sexta-feira, novembro 19, 2010

No fat chicks

(...) To take a random sample from the current autumn season, Keith Jeffery's history of the secret service, MI6, is more than 800 pages. Tony Blair's A Journey tops 700 pages. Alan Sugar – Alan Sugar! – has an autobiography, What You See Is What You Get, that weighs in at 612 pages, while Orlando Figes's history of the Crimean war is almost terse at 575 pages.
This trend is not confined to non-fiction. Christos Tsiolkas's The Slap is almost 500 pages and Ken Follett's doorstopper Fall of Giants, if anyone's counting, is about 850 pages, probably to appeal to his American readers. Is anyone editing these books? The truth is that they all bear the imprint of marketing, not editorial, values.
Literary elephantiasis starts across the Atlantic. North America has a lot to answer for. In the "pile 'em high" tradition, US bookshops love to display big fat books in the window. The cut-and-paste technology of word processors must bear some of the blame, but overwriting is part of the zeitgeist. Jonathan Franzen's Freedom is highly enjoyable but who's finishing it? The novel is at least 100 pages too long.
Whatever happened to brevity? Once upon a time, it was not just the soul of wit, there was a strong literary preference for the shorter book, from Utopia to Heart of Darkness. More recently, The Great Gatsby, for my money the greatest novel in English in the 20th century, comes in at under 60,000 words, a miracle of compression. The novels of that great triumvirate – Waugh, Greene and Orwell – average 60-70,000 words apiece; even 1984 is not much over 100,000 words.
(...) If it's a choice between the tight-lipped or the windbag, give me the aphorist every time. Most novels do very well at about 250 pages or fewer. Seriously, what history or biography needs to exceed 500 pages? Some public-spirited cultural patron – the Man Group, perhaps – should sponsor a prize for short books.


Este inoportuno texto no Guardian online contra a proliferação de livros grandes, muito grandes, gigantescos, e Rochemback, estava prestes a passar-me ao lado quando foi linkado à traição pelo Zé Mário Silva e pelos Blondetailors, certamente com o objectivo de me deixar triste.
Oh pá, então não se vê logo que não é para acreditar em nada daquilo? Que, por definição, os livros bons têm sempre a dimensão correcta, e os maus são sempre demasiado compridos? Que aquilo não é um argumento contra a "elefantíase literária"? Que nem sequer é um "argumento"? Que se recorreu ao expediente de transformar dois pensamentos consecutivos numa opinião e três factos arbitrários numa tendência? Que se recorreu ao expediente adicional de emprestar relevância a "uma coisinha que se quer aqui dizer" transformando-a numa cruzada contra uma situação inexistente? Que o homem só queria ali meter uma lista de livros bons (propósito sempre justificado à partida), mas que depois de meter na cabeça que tinha de a legitimar falando de alguns livros maus, fingiu achar que os livros bons são bons por serem curtos e os maus são maus por serem longos, quando na verdade os livros bons são bons por serem escritos pelo Orwell e pelo Waugh e os maus são maus por serem escritos pelo Tony Blair e pelo Ken Follett? Que isto na prática é equivalente a uma tese sobre a superioridade intrínseca dos futebolistas canhotos sobre os dextros justificada pelos exemplos Messi, Maradona, Abel e Custódio?
Cada asserção foi nitidamente improvisada na hora e não sobrevive à mais tépida contra-interrogação. O livro do Franzen "tem pelo menos 100 páginas a mais" - quais? Nota-se uma tendência recente: a de que os livros estão a ficar mais longos - onde? Mas, atenção, "once upon a time" havia uma preferência literária pelo livro mais curto - quando?
A única coisa irrefutável que é dita no artigo inteiro é "This, by the way, is not an original point of view". Pois não, a começar pelo próprio Guardian online, que anda há três anos nisto:

Abril 2007: Dan Rhodes's top 10 short books ("But it seems obvious (doesn't it?) that writing overlong books is at the very least plain bad manners. I can't understand why writers are so often pilloried for writing short books. Brevity is mistaken for laziness when more often than not it's the opposite that is true.")
Agosto 2007:
Don't mistake long novels for deep ones ("Slim, artful volumes are so much more profound than fashionably 'epic' doorstoppers")
Maio 2009:
Life's too short for thousand-page novels ("I now find it difficult to read a novel that is much longer without feeling impatient, without fighting the urge to whip out my red pen and start crossing out the extraneous bit because the editor didn't, because the author was too proud (...) to accept that quantity is not the same as quality.)
Março 2010:
Short is sweet when it comes to fiction ("Novels don't have to be long to say something")
Julho 2010:
Take out holiday reading insurance: stick to novellas ("Rather than risk ruining your break with a big book you don't get on with, why not spread your risk with the novella?")

sexta-feira, novembro 12, 2010

Já alterei decisões de voto por menos

Governo quer legalizar corridas de cavalos em Portugal

O ministro da Agricultura disse hoje, na Golegã, que está a trabalhar com os responsáveis governamentais pela economia e o turismo a possibilidade de se avançar com a legalização das apostas em corridas de cavalos.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Em alturas de crise, há que tomar medidas drásticas

“Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD”. Esta é a nova designação social da Sociedade Desportiva de Futebol do clube de Alvalade.

Aprovada em Assembleia Geral com 99,98 por cento de votos a favor, a nova designação já foi devidamente registada e substitui a anterior “Sporting, SAD – Sociedade Desportiva de Futebol SAD”.

A nova designação, apresentada pelo Conselho Directivo, resultou de uma recomendação aprovada no último Congresso Leonino.


(A Bola)

quarta-feira, novembro 03, 2010

Grandes momentos brejeiros na poesia metafísica do século XVII

'You must sit down,' says Love, 'and taste my meat.'
So I did sit and eat.

- George Herbert (1593-1632), "Love"

terça-feira, novembro 02, 2010

As aliterações do Tonecas

... between Brighton and Bogotá... (p. 3); ... in, say, Sligo or Sri Lanka... (p. 3); ... the Tartars or the Tongans... (p. 29); ... out into Moore, Morgan, Maturin and Mangan... (p. 57); ... less by socialism than by Schoenberg... (p. 74); ... a matter of Fisher Kings and fertilty cults... (p. 80); ... shifting it from Kant to Kafka... (p. 98); ... so do tyrants and tootache... (p. 121); ... the somatics of Foucault and Fonda (p. 129); ... in classrooms from Berkeley to the Bronx (p. 129); ... which roams from ballet to Berg (p. 149); ... as it meanders from Kant to Krishna, Schiller to Sati (p. 160); ... others may write of Camus or cauliflowers (p. 180); ... crossing from Spinoza to scallop fishing (p. 190); ... from Kafka to the Ku Klux Klan (p. 197); ... from Marx to Marlboro (p. 206); ... from the New Left to the New Times, Leavis to Lyotard (p. 207); ... between Jonathan Swift and Graham Swift (p. 219); ... from the Mystery Plays to Miss Marple (p.219); ... Diversity ends at Dover (p. 221); ... more Harlequin than Hegel (p. 236); ... from Sorel and the Surrealists to Sartre, from Levinas to Lyotard (p. 246); ... from the BBC to the BFI (p. 255); ... from God to Goethe (p. 259); ... from Horace to Housman (p. 263); ... from Defoe to Drabble (p. 264); ... alongside Plato and Pynchon (p. 267); ... from the Venerable Bede to Tony Blair (p. 269).

Terry Eagleton, Figures of Dissent (Verso, 2003)

O maior argumento contra a publicação de recolhas de ensaios e jornalismo ocasional (ou arquivos de blogues, ja agora), maior do que o argumento da efemeridade parasítica embutida no formato, é o argumento da auto-preservação. Salvo raríssimas excepções, permitir que o que é escrito episodicamente seja lido sequencialmente é meio caminho andado para denunciar muletas e maneirismos de Loures a Londres.
As aliterações de Terry Eagleton não são, em rigor, um problema muito grande; nenhuma delas deforma um argumento ou uma linha de raciocínio, nem diminui a vontade de continuar a ler (embora possa aumentar a vontade de continuar a ler especificamente para encontrar mais aliterações, porque no fundo somos uma crianças). Aceitamos de boa fé que o alfabeto se organizou de forma quase milagrosa para se adequar precisamente àquilo que Terry Eagleton queria dizer; e nem sequer levamos a mal quando ele escreve no meio deste bacanal de aliterações, a propósito de um excerto de Peter Conrad, que «the scrupulous alliteration of ‘scored with stigmata’, the suave placing of ‘squeamishly’, the overpitched final image: all this stylistic self-consciousness creates a Post-Modern ‘lack of affect’, which is evident in other ways, too».
O processo através do qual uma maneira de dizer as coisas degenera num maneirismo é uma coisa tão misteriosa para mim como o mercado de obrigações ou a música popular brasileira, mas mesmo neste estágio claramente avançado, aceito que ainda possa produzir vantagens, uma das quais será proporcionar atalhos para organizar argumentos. Levado ao extremo (creio que há casos piores, a começar nos saldos de paradoxos nos livros de Chesterton), torna-se menos um instrumento intelectual do que um hábito mental: no princípio está-se ali à procura de uma forma de poupar tempo para pensar, e acaba-se apenas a poupar no que se pensa - o que, nos piores momentinhos do Terry Eagleton, é evident in other ways, too. (Nada disto deve ser comparado ao meu uso de advérbios de modo, que é sempre escrupulosamente moderado).

terça-feira, outubro 26, 2010

Best. Footnote. Ever.

Tendo em conta o azarento historial de equívocos entre realidade e onionismo que tem marcado as tentativas de divulgação da obra e pessoa de David Foster Wallace na imprensa nacional, cabe-me aqui relatar um facto pertinente que, mesmo depois da mais diligente e exaustiva pesquisa online, se poderia pensar ser tão fabricado como a história do bilhete de suicídio de trezentas páginas ou a dear john letter de sessenta: nos anos 90 David Foster Wallace tatuou o nome de uma namorada no braço; em 2003, quando a relação terminou, em vez de apagar a tatuagem, tatuou um asterisco ao lado da mesma, remetendo para uma outra tatuagem em nota de rodapé, com o nome da nova namorada, com quem se viria a casar. Gostaria de pensar que tanto o Sérgio C. Andrade e o Rui Catalão como aqueles que lhes apontaram os erros passaram por esta história e a acharam pouco plausível (com toda a razão, embora seja verdadeira). Quanto ao resto, vamos nutrindo com tranquilidade um torcicolo e perdoamos todos aqueles que estão do lado do Bem.

sexta-feira, outubro 15, 2010

Leonard Maltin's Auteur Porn Guide!



Ladri di bissexuali, Vittorio de Suckit

Prickpocket, Bobby Bresson

Die bitteren Tranny der Petra von Cunt, Rainer Werner Fastbanger

Sluttily Last Summer, Joseph Wankiewick

Diciotto e Mezzo, Federico Fellatio

Pierrot le Fister, Jean-Luc Got Hard

The Ladyboy from Shanghai, Foursome Welles

The Great Dick-taster, Charlie Chaplips

The Testicle of Dr. Abuse, Fritz Languid

segunda-feira, outubro 11, 2010

Os rumores da minha morte foram manifestamente bem escondidos, uma vez que não encontrei nenhum

FAQ

1. Então, isto está morto?

Ora essa, está mais vivo do que nunca. As medidas de austeridade blogosférica impostas durante Agosto e Setembro revitalizaram a economia local, permitindo um regresso em força, em que inclusivamente se prometem três posts por semana até ao fim do ano civil, em comemoração da não-atribuição do Nobel da Literatura a Murakami, como chegou a ser ventilado por cobarde sms, na semana passada.

2. Quando prometes três posts por semana, podemos assumir que haverá alguma punição em caso de não cumprimento?

Evidentemente que não. Continuarei a gozar de total impunidade quando regressar em Janeiro.

3. Então o que é que fizeste nas férias?

Estive duas semanas no Pinhão, onde comi javali ilegalmente caçado no dia anterior, perdi a caderneta de recibos verdes, passeei à beira do Douro ao fim da tarde deixando que a Natureza percebesse a sua insignificância ao contemplar-me, li o Guerra e Paz em vinte e um dias, e vi um cidadão puxar o alarme para interromper a marcha do comboio entre Mosteirô e a Régua por "precisar de um bocadinho de ar fresco".

4. E o Sporting, tens visto o Sporting?

There was a time when, though my path was rough,
This joy within me dallied with distress,
And all misfortunes were but as the stuff
Whence Fancy made me dreams of happiness:
For hope grew round me, like the twining vine,
And fruits, and foliage, not my own, seemed mine, etc.

5. E achas que as crianças deviam ler o Moby Dick ou não?

Mesmo com a vasta exposição à minha experiência pessoal que a minha experiência pessoal me possibilitou, nunca tenho a certeza de conseguir extrair dela as implicações correctas. É verdade que li o Moby Dick aos 15 anos e cresci heterossexual, mas nada me garante que tudo o resto não tenha sido um gigantesco acidente.

6. No caso de precisarmos de escrever um daqueles artigos parvinhos para a National Review sobre a maneira como certas neuroses liberais e pós-coloniais deformam a apreciação contemporânea da obra de Kipling, tens algum título fixe para sugerir?

White man's "white man's burden" man's burden

7. Eheheheh, isso é espectacular! Por favor repete.

White man's "white man's burden" man's burden

8. Apesar da piada extraordinária sobre o Kipling, e mesmo que isso implique uma qualquer transacção perniciosa, tipo uma aceitação passiva e não-examinada de liberdades triviais e efémeras em detrimento de liberdades substanciais e duradouras, não achas que a gente tem o direito de não te amar?

Não.

7. Queres partilhar alguma coisa de relevante que possamos ter perdido nestes dias, tipo dois links e um vídeo do YouYube?

Tolan: . . .Uma coisa que me chateia nos amigos e amigas que têm filho é que deixam de me considerar a pessoa mais importante na vida delas, o que acontecia antes. Nota-se perfeitamente. Os meus discursos sobre a mulher segundo Hemingway ou que o primeiro punk da história é o protagonista do Herói do Nosso Tempo do Leermontov são frequentemente interrompidos por ruídos indistintos de bebé. Fico a falar sozinho, o bebé eventualmente cala-se e depois fica toda gente calada e se eu não relembrar as pessoas que eu estava a falar, ninguém se lembra. . .

O Vermelho e o Negro: . . . este primeiro conto dos Contos de Odessa de Issak Bábel, por mim traduzido penosamente. . .

Garbage Day:

I am indignant

The likes of us should quit politics and stick to dreams. It gave me pleasure to hear that I recently figured in a dream of yours positively. I recently dreamt:
Dream I: I identify Tolstoy as the driver of a beat-up white van on the expressway. I ask the old guy at the wheel of this crumbling van what he can do to keep his flapping door from banging against the finish of my car. When he leans over to the right I see that he is none other than Leo Tolstoy, beard and all. He invites me to follow him off the expressway to a tavern and he says, "I want you to have this jar of pickled herring." He adds, "I knew your brother." At the mention of my late brother I burst into tears.
Dream II: A secret remedy for a deadly disease is inscribed in Chinese characters on my penis. For this reason my life is in danger. My son Greg is guarding me in a California hideout from the agents of a pharmaceutical company, etc.
Dream III: I find myself in a library filled with unknown masterpieces by Henry James, Joseph Conrad and others. Titles I have never seen mentioned anywhere. In shock and joy I open a volume by Conrad and read several pages, sentence after sentence after sentence in the old boy's best style, more brilliant than ever. "Why in the hell was I never told about this?" I ask. Certain parties have been holding out on us. I am indignant.


(Saul Bellow, carta a Martin Amis, aqui)

terça-feira, julho 13, 2010

El tiédio de la existiencia

Chegou ao fim o Mundial em que a única equipa sem derrotas foi a Nova Zelândia, em que a grande figura individual foi um molusco, e em que a Espanha, depois de derrotar os índios, os Nazis e a Frota Imperial, conseguiu aparentemente redimir a Humanidade, salvar as baleias, e tornar o planeta mais seguro para a democracia.
O triunfo dos campeões menos entusiasmantes desde o Brasil de 1994 tem sido quase consensualmente aplaudido, perante a minha boquiaberta conta bancária, como "um triunfo do futebol bonito", o que indica que eu devo ter perdido reuniões importantíssimas, onde se andaram a redefinir conceitos à traição.
A vitória da Espanha é merecida, o que só por si não quer dizer nada, uma vez que o futebol funciona ainda melhor do que o mercado. Não me ocorre uma única competição internacional no meu tempo de vida em que a vitória final não tenha sido merecida; até nas raras ocasiões em que a "melhor" (aspas relativistas) equipa não ganhou, como no Mundial de 1998 (Holanda) e no Euro 2004 (provavelmente a Rep. Checa), a circularidade tacitamente embutida na definição de "vitória merecida" fez com que quem ganhasse merecesse fazê-lo. Na África do Sul, nem sequer houve esse espaço para a manobra retórica: a Espanha era a melhor equipa, e ganhou. Está tudo certo, não é mais nem menos do que isto. Não havia necessidade nenhuma de perturbarem a minha conturbada recuperação emocional depois de ter sido brutalmente espoliado de três mil euros, dando uma rodagem incompreensível à narrativa do "futebol bonito, ah que futebol bonito, é um futebol muito positivo, o tiki-taka, a posse de bola, é assim que deve ser, o tiki-taka, é tudo tão bonito, vejam o número de passes, etc."
Para esclarecer o conceito de vitória merecida: a Espanha venceu justamente porque um Mundial é como uma eleição para a presidência - pretende-se apenas que ganhe o melhor dos participantes. Não é necessário fingir que a opção utilitária está a cumprir um ideal qualquer, basta afastar o Manuel Alegre dos sítios. Nesse sentido, a selecção espanhola foi um justo e digno professor Aníbal Cavaco Silva; estar a promovê-la a Péricles ou Bismarck é capaz de ser um bocadinho excessivo. Não assistimos a um triunfo do futebol espectáculo, apenas a um triunfo do melhor conjunto de jogadores, o que, já agora, é sempre de aplaudir, em particular se os jogadores são tão absurdamente bons como estes (e boas pessoas, ainda por cima, tirando o Busquets, que está duas léguas éticas abaixo do Felipe Melo e do Van Bommel).
Os argumentos utilizados para se tentar extrair desta vitória um significado moral que ela não merece foram competentemente sintetizados neste útil post do Lourenço, do qual ele já está certamente muito arrependido, e do qual tenciono transcrever as passagens mais ofensivas sempre que seja apropriado. Comecemos pela frase que mais vontade me deu de ir destruir um prédio bonito: «obviamente, acho que seria um grande serviço ao desporto a Espanha ser campeã do mundo: provaria que se pode ganhar coisas a jogar bonito, algo extremamente necessário depois daquilo que se passou com o Inter este ano».
Elogiar o futebol praticado pela Espanha ao longo da competição como uma epítome do "jogo bonito" parece-me um caso clássico de confusão crítica (aliteração totalmente planeada): tendo-se detectado a inequívoca existência de talento, todos os frutos produzidos por esse talento são automaticamente classificados como positivos, como se não houvesse um livro chato na carreira de cada Philip Roth, ou como se eu próprio – eu próprio! - nunca tivesse escrito um mau post. Confrontado com a excelência técnica dos jogadores espanhóis (em que um dos defesas-centrais é melhor no passe, na recepção e no drible do que qualquer médio inglês, por exemplo), o espectador que se aborrece suspeita-se imediatamente de estar a caír no filistinismo, ou no iconoclasmo fácil.
O equívoco de base parece-me fácil de identificar. Se reduzirmos o jogo às suas três dimensões básicas - técnica, táctica e física - não é especialmente condenável promover o aspecto técnico em detrimento dos outros dois como o mais importante para o conceito de futebol bem jogado, porque é a capacidade técnica que permite o lance de ruptura, ou a variação inesperada - todos os elementos associados à criatividade, que permite quebrar a deriva mecanicista que o rigor táctico e a capacidade atlética tendem a impor.
O problema com a Espanha é o de ter utilizado - e isto é sem dúvida uma inovação - a capacidade técnica para impor no jogo o mesmo tipo de restrições que no passado e no presente das outras equipas eram impostas pela táctica ou pelo físico.
Num perfil recente de Federer na New Yorker, ele diz o seguinte sobre o jogo de Nadal: «I admire Rafa for that (...) The mental toughness of playing each point the same is amazing, but I could never play that way. I need change, I need a different point every time».
Vamos ignorar os diversos tipos de nojo que a segunda metade deste subtil raciocínio defensivo carlosqueiroziano provoca e concentrar-nos no essencial. A mais visível qualidade exibida pelo futebol espanhol no Mundial foi esta: a mental toughness de jogar cada jogada como se fosse a mesma. Mas o espectador precisa de mais, precisa de variação, precisa não exactamente de uma jogada diferente de cada vez, mas pelo menos de vez em quando. O que o kaku-tani faz é formatar e homogeneizar o jogo, transformando cada jogada numa repetição, razão pela qual a virtude que começa a ser mais elogiada no jogo Espanhol seja não a criatividade, mas a paciência. E a paciência, aplicada com consistência psicótica, é uma virtude que impressiona, mas não entusiasma.
Daí que esta declaração do Lourenço seja tão esfalfadamente equivocada: «o problema da aparente falta de eficácia daquela circulação de bola nasce da atitude de qualquer adversário (Portugal, Paraguai, Alemanha) que dá por dado adquirido a sua inferioridade e se limita a aguardar por um erro espanhol».
Passando por cima (muito por cima, atente-se) da sugestão que o problema da falta de eficácia é a "atitude" dos adversários (talvez ajudasse se eles se demonstrassem mais fair play fazendo um churrasquinho na linha lateral enquanto a Espanha jogava bonito), temos aqui um erro crucial de interpretação. Porque o cálculo racional por detrás da entediante circulação de bola da Espanha é precisamente esse: aguardar um erro do adversário. Isto foi assumido sem problemas por Xavi, e antes por Guardiola. A Espanha não procura controlar o adversário; procura anestesiá-lo. E é inevitável que anestesie parte da plateia também.
Conseguiram a proeza de levar ao extremo da eficiência um determinado processo técnico (tricotado de passes, lento e sem grande progressão), de caminho forçando uma exibição de destreza puramente técnica a produzir na percepção do espectador o mesmo efeito de uma exibição de destreza puramente táctica. E a posse de bola acaba por ter um intrigante efeito colateral: ao resguardarem-se fisicamente, os jogadores espanhóis conseguiram ser os melhores do torneio a fazer pressão alta, pois só precisavam de a exercer seis ou sete vezes por jogo, e estavam todos fresquinhos. A Espanha instrumentalizou uma dos mais impressionantes arsenais de técnica indididual de que há memória para jogar essencialmente um jogo defensivo e de baixo risco.
A ideia de que o futebol da Espanha “representa tudo o que o futebol deveria ser” também caiu por terra (com genuína pena minha) e confunde-me, inclusivamente intriga-me, adicionalmente vexa-me, que se defenda o contrário. O tutan-khamon pareceu, de facto, qualquer coisa como o futuro risonho do futebol, no curto espaço de tempo entre o Euro 2008 e a eliminatória do Barcelona com o Inter, mas agora que foi definitivamente baptizado, entronizado como movimento avant-garde, defendido por uma teoria estética, e sujeito a evangelização por apóstolos e críticos de Arte, assistimos a uma falência parcial do mesmo. O teste definitivo é este: se um conjunto de jogadores de qualidade possivelmente irrepetível, como Xavi, Iniesta e aqueles outros que lá andam, não conseguiram transformar o kiri-te-kanawa em nada mais do que um veículo para ganhar bem, mas chato, o modelo é insustentável como paradigma do futebol bonito. A falência é apenas parcial como mecanismo para ganhar jogos: sete dos oito golos da Espanha e para aí uns 90% das suas ocasiões de golo surgiram não de jogadas de envolvimento, mas sim de lances de bola parada, jogadas individuais de Villa ou Iniesta (sempre que desrespeitavam o metrónomo sedativo do resto da equipa), erros de arbitragem, e contra-ataques competentes - embora se possa argumentar que só a fadiga induzida pelo kon-tiki permitiu essa procissão de acidentes. O Lourenço fala, assumo que sem ironia, de uma “sensação de inevitabilidade” que se começa a instalar: “mais cedo ou mais tarde o golo vai aparecer”. Inevitabilidade foi algo que não senti em nenhum momento no percurso da Espanha, que, como o percurso de qualquer equipa vencedora numa competição a eliminar, foi sendo balizado por contingências favoráveis sucessivas (em número de seis, e não de sete, recordemos). O jogo com a Suiça não pode ser retroactivamente classificado como “um acidente”, porque, se é verdade que a Espanha podia perfeitamente ter ganho esse jogo por 1-0 (bastava ter marcado primeiro), também é verdade que podia ter perdido cada um dos jogos subsequentes por 1-0 (bastava ter sofrido um golo primeiro).
Como entretenimento, no entanto, a falência é total. O objectivo da circulação de bola da Espanha não é entreter o Lourenço nem a minha pessoa. E não o faz. O Lourenço, aliás, só pode estar muito cansado para achar aquilo “futebol bonito”; por amor de Deus Nosso Senhor, o futebol praticado pelo Benfica na época felizmente passada esteve muito mais perto do que é “futebol bonito” do que o muzak de auteur da Espanha. Xavi, uma das pessoas mais pragmáticas e honestas da civilização ocidental, teve a dignidade de sugerir que o futebol da Espanha pode ser aborrecido para o público neutral. Tem toda a razão. Tal como o Brasil de 1994, a selecção de que está espiritualmente mais próxima (o recorde de passes que o Xavi bateu pertencia ao Dunga), a Espanha teve o grupo de jogadores mais tecnicamente dotados do torneio, praticou um futebol personalizado que consiste em reter a bola até toda a gente estar devidamente narcotizada, e contou com um avançado no pico da sua forma terrestre - acrescentando a tudo isto o Iniesta no lugar do Raí. E ganhou, com toda a justiça, e sem necessidade de os erguermos agora a um panteão feito de andaimes.
O que a Espanha fez, utilizando processos diametralmente opostos, é exactamente o que o Inter de Mourinho fez nas eliminatórias com o Barcelona: levar um conjunto reduzido de qualidades específicas ao extremo da eficácia, para eliminar o máximo de variáveis e transformar cada situação de jogo na ocorrência mais segura possível. O que uns fizeram com bola, outros fizeram sem ela, mas o único espectáculo que interessava a ambos era a cerimónia de entrega do troféu.
Não há problema nenhum com o culto da eficiência; só acho extremamente ofensivo para a minha presente situação económica que se tente romantizá-lo.

quinta-feira, junho 17, 2010

Se a Alemanha chegar à final, estarei em condições de vos levar a todos a almoçar

Com a linha de crédito que simpaticamente disponibilizei às agências de apostas inglesas prestes a ser cancelada até directrizes em contrário (encontro-me, tal como a economia grega, refém da boa vontade alemã), foi reconfortante saber que, pelo menos, estive certo sobre uma coisa: a fantástica exibição de Fábio Coentrão, um jogador em quem sempre confiei e cuja titularidade nunca deixei de defender. A sua única falha durante o jogo inteiro foi o já habitual cruzamento em que é apanhado nas costas do adversário e o deixa cabecear à vontade, movimento que aprendeu com o seu colega Maxi Pereira, mas que irá provavelmente corrigir antes deste. Uma exibição que só vem calar os cépticos, entre os quais se conta o incompetente Jorge Jesus, que ao não utilizar Fábio Coentrão em Anfield com receio dos duelos individuais com o Kuyt demonstrou inequivocamente que não percebe nada de futebol, ao contrário de mim, que só perdi 135 euros em seis dias por manifesta infelicidade.

Entretanto, a equipa da primeira jornada:

Tim Howard; Maicon, Alcaraz, Grichting e Morel; Alexis Sanchez, Annan, Inler e Ozil; Messi e Forlán.

segunda-feira, junho 14, 2010

Wall of Sound



Com excepção da segunda parte do França-Uruguai (que perdi devido a complicações de cariz étnico causadas pela presença no recinto de trinta e cinco ingleses bêbados [muitos dos quais vestidos de batman] numa despedida de solteiro), consegui assistir a todos os eventos do Certame até agora. Foram seiscentos e setenta e cinco minutos de futebol, pontuados por aquele zunido colectivo, grave, desconcertante e ininterrupto, que qualquer adepto já se habituou a reconhecer: a wall of sound produzida por milhões de milhares de mulheres a fazerem perguntas sobre as regras do jogo.
Ligeiramente abaixo na escala decibélica, o ruído constante das vuvuzelas também se tem apresentado em grande forma, mostrando resistência, intensidade e disciplina táctica, embora as suas hipóteses de conquistar o título de ruído permanente mais irritante da competição estejam agora ameaçadas pelo ruído permanente de pessoas a queixarem-se sobre o ruído permanente das vuvuzelas; o duelo promete ser renhido até à final.
Transferindo as nossas atenções para assuntos mais importantes - o sucesso das minhas démarches para dissipar antecipadamente o reembolso do IRS em apostas idiotas - posso confirmar que está tudo bem encaminhado. Vinte libras numa vitória da África do Sul, mais vinte num golo do Higuaín contra a Nigéria já se encontram aconchegadas nos cofres da William Hill, embora outras vinte apostadas na possibilidade de a Alemanha atingir a final ainda possam ser convertidas em duzentas e oitenta. Gosto imenso desta selecção alemã: não só tem o melhor médio do mundo naquele estilo de letargia frenética aperfeiçoado por Pablo Aimar (Ozil), como também tem as melhores credenciais multinacionais da prova: dois turcos, um tunisino, um ganês, um bósnio, um brasileiro, e três polacos. Ainda não há um judeu, mas é uma questão de tempo.
O Gana assustou-me imenso: técnica, táctica e atleticamente, foi sempre 10% superior (chegou) a uma Sérvia que continuo a acreditar ter uma das melhores defesas do mundo, mas que foi severamente penalizada pela traiçoeira independência de Montenegro, que os privou de poderem convocar o Vucinic. A Eslovénia foi a equipa mais fraca até agora, pelo que evidentemente está no primeiro lugar do seu grupo, com três pontos. A Argentina confirmou ter o grupo de jogadores ofensivos mais entusiasmante, pelo que evidentemente ganhou 1-0, com o único golo a ser marcado por um ex-defesa do Sporting.
Quando a destaques individuais, a grande revelação do torneio tem sido o comentador da Sport TV Luis Martins, cujas rápidas desmarcações semânticas e movimentos de ruptura com a língua portuguesa têm proporcionado instantes de rara beleza. O seu lance mais genial até agora terá surgido na descrição de uma tabela transviada entre dois jogadores argentinos: "Tevez ali a direccionar-se de forma contraproducente em relação à bola".
Uma última e exultante nota para a auto-estima inglesa, que voltou a direccionar-se de forma contraproducente em relação à História, sofrendo uma das suas humilhações rituais, desta vez aos pés de uma selecção americana que deu toda as indicações de ter sido treinada especificamente para este momento desde a batalha de Saratoga. Para interpretar o sempre ingrato papel de General Burgoyne e colocar simultaneamente a "situação Eduardo" em salutar perspectiva, foi escolhido Robert Green, um de múltiplos Ricardos à disposição de Fabio Capello - há mais dois no banco, para o caso de Green começar a exibir sinais de lapsos de concentração nos seus lapsos de concentração.

sexta-feira, junho 11, 2010

Vão ser quatro semanas a pensar o país

Tendo concluído com sucesso o período de hibernação auto-imposto para restaurar todas as minhas faculdades e institutos a tempo do Certame, creio estarem reunidas as condições para sermos felizes novamente (o facto de estar acordado às cinco da manhã e de ainda me lembrar da password do blogger avaliza a minha seriedade). Que essa felicidade possa ser consequência directa da prestação portuguesa no Certame já é mais duvidoso, como explica o besugo neste post catadióptrico, cujo grau de superlatividade é confirmado pelo rigor com que simultaneamente reflecte e refracta as minhas próprias opiniões sobre a matéria, que agora descubro sempre ter tido, desde pequenino.
O problema de Portugal é ter os jogadores errados não só para os jogadores certos que tem, como também para os outros jogadores errados, e ter o treinador errado tanto para os jogadores certos como para os errados, mas ainda assim o suicídio seria nesta altura precipitado. Os três jogos de preparação efectuados contra sucessivos fardos do homem branco mostraram, mais do que circunstanciais dificuldades físicas (tirando o Miguel, que está um trambolho, o resto parece-me tudo dentro das normas vigentes) uma assustadora ausência daquela dinâmica telepática que qualquer equipa a jogar só com 3 pessoas no meio-campo precisa para disfarçar o facto de só jogar com 3 pessoas no meio-campo. Mesmo tendo em conta que, especialmente no primeiro jogo contra Cabo Verde, havia ali instruções para "manter a forma", o que mais transtornou não foi a adesão fanática a um espartilho táctico, mas sim o reduzido número de opções que cada jogador na posse da bola tinha para dar seguimento a um lance, numa manobra colectiva atacante significativamente menos coreografada do que uma flash-mob convocada por telemóvel.
Parece-me evidente que este Portugal não pode ser o Portugal do rendilhado perpétuo, o Portugal dos 65% de posse de bola, o Portugal que fazia isto, por exemplo



nem o Portugal de 2004 e 2006, vagamente modelado no controlo de jogo passivo-agressivo do Porto de Mourinho, que encarava qualquer equipa adversária como uma frota humanitária turca.
Nesta convocatória há apenas dois jogadores com capacidade para essas coisas (Pedro Mendes e Deco), com a agravante de que nem sequer eles são, nesta fase das suas carreiras, transportadores de bola (Enfim, o Deco vai ser dos jogadores portugueses com melhores exibições durante o Mundial, isso é certinho, mas não vai ser o portento físico e táctico de 2004, onde chegou a jogar um prolongamento inteiro a lateral-direito - e bem). E o Pedro Mendes, apesar daquela hiper-competência no passe lateral, e da quase psicótica renitência em cometer disparates, continua a parecer-me um corpo estranho ali no meio.
A discussão sobre a escolha do onze numa competição a eliminar não se esgota em momentos de forma, ou nas posições ideais de cada um, mas no impacto potencial que aquilo que cada um faz bem poderá ter nos outros. Numa equipa com Maniche, Figo, Rui Costa e Nuno Gomes, o Pedro Mendes seria titular indiscutível. Mas tudo aquilo que ele faz extremamente bem (talvez melhor do que qualquer outro jogador português neste momento) tem um impacto irrisório no comportamento dos poucos jogadores da selecção que podem ser decisivos.
Como o besugo tentou explicar, como até o Jesualdo Ferreira deu ideia de conseguir perceber aqui há dois anos, apenas para dar a ideia de não ter percebido nada logo a seguir, a única maneira de conjugar as especificidades técnicas e biomecânicas dos jogadores com qualidade para serem titulares nesta selecção é descartar triangulações, jogo apoiado e consequentes homossexualidades, e adoptar o que é irritante mas correctamente designado como jogo de transições rápidas - o jogo que o melhor Porto do Lucho e do Lisandro jogava: um jogo para o qual o Raúl Meireles está formatado, para o qual o Pepe, mesmo a 80%, pode perfeitamente fazer de Paulo Assunção/Fernando, o Deco de Lucho, o Danny de Cristián Rodriguez, e o Cristiano Ronaldo de qualquer coisa que, graças a Deus, o Porto nunca teve. Faz falta, muita falta, o Bosingwa, e faz falta o Fábio Coentrão que quase toda a gente insiste em ver, mas que eu sinceramente ainda não vi. (Assisti a seis jogos completos do Fábio Coentrão como lateral esta época, ao longo dos quais demonstrou repetidamente que não sabe defender cruzamentos do lado oposto, para além de ter sido comido sete vezes pelo Kuyt, duas vezes pelo Bruno Gama, uma vez por um jogador cabo-verdiano que alinha no Pandurii Târgu Jiu da Roménia, pelo que podemos todos estar descansados quando apanhar o Kalou pela frente).
Temos um problema adicional no facto de o Liedson não ser o Lisandro, e continuar, aliás, a subsistir no futebol português como um curioso exemplo de anti-NunoGomismo; excelente em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era mau, péssimo em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era muito bom, Liedson está agora a ser para a selecção nacional o mesmo que tem sido para o Sporting: uma coisa alienígena ali no meio a emperrar a engrenagem colectiva, condição disfarçada em Alvalade pelo facto de ele ser extravagantemente melhor do que a engrenagem que emperra.
Também fiquei com a ideia de que o Queiroz "anda a industriá-los para jogarem em ataque planeado", menos pelo que se viu nos jogos de preparação do que pelas suas repetidas declarações sobre uma "fidelidade" a "princípios muito nossos". Deixa-me sempre arrepiado, esta conversa da fidelidade a princípios futebolísticos (não aquele arrepio bom de quando vemos um youtube de momentos do Mundial de 1990 ao som do "Friends Will Be Friends" dos Queen, mas o arrepio mau de quando alguém nos tenta ler um poema, ou quando somos atacados por um pombo numa caixa multibanco dos Restauradores enquanto tentamos carregar o telemóvel de um amigo que por coincidência é columbofóbico).
Com as restrições que Portugal tem (o leque de jogadores convocáveis nunca é, num determinado momento, superior a 30, como demonstrou aquela pré-convocatória de 50), não poderemos ser fiéis a princípios. O Brasil, por exemplo, não só pode ser fiel a princípios, como até tem dois conjuntos de princípios opostos aos quais pode atrelar a sua fidelidade, como o Freitas do Amaral. A convocatória do Dunga (que eu decidi por unanimidade unilateral ser a pessoa mais detestável do Certame, superando até o Domenech e o Steven Gerrard), mostra que a tendência ideológica actual é a de 1994, com a presença de dois Dungas (Josué e Gilberto Silva), um Mauro Silva (Felipe Melo) e dois Zinhos (Ramires e Kléberson), três dos quais serão sempre titulares. Mas havia condições para seguir a tendência de 1970: ceder ao populismo romântico, convocar o Ronaldinho, o Pato, mais o Ganso, o Neymar e o resto daquela absurda catrefada de adolescentes talentosos do Santos, metê-los em campo ao mesmo tempo, transformar cada partida da fase de grupos num lento meiinho de praia, antes de serem elegantemente eliminados pela Itália nos quartos-de-final, possibilitando aos cronistas do Record reabilitarem para o discurso futebolístico a palavra "perfume".



Portugal não tem - nunca teve - a opção. Está obrigado a escolher os melhores jogadores do período em questão, independentemente das tipologias, sem subordinar a escolha a uma filosofia. E como nem sempre as tipologias são tão harmónicas como foram em 2000 (tão harmónicas que bastou o Humberto Coelho para as potenciar), o trabalho do seleccionador cai precisamente na área entre Logística e Estratégica - o improviso táctico - que sempre foi o mais profundo dos mistérios para Queiroz, o exemplo mais aflitivo que conheço daquele tipo de inteligência que não reconhece nada entre "fidelidade a princípios" e "visão a longo prazo", entre a Constituição e o Projecto. Queiroz ou pensa no que é de base, ou no que está dez anos para a frente, nunca no imediato. É um tipo de inteligência que não admite contingências - e historicamente, a sua resposta a contingências tem sido desastrosa. Estamos a falar de um homem capaz de planear com rigor uma campanha transnacional de vacinação preventiva, ou de fazer um plano quinquenal para erradicar a constipação. Mas se alguém espirra à sua frente, o homem desintegra-se, e é capaz de tirar o Paulo Torres ao intervalo, meter o Capucho a lateral-esquerdo e levar seis golos do Benfica, ou do Brasil.
Vou agora estudar a situação das esplanadas com ecrã gigante na capital, mas manter-me-ei atento, prolífico, e carinhoso.

terça-feira, abril 20, 2010

Tyler Durden




segunda-feira, março 29, 2010

Vibrações em JavaScript

Durante a pavorosa conflagração que decidiu conflagrar a meros centímetros do meu nariz, dei por mim a confrontar corajosamente a minha própria mortalidade. Demonstrando típica ausência de egomania, pensei não em mim, mas no povo: se eu fenecesse, o que seria de vocês? Será possível moderar comentários a partir do Além? Será possível recordar passwords terrenas? Se a minha essência espiritual emitir um post ilustrado através de vibrações cósmicas, algum funcionário do Blogger será capaz de o interceptar, ou isso só no Sapo? Diversos monoteísmos tentaram obliquamente responder a estas perguntas, mas há mistérios metafísicos que só a televisão é capaz de elucidar. Felizmente, alguém na TVI deve ter passado recentemente por uma provação semelhante à minha, e decidiu transmitir um programa sobre o assunto.
A televisão anda há anos a explorar tangencialmente o contacto dos vivos com os mortos, seja através de séries ficcionais (Six Feet Under, Ghost Whisperer) ou de programas de entretenimento apresentados por hologramas de cadáveres (Larry King, Eládio Clímaco), pelo que a ideia de ir directo ao assunto sem eufemismos é menos revolucionária do que à partida poderia parecer. A empreitada foi enriquecida com um exemplo perfeito de casting tecnológico: um amplificador natural, capaz de transportar as suas vastas tonelagens decibélicas até ao estuário do Estige e aos arenques do Aqueronte, a voz de Júlia Pinheiro é possivelmente o instrumento mais adequado para qualquer tentativa de intimidar falecidos a falar on the record.
Foi, portanto, uma moderada desilusão descobrir que Júlia Pinheiro estaria presente apenas como tradutora («He's curious. Are you concentreite?»), e que o diálogo com os mortos estaria a cargo de uma médium britânica chamada Anne Germain. A necessidade de uma tradutora para os vivos, aliada ao facto de os mortos em questão serem aparentemente monolingues, tornou inviável qualquer manobra para evitar a pergunta óbvia: o contacto vai ser efectuado em que língua? Júlia Pinheiro apressou-se a esclarecer que no Além a língua "não é importante", uma vez que se comunica através de uma linguagem universal, como o Esperanto ou o JavaScript.
Nos anos 20, quando o espiritualismo ainda conquistava pentacampeonatos, ilusionistas profissionais como Houdini tentavam pacientemente explicar que falar com mortos era uma actividade equivalente a transformar um lenço numa pomba ou serrar assistentes ao meio, enquanto vultos do racionalismo, como os editores da Scientific American ou Sir Arthur Conan Doyle, se desdobravam em manifestações públicas de credulidade, demonstrando que o método científico é um instrumento de aplicabilidade limitada.
Francisco Moita Flores foi chamado ao palco para cumprir a mesma função de Conan Doyle: empregar todas as suas faculdades de raciocínio dedutivo no acto de ficar tão boquiaberto que uma inflamação auto-induzida dos seios perinasais provoque uma sinusopatia intelectual capaz de cancelar as mesmas faculdades de raciocínio dedutivo. A interacção proporcionou poucas oportunidades para o espanto. As tacteantes adivinhações da médium destacavam-se pela sua flagrante trivialidade, provando apenas que o dialecto formal dos mortos sofreu algumas transformações desde que os primeiros canais de comunicação foram abertos. Onde antes se expressavam por meio de fluentes epigramas vitorianos, os mortos utilizam agora uma curiosa mistura de poesia simbolista e generalização centrípeta que se vai limitando gradualmente até tropeçar numa hipótese concreta para significar.
Velhos favoritos como “sinto uma vibração” ou “sinto uma presença feminina” continuam a aparecer, por vezes em arrojadas combinações como “sinto a vibração de uma presença feminina”. A presença feminina vibratória podia perfeitamente ser Júlia Pinheiro que, após vários minutos de circunspecta tradução efectuada num volume praticamente humano parecia tão tensa como uma raquete de Roger Federer, mas Moita Flores decidiu fornecer a sua própria boquiaberta narrativa. A médium também topou logo, com admirável argúcia, que estava perante uma pessoa “muito ciosa da sua privacidade”, característica supostamente herdada da presença feminina vibratória, que agora envolvia Moita Flores com “asas de anjo”. Este feroz sentido de privacidade foi serenamente confirmado por Moita Flores - num estúdio de televisão e perante uma plateia, enquanto comunicava em diferido com a sua falecida mãe.
A médium transferiu de seguida a sua atenção para os membros do público. Uma pessoa foi informada de que alguém muito jovem pretendia fazer-lhe um link: "tenho uma vibração de muitas luzes fortes". Provavelmente uma daquelas janelas pop-up com publicidade a slot machines. Seguiram-se algumas sugestões vagas sobre alguém que estivera numa ambulância, ou possivelmente num hospital, onde "fizera muitos exames", expressão que, como sabemos através das escutas a Sócrates e Armando Vara, é código para "adquirir furtivamente um canal televisivo onde se fala com os mortos". Se se vier a provar que a extensão da conspiração para controlar os media inclui este tipo de comunicações, Pinto Monteiro ainda pode mandar destruir o Céu. Outro membro do público foi confrontado com uma fotografia que está, pelos vistos, sempre a cair - apenas a forma de o respectivo falecido dizer que está em casa. (Freddie Flinstone, salvo erro, usava o mesmo método, ainda quando estava vivo). Um motivo recorrente, aliás, era o tipo de manobras que os espíritos usam para sinalizar a sua presença: tombar fotografias, roubar brincos, espalhar penas de almofada pelo chão. Comportamentos típicos de uma criança na faixa etária dos 2-4 anos; provavelmente há espíritos que andam pela casa a roubar danoninhos do frigorífico ou a ligar a televisão no canal JimJam.
Tudo isto, evidentemente, e um bocadinho ridículo, pelos mesmos motivos que qualquer manifestação pública de extremos emocionais (amor, mágoa) é um bocadinho ridícula para qualquer pessoa que não os partilhe naquele momento. Eu, por exemplo, cada vez tenho mais dificuldades em ler poemas. Mas não me parece um sinal sociológico alarmante, nem uma razão forte para palmirasilvar a coisa, tentando sepultar a confusão debaixo de um pedagógico dilúvio de links para páginas do Skeptical Enquirer sobre "leitura a frio" ou "validação subjectiva".
Ao contrário do que parece pensar Carlos Fiolhais, este tipo de programa não é "profundamente prejudicial para as pessoas mais frágeis". As "pessoas mais frágeis" presentes no estúdio, aliás, pareceram-me todas extremamente satisfeitas com os resultados, e a forma como cada indivíduo decide processar o seu luto deve ser avaliada pela eficácia. Frágeis ou não-frágeis, quase todos nos encontramos em situações onde uma calibração da nossa incredulidade pode ter consequências positivas; como adepto de um clube condenado a ser dirigido nas próximas épocas pelo Cardeal Richelieu, eu sei isto melhor que ninguém.
O grande acto sobrenatural da noite foi mesmo o tom de voz de Júlia Pinheiro, cuja curva entoacional sofreu misteriosas variações que a destituíram de 70% dos seus decibéis habituais: nada de guinchos bruscos ou gargalhadas simultaneamente exdrúxulas, graves e agudas, sinal inequívoco de que um espírito familiar andou pelo estúdio antes do programa a esconder-lhe as anfetaminas.

terça-feira, março 23, 2010

"... And not least that of Voloshinov" (foto-reportagem doméstica)

Às 18 horas de hoje ("ontem", em terminologia humana), as minhas reflexões críticas sobre a futilidade inerente aos estratagemas da ficção pós-moderna para forjar autenticidade foram brutalmente interrompidas pelo som de pessoas a gritar fogo à janela. Mais um incidente provocado pelo incompreensível planeamento urbanístico português, que continua a construir edifícios em sítios onde um dia mais tarde há incêndios.



A resposta dos bombeiros foi rápida. Em menos de meia-hora, o Regimento de Sapadores, liderado por Ferris Bueller (foto abaixo) acolheu ao local, tendo negociado com sucesso sete viaturas mal estacionadas à porta da Pastelaria Alfacinha, um jogo de futebol à porta da mercearia, dezoito transeuntes libertários manifestando uma natural desconfiança sobre o papel do Estado, e dois pilares da EMEL.



O edifício em chamas, saliento, continuava em chamas, alguns metros à frente do espaço onde eu pondero a validade da solução meta-ficcional para os dilemas miméticos (sendo que a representação do real é sempre um acto de prestidigitação necessariamente parcial, modulado por uma entidade subjectiva - o eu - que não se pode representar a si própria sem que o processo colapse como um prédio devoluto) uma solução que implica simultaneamente representar e realçar os limites dessa representação.



Uma escada Magirus foi prontamente colocada à frente do restaurante Mesa de Frades, e erguida para a abóbada celeste, que permanecia altiva e azul-cinza, como Jesus.



É uma instituição muito especial, com créditos inigualáveis no scouting psicométrico, aquela que consegue substituir um sociopata moderado como Ricardo Sá Pinto por alguém que todas as evidências apontam ser uma mistura moderna de Robespierre e da professora da Helen Keller. Caso Costinha fosse director-desportivo em 1994, Cherbakov teria sido arrastado para o treino assim que os paramédicos conseguissem extrair a alavanca das mudanças do seu pâncreas, e teria jogado o 3-6 sob analgésicos, para bem da coesão do grupo. Quem sabe o rumo que a História teria seguido?



Entretanto o fogo continuava activo. Alguns residentes, alheios à coesão do grupo, exigiam cobardemente ser evacuados. As autoridades agiram de pronto, instalando um poderoso cordão moral para lhes bloquear a saída.



Um misterioso homem de capa fala com o pai do George.



Pouco depois das 19 horas, os bombeiros conseguiram finalmente controlar as chamas, com o auxílio de água e complexos tubos de borracha muito compridos, impedindo o alastramento aos edifícios contíguos.



«Anderson rightly upbraids linguistic or discursive imperialism, but he his himself too uncritical of Saussure, appearing to endorse his view of parole as some form of free individual contingency. On the contrary, discourse theory (and not least that of Voloshinov, in his Marxism and the Philosophy of Language) has revealed the rigorously constrained social determinations of all speech, the subject of which is never, as Anderson asserts, 'axiomatically individual' but always, as Bakhtin has shown, a dialogic subject.»



O fogo, nesta altura, desistiu, alegando não sentir a confiança e o oxigénio necessários para continuar a dar o seu contributo. Outros incêndios, em circunstâncias semelhantes, sacrificaram-se em nome da coesão do grupo, sabendo que o "nós" está acima do "eu".



O flagelo do trânsito citadino, e também um livro de Cynthia Ozick, que inclui os contos « Levitation» e «Usurpation (Other People's Stories)», sobre os quais eu tento reflectir um bocadinho, sempre que não há incêndios.



Uma profecia: num prazo máximo de seis meses, Costinha vai entrar em campo sozinho e o árbitro vai marcar um penalty a favor do Sporting, prontamente convertido pelo próprio. Vai tudo piar mais fino.

quinta-feira, março 11, 2010

He is unmarried, a keen ornythologist and motor-cyclist, goes to sea and likes shooting when he can


Como devem proximamente ter reparado, daqui a três semanas não vou ter conseguido actualizar o blogue nas últimas três semanas

O índice remissivo da colecção de ensaios de Zadie Smith (Changing My Mind) não inclui uma única referência a James Wood. Inclui nove referências a Hans van den Broek (personagem de Joseph O'Neill), catorze a Dorothea Brooke (personagem de George Eliot), uma referência a Thierry Henry (personagem de Arsène Wenger), uma a Joan Baez (personagem de Bob Dylan), uma a John Locke (personagem de João Carlos Espada), duas a Truman Capote (personagem de Truman Capote), e três a Jews (personagem de Pedro Arroja), mas nenhuma referência a James Wood em trezentas páginas, o que só é digno de realce porque o livro é essencialmente sobre ele.
Pelo menos dois dos ensaios são respostas explícitas ao programa estético de Wood, com passagens que estão comicamente próximas de serem notas de rodapé a parágrafos do tal ensaio sobre o "Realismo Histérico", e outras que estão perigosamente próximas de serem pastiches estilísticos. Wood tem um «the author's porous scout», Zadie Smith tem um «the narrator's flawless interpreter»; Wood tem um «drawn, like a larcenous banker, to raid again and again the very source that sustained him», Zadie Smith tem um «like a lapsed High Anglican, Netherland hangs on to the rituals and garments of transcendence»; Wood tem um «The house of fiction has many windows, but only two or three doors», Zadie Smith tem um "The novels we know best have an architecture. Not only a door going in and another leading out, but rooms, hallways, stairs, trapdoors, hidden pasageways, et cetera». E no entanto, a única coisa vagamente parecida com uma menção indirecta é uma referência lá para o meio aos "nossos críticos mais proeminentes".
O que se pode concluir é que James Wood e Zadie Smith são secretamente casados e que a sua relação já atingiu aquele patamar evolutivo em que se pode discutir durante horas através de insinuações e remoques cifrados sem nunca nomear a outra parte: «certas pessoas cá em casa não arrumam a louça como prometeram», etc. O livro é muito bom, ao contrário do futebol em geral. Há algo de profundamente errado com o futebol em geral.
Os livros de Bolaño também são muito bons, mas estou cada vez mais convencido de que há algo de profundamente errado com eles todos. O que é que pode haver de errado com livros que gostei tanto de ler (apesar de não ter a mínima vontade de os reler)? O que me parece é que os livros de Bolaño, tal como o meu interesse pelos livros de Bolaño, são produtos do acaso; o meu prazer ao lê-los foi totalmente determinado pela forma que a minha sensibilidade literária adquiriu. Com quase todos os outros livros de que gostei tanto, houve uma sensação de inevitabilidade (mesmo que falsificada): a minha personalidade poderia ser outra, mas o efeito seria semelhante. Mas a sensação que tenho com os livros de Bolaño - que são caóticos, que não fazem sentido, que apelam a uma parcela dessa sensibilidade alicerçada em arbitrariedades tão concretas como o facto de gostar muito de "livros sobre pessoas que gostam de livros" - é que a minha opinião sobre eles poderia ser radicalmente diferente caso tivesse usado umas meias de cor diferente na última terça-feira, ou tivesse jantado salmão em vez de lasanha ontem à noite. Continuo a achar que os livros são todos muito bons, que fique bem claro, mas esta aura de contingência é um bocadinho desconcertante para alguém que gosta de coisas predestinadas, como o amor, a eliminação do Real Madrid, ou as cíclicas tentativas do Luís Miguel Oliveira em descrever a realidade visível a personagens de Louis Braille.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Laura



Sobre as implicações éticas da publicação de The Original of Laura falarei oportunamente em sede própria (provavelmente numa esplanada), mas devo dizer que, como objecto artístico funcional, tem muito pouco que se lhe possa apontar.
São centro e trinta e oito fichas de arquivo manuscritas. As respectivas transcrições usam um tipo de fonte chamado Filosofia, desenhado pela senhora Zuzana Licko, esposa de Rudy VanderLans (dois nomes estupidamente nabokovianos). Cada uma das fichas é picotada, o que permite recortá-las e reorganizá-las; a utilidade desse gesto para a coerência narrativa é duvidosa, mas resulta num intrigante efeito colateral: proporciona um vazio no centro do livro com as dimensões certas para esconder dois maços de tabaco, e transforma o romance póstumo de Nabokov no instrumento ideal para visitar alguém na prisão. Se o nível exibicional do Sporting se mantiver nos próximos tempos, espero que tenham isso em conta (fumo Chesterfield lights).

sexta-feira, janeiro 22, 2010

So fucking cold


Ah, a farsa. Vou agora explicar-vos o segredo da boa farsa: o segredo da boa farsa é cercar o temperamento inadequado com as circunstâncias mais adequadas para revelar a inadequação desse temperamento. Esta simples fórmula de meter o homem certo no sítio errado foi utilizada para produzir algumas obras-primas da comédia, tais como a colocação de Basil Fawlty nas imediações de um hotel, David Brent nas imediações de uma empresa, Pacheco Pereira nas imediações de um partido político, e Ricardo Sá Pinto nas imediações de uma sociedade. Estou muito irritado com a situação do Ricardo Sá Pinto, mas não estou irritado com o Ricardo Sá Pinto. Ficar irritado com o Ricardo Sá Pinto faz tanto sentido como ficar irritado com o dióxido de carbono: ele anda cá para cumprir a sua função, que é produzir efervescência; a culpa dos acidentes é de quem o enfia na botija errada, ou, no caso em questão, lhe abriu indevidamente a porta da jaula.
Já temos um forte candidato a texto mais irritante do ano. Estou muito irritado com o texto, mas não estou irritado com o Christopher Hitchens. Ficar irritado com o Christopher Hitchens faz tanto sentido como ficar irritado com a fotossíntese: o homem é um cretino, sempre foi um cretino, e há-de continuar a ser um cretino enquanto houver dióxido de carbono.
É possível ver naquele panfleto anti-Vidal um caso extremo de projecção - uma espécie de roman à clef involuntário em que Hitchens cartografa o seu próprio declínio intelectual - mas nós somos melhores e muito mais profundos que isso, por isso é que andamos aqui todos metidos em blogues. A noção de projecção inconsciente é, de facto, amplamente justificada pelo texto - uma catástrofe de construção, argumentação e auto-flagelação: Hitchens acusa de Vidal de revisionismo paranóico ao acreditar que Roosevelt teve conhecimento prévio do ataque a Pearl Harbour, quando o próprio Hitchens andou anos a martelar a teoria revisionista paranóica de que Churchill teve conhecimento prévio do ataque ao Lusitania; Hitchens impugna Vidal (que viveu 40 anos com um judeu) com um “muito, muito leve” anti-semitismo, quando Hitchens, antes de descobrir as suas raízes judaicas já na meia-idade, foi um fervoroso apoiante de alguns negacionistas do Holocausto; etc. Mas esta sugestão de simetria é falsa, e está longe do essencial.
Vou agora explicar-vos o segredo do essencial: uma linha clara de declínio é a consequência natural de uma longa carreira. E os intelectuais públicos - tal como pugilistas profissionais ou líderes do PSD - parecem estar constitucionalmente impedidos de encenar vénias graciosas, especialmente aqueles que atrelam o seu método argumentativo a uma personalidade que depende da consistência e não das circunstâncias. Estilos mais dependentes de uma inteligência difusa e especulativa, que cortejam activamente o ridículo - como Norman Mailer: o melhor exemplo do mundo de todos os tempos de uma inteligência difusa e especulativa, que corteja activamente o ridículo - têm mais facilidade em mascarar este declínio, pois refundam-se para acomodarem cada tendência cultural. As suas especulações são demasiado irregulares para se detectarem padrões: a esperança é de que, por puro acidente estatístico, a catarata de disparates produza ocasionalmente algo que se assemelhe a profecia.
Hitchens não pertence a nenhuma destas estirpes, e uma linha clara de declínio é precisamente o que não se consegue encontrar nele: um gráfico da sua carreira não teria a forma de uma gradual curva descendente, mas sim de uma epiléptica sucessão de trambolhões. De cima para baixo, de baixo para cima, de baixo para mais baixo - qualquer movimento do homem é sempre um espalhanço. Tal como a Natureza, o debate de ideias abomina o vácuo. No espectro das posições teoricamente passíveis de serem adoptadas sobre qualquer assunto, o bom senso tende a deixar espaços em branco; "Christopher Hitchens" é a forma que a Natureza arranjou para os preencher. Tendo ancorado a sua ontologia na infalibilidade, mede a sua proximidade à razão pelo número de pessoas que pensam exactamente o contrário. Mais do que provar que outros estão errados enquanto ele está certo, Hitchens efectua as suas calibrações argumentativas e sacudidelas posicionais em resposta a um impulso mais primordial: alguém, algures, tem uma opinião que exige uma opinião contrária; e lá vai Hitchens a correr, aos berros, com um espelho na mão, bêbado gordo feio que é.
Gore Vidal é sóbrio, bonito, magro. Os seus soundbytes recentes não demonstram, em rigor, um declínio intelectual, mas um declínio retórico, o que é perfeitamente compreensível, e deveria ser varrido para debaixo do tapete por qualquer pessoa suficientemente adulta para compreender o conceito de gratidão: aquilo são transparentes reduções ao absurdo de fórmulas exaustas, ricochetes de uma pose mecânica que já não consegue fingir espontaneidade através de mestria retórica. “Gore Vidal” foi uma convenção literária concebida por Gore Vidal para ter sempre muita razão num mundo repleto de estúpidos. A convenção, no entanto, emancipou-se muito cedo, e decidiu permitir-lhe apenas escrever muito bem num mundo repleto de pessoas que escrevem mal: escrever muito bem naquele tom patenteável de alegre e incrédula exasperação, como quem relata os disparates de um filho cretino (sendo que o filho cretino é a raça humana). O deleite na imaginação do desastre é uma pose cheia de limitações, que a longevidade tende a agravar, pois perpetua um ciclo vicioso: a pose serve para expressar uma sensibilidade literária e intelectual cuidadosamente artilhada, mas também para validar as suas manifestações, pois se ela não fosse uma consequência natural das respostas aos factos, nunca lhe permitiria escrever tão bem (isto é uma falácia na qual caíram pessoas bem melhores que nós, pelo que não vale a pena empertigarmo-nos). Com o tempo, todas as energias criativas são empregues num único propósito: evitar que a personalidade encontre os prosaicos atritos da realidade, que às vezes fazem uma pessoa (menos eu, que sou realmente infalível) mudar de ideias. Estas personalidades, esculpidas com tanto afinco, deixam por fim de ter a elasticidade suficiente para responder às necessidades, numa altura em que já não há capacidade nem paciência para explorar tácticas novas; e afundam-se no seu próprio ADN, como as pessoas de idade.
Vou agora explicar-vos o segredo das pessoas de idade: as pessoas de idade envelhecem, tornam-se abruptas e inconvenientes, perdem uma fracção das maneiras e a totalidade do timing, lançam piropos a enfermeiras e dizem mal dos brasileiros, babam-se nas golas da camisa e chamam José ao Luís. O que as pessoas que ainda não são de idade fazem é ignorar tudo isto, mantendo um silêncio decoroso, porque um dia aquela pessoa de idade seremos nós, e vamos precisar da tolerância de quem nos ature. Não se aproveita a oportunidade para apontar, como quem descobre a pólvora, que o avô já não é o que era, ou para ganhar as discussões que se perderam quando as regras eram outras.
A entrevista ao Independent que provocou em Hitchens aquela falsa e sórdida indignação é uma entrevista a um homem com 84 anos, que já respondeu a todas as perguntas muitas vezes, e já não se dá sequer ao trabalho de olhar para as cábulas; um homem que sobreviveu à família, aos amigos, aos inimigos, ao companheiro de toda a vida, e às suas próprias pernas; um homem que costumava saudar entrevistadores com abusos pansexuais e citações de Cícero, e que agora se limita a dizer "It is so cold in here," he says, by way of introduction. "So fucking cold"." É um homem que conquistou o direito a ser este homem, e a ter frio, a ter muito frio. Confrontado com isto, Christopher Hitchens foi abrir mais janelas, porque ainda pode. Nem o Ricardo Sá Pinto, por amor de Deus. Nem o Ricardo Sá Pinto.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Vocês são daquelas pessoas que eu fui incapaz de transformar em checoslovacos?


Bom dia, alegria! O pior já passou, e tudo se resolveu: a password do blogger afinal era "Alexi_Lalas", entretanto alterada para o nome de um futebolista com menos internacionalizações. Creio não estar a extravasar as minhas competências ao lembrar-vos a todos que tiveram muitas saudades minhas, e que a minha ausência vos fez sofrer muito. As pessoas do Albergue Espanhol (um nome a duas curtas vogais de distância de ter como anagrama "pus-lhe gel no rabo") ficaram tão transtornadas que chegaram ao ponto de omitir este blogue da sua extensa lista de links, um gesto inadvertido e facilmente rectificável, mas que me comoveu profundamente.
Quanto ao número de Natal do Economist, no fundo o assunto que nos trouxe aqui hoje, não haverá dúvidas em apontar o artigo The Art of abandonment como o grande vencedor, seguido de perto pelos artigos Older and richer e Tongue twisters («Turks coin fanciful phrases such as “Çekoslovakyalilastiramadiklarimizdanmissiniz?”, meaning “Were you one of those people whom we could not make into a Czechoslovakian?”»).
Também manifestamente incapaz de transformar pessoas como o Abel e o Hélder Postiga em checoslovacos, a direcção do Sporting Clube de Portugal tem aproveitado os intervalos da sua agenda normalmente preenchida com actividades destinadas à opressão de casais homossexuais para "mostrar interesse" na contratação de jogadores de futebol. A situação apanhou-me desprevenido, mas deixa-me confiante no futuro. O Pedro Mendes e o Ruben Micael não preenchem as lacunas mais urgentes, mas se o interesse for real revela uma nova maneira de pensar o reforço do plantel. Mais ou menos desde 1997 que a contratação de jogadores para o Sporting é subordinada à elaboração de um perfil: um treinador fazia um relatório no qual lamentava a falta que lhe fazia um avançado rápido que desse largura ao ataque e contratava-se o Giménez; ou um ponta-de-lança corpulento para proporcionar um modelo de jogo mais directo, e contratava-se o Purovic. Andámos assim nove anos a gastar dinheiro não em atletas profissionais, mas em formas platónicas. O novo rumo assenta em premissas diferentes: gasta-se o dinheiro que houver (outro mistério: acho que não sou o único que começou a contar cartas no blackjack) em qualidade, sem entrar em considerações sobre o sítio onde ela posteriormente se enfia. O Pedro Mendes e o Ruben Micael têm poucas características em comum, a não ser o facto de ambos exibirem uma insólita propensão para passar a bola a colegas de equipa. Não cumprem as fantasias centimétricas e curriculares dos adeptos mais lúcidos (ando a sonhar com um trinco africano de dois metros de altura há tanto tempo), mas um meio-campo de tísicos em câmara lenta que não perdem a bola parece-me uma melhor base de sustentação de um clube que luta activamente pelo terceiro lugar do que um meio-campo de tísicos em câmara lenta que perdem a bola. Os melhores autores de contos de todos os tempos foram o Isaac Babel e o Leonard Michaels, mas isso é assunto para outro post, e eu vou escrever muitos, muitos posts este ano.

terça-feira, dezembro 01, 2009

Arthur a grammar


A notícia {citation needed} que começou numa promoção concebida pelos Mad Men {citation needed} do departamento de marketing do Sporting, e que se começou a transformar em qualquer coisa diferente numa manchete do jornal i, chegou ao meu telemóvel às 15:14 de hoje, com este aspecto: "O que é isto de nós agora sermos homofóbicos? Já leste aquilo?" Não vou sequer tentar descrever os momentos aflitivos que passei até ter conseguido decifrar o dédalo semântico constituído por estas duas descontextualizadas construções verbais, nem os múltiplos fantasmas interpretativos que os vocábulos "nós", "agora", "leste" e "aquilo" evocaram na minha frequentemente aprazível {citation needed} paisagem interior. Basta garantir que eu sou uma pessoa extremamente ocupada {citation needed} e não me posso dar ao luxo de perder tardes inteiras {citation needed} a preocupar-me com problemas que não existem.
O título da notícia do jornal i que inaugurou todo este imbróglio é o seguinte: «A grammar is forgotten that there is a dog». Peço desculpa, isto é uma frase de Gertrude Stein. O título da notícia do jornal i que inaugurou todo este imbróglio é o seguinte: «Discriminação? Promoção do Sporting exclui casais homossexuais {enorme, imensa, descomunal citation needed}».
Com toda a honestidade, o título não é falso, mas pegar-lhe por essa ponta needed de uma profusão de citations; a promoção a que o artigo se refere exclui efectivamente casais homossexuais - da mesma forma que exclui um par de homossexuais do mesmo sexo que não sejam um casal, da mesma forma que exclui um casal de heterossexuais que não sejam sócios do Sporting, da mesma forma que exclui um casal de heterossexuais com menos de 18 anos de idade, da mesma forma que exclui uma hipotética dupla familiar constituída por um tenente-coronel homofóbico chamado Ramiro e pelo seu filho Xavier, membro do núcleo Almadense do Ku Klux Klan. As condições especificadas no site do clube, e que o próprio artigo cita, nunca falam sequer em "casais", muito menos em orientação sexual:

PREÇO ESPECIAL PARA 2 SÓCIOS DE SEXO OPOSTO QUE ADQUIRAM A SUA GAMEBOX EM SIMULTÂNEO E PARA O MESMO SECTOR!

- Campanha válida para renovação de Lugares Especiais (LE DUO), renovação e compra de Gamebox Sócio (GB DUO) e aderentes à Campanha de Novos Sócios;

- O preço da GB DUO inclui os dois lugares (desconto aplicado no lugar da mulher);

- Obrigatoriedade de serem Homem e Mulher com mais de 18 anos de idade (Sócios Efectivos);

Confrontado com estas claras estipulações, o deputado Miguel Vale de Almeida fez a seguinte leitura: «If this was why they were to be the next to go to see the same that is that when that if that might that can that will be as likely as if compared». Peço desculpa, isto é uma frase de Gertrude Stein. Confrontado com estas claras estipulações, o deputado Miguel Vale de Almeida fez a seguinte leitura: «É absolutamente inaceitável. Pura maldade. Não há legislação que dê aval a uma discriminação dessas». (Suponho que a maldade foi descrita como "pura" para a distinguir daquelas outras maldades diluídas).
Tal como Gertrude Stein sempre revelou uma certa dificuldade em perceber que as discriminações impostas pelos conceitos de gramática, sintaxe e semântica não eram um ataque à sua liberdade pessoal, o Miguel Vale de Almeida também parece ter uma certa dificuldade em perceber que qualquer promoção ou actividade dirigida a um segmento limitado do público é, por definição, discriminatória. O Miguel Vale de Almeida e o seu parceiro não podem aderir a esta promoção pelos mesmo motivos que os impediram de defrontar a Carly Gullickson e o Travis Parrott na final de pares mistos do Open dos Estados Unidos. Esta promoção é oferecida apenas a sócios do clube, maiores de 18 anos, e de sexos diferentes. Quem não cumprir as condições estipuladas pelo Sporting para adquirir este produto específico, sejam casais homossexuais, sócios do Benfica, ou membros dos Ministars, não podem reclamar direito a ele, e terão de arranjar outra maneira de entrar no estádio - pagando o bilhete completo, aproveitando outra futura promoção, ou fazendo-se sócio, como eu, que nunca em quinze anos de quotas pagas consegui arrastar uma pessoa do sexo oposto para Alvalade, nem sequer com ameaças físicas {citation needed}. Se as condições fossem alteradas de forma a não discriminar os potenciais clientes que o Miguel Vale de Almeida acha que foram discriminados, a promoção ficaria reduzida a um "compre uma gamebox e tenha desconto na segunda", estratégia comercial que pode fazer sentido com os pacotes de ice tea do Lidl, mas que aplicada à venda de lugares para jogos do Sporting resultaria numa quebra de receitas inevitavelmente conducente à permanência de Pedro Silva no plantel até ao fim do calendário Maia, altura em que vamos todos morrer, menos as baratas e provavelmente o Pedro Silva.
O Sporting, por amor de Deus e de Freddie Mercury, não vedou o acesso ao estádio a casais homossexuais. Nem limitou os direitos fundamentais de nenhum casal homossexual, porque entre os direitos fundamentais de qualquer casal homossexual conta-se o direito de entrar no Alvalade XXI para observar as arrepiantes transições ofensivas da equipa principal, mas não o direito a usufruir de um desconto que, tal como os descontos para crianças, diplomatas e olheiros de clubes ingleses, não se aplica a eles.
A farsa, que poderia perfeitamente ter ficado por aqui, ganhou novas camadas de espessura esclerótica quando a direcção do Sporting decidiu interromper a prática da actividade para a qual tem menos competências (negociar contratações de treinadores com clubes em zona de despromoção), para se dedicar à segunda actividade para a qual tem menos competências (falar). Um dirigente foi prontamente encarregue de explicar ao jornal i que a campanha é "para mulheres e não para casais: as mulheres representam apenas 20% a 28% do público que vem ao estádio e considerámos ser um target interessante para a estratégia de aumento de sócios no Sporting". Quando confrontado com o facto de a promoção impossibilitar que o estádio se encha de lésbicas, o mesmo dirigente respondeu "Não pensámos nisso. Não está contemplado apenas porque não pensámos nisso".
Por amor de Deus, é óbvio que "não pensámos nisso". Há alguém que duvide que "não pensámos nisso"? Os dirigentes do Sporting têm um extenso e verificável currículo de "não pensámos nisso". A nossa longa história está pejada de momentos memoráveis em que "não pensámos nisso". Se eu tivesse de apostar todo o meu património na veracidade das declarações de um dirigente desportivo português, apostá-lo-ia sem hesitar num dirigente do Sporting que confessasse simplesmente que "não pensámos nisso".
Como é que o Miguel Vale de Almeida acha que a situação deve ser resolvida? Passo a citar: «There is some difference between having made it and carrying it about and how to use it and most of it is when they might be just as careful as ever». Peço desculpa, isto é outra frase de Gertrude Stein. Como é que o Miguel Vale de Almeida acha que a situação deve ser resolvida? Passo a citar: «Seria excelente enviar umas cópias da Constituição àquele clube de futebol. E, já agora, um belo processo.»
Eu percebo que o Miguel Vale de Almeida ache esta solução "excelente", mas posso garantir-lhe que, na lista de instrumentos de progresso que "seria excelente" enviar ao Sporting, um molho de exemplares da Constituição estaria significativamente abaixo de um lateral-direito que não padeça de nenhuma condição descrita no DSM - IV, um médio-defensivo de descendência africana com dois metros de altura e proveniente de uma tribo antropófoga, e um avançado cujo coeficiente de inteligência tenha pelo menos mais um dígito do que o seu índice de massa corporal.
Para ilustrar o que é, de facto, um caso de discriminação baseada na orientação sexual, os comentários deste blogue vão estar, durante o resto da semana, sujeitos a moderação, sendo que só serão aprovados aqueles escritos por casais heterossexuais maiores de 18 anos que achem que eu sou uma pessoa a todos os níveis brilhante {citation needed}.

Sanditon

Depois de "Jacobo e outras histórias", de Teresa Veiga, "Venâncio e outras histórias", de Joaquim Paço d'Arcos. É o segundo livro com um título da forma "[nome próprio masculino] e outras histórias" que eu leio num curto espaço de tempo. Alguém me saberá recomendar outro livro cujo título respeite este requisito formal?

(um blog sobre kleist)

Além do quase extinto Peter and Other Stories, da Willa Cather, há um livro de contos muito bom, de um escritor novinho e muito promissor chamado David Bezmozgis, que fica apenas a uma genitoplastia masculinizante do requisito formal exigido pelo Alexandre: Natasha e outras histórias, editado em Portugal, salvo erro, pela Teorema. Se a pergunta tivesse sido feita aqui há uns quatro anos, é provável que a minha resposta embaraçosa tivesse incluído uma referência a um livro da Jane Austen (que comprei, mas nunca cheguei a ler), intitulado Sanditon and other stories. Durante muito tempo, limitei-me a assumir que "Sanditon" era o título do romance inacabado de Jane Austen porque, tal como a Emma de Emma, a protagonista era uma jovem solteira e intrometida chamada Sanditon, por nenhum outro motivo que não o facto de Sanditon me parecer um nome eminentemente razoável para uma protagonista de Jane Austen. Sanditon, afinal, é o nome da cidade, mas o meu erro, ainda assim, não é sequer comparável ao erro daqueles que - como o Dave Eggers ou a gaja do Lost in Translation - caem em armadilhas onomásticas e passam uma vida inteira convencidos de que George Sand e George Eliot eram homens ou, pior ainda, que Evelyn Waugh e Gertrude Stein eram mulheres.