jogo todo...
Digo eu, que não percebo nada disto!
El tédio del blogue...
el tedio de la non postanza
o que é que se passa aqui?
atirou o computador para o lixo?
Que passa Fernando?
Se calhar estamos a pressioná-lo demais.
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