terça-feira, outubro 31, 2006
We Await Silent Tristero's Empire
Durante o meu primeiro ano em Edimburgo, devo ter recebido perto de três dezenas de cartas endereçadas a um senhor Alistair Crump. Garantiu-me a agência imobiliária que não tinha qualquer registo de um inquilino anterior chamado Alistair Crump. No posto local do Royal Mail expliquei a situação. Garantiram-me que não voltaria a receber as cartas do senhor Alistair Crump. Uma semana depois, recebi nova carta para o senhor Alistair Crump. Esta sequência repetiu-se várias vezes. Por fim, acabei por mudar-me, mas, tanto quanto sei, os inquilinos que me sucederam continuaram a receber a volumosa correspondência do senhor Alistair Crump.
Na manhã de hoje, a quinhentas milhas de Edimburgo, recebi um envelope - em meu nome - contendo dez postais com ilustrações de cariz natalício, feitas por membros da Association of Mouth & Foot Painting Artists (AMFPA). Apesar de todo o respeito e solidariedade que a organização me merece, nunca subscrevi uma das suas newsletters ou encomendei qualquer um dos seus produtos. Desconheço os meios através dos quais eles obtiveram os meus dados.
Um dos ilustradores - que pintou com a boca um enorme castelo cinzento afundado em neves festivas - chama-se Alistair Crump.
Perante situações destas, que afagam sedutoramente a minha apofenia, não há chocolate que alivie os tremores, nem exercícios respiratórios que dissipem a insónia. Se nesta altura tivesse a oportunidade de observar uma noz ao microscópio, quem me garante que não encontraria, como Strindberg, um par de mãos enlaçadas em fervorosa oração? E, já agora, não é ainda um bocadinho cedo para postais de natal?
É nestas alturas que me sinto tentado a voltar a ler as inscrições nas paragens de autocarro, à procura de pistas, de sinais.
domingo, outubro 29, 2006
«The Death of the Lion» (2)
Temos a básica confusão de indentidades Shakespeareana:
«"Dora Forbes, I gather, takes the ground, the same as Guy Walsingham’s, that the larger latitude has simply got to come. He holds that it has got to be squarely faced. Of course his sex makes him a less prejudiced witness. But an authoritative word from Mr. Paraday - from the point of view of his sex, you know - would go right round the globe. He takes the line that we haven’t got to face it?"
E neste diálogo, que podia (com muito boa vontade) sugerir uma sitcom contemporânea, notem o timing perfeito da interrupção:
«I declared to Lady Augusta briefly that nothing in the world can ever do so well as the thing that does best; and at this she looked a little disconcerted. But I added that if the manuscript had gone astray our little circle would have the less of an effort of attention to make. The piece in question was very long - it would keep them three hours.
Há ainda um horrendo e memorável trocadilho - que Pynchon não desdenharia - envolvendo um versículo da profecia de Isaías e um prato de carne de borrego.
Agora liguemos a televisão.
«The Death of the Lion» (1)
O narrador da história é um jornalista, destacado para escrever um perfil do escritor Neil Paraday, e que, por razões sempre intrepidamente ambíguas - até para ele - desiste da missão inicial e se vai infiltrando na vida de Paraday, como confessor e protector. Que a protecção é necessária, o leitor nunca duvida. Paraday vê-se, de um momento para o outro, famoso, celebrado; «the poor man was to be squeezed into his horrible age», nas palavras do narrador. As exaltações públicas acumulam-se, perfis e retratos são encomendados, e a alta sociedade londrina adopta-o - como acessório cultural para soirées. O processo vem a ter consequências desastrosas, para ele e para um texto seu ainda por completar, que poderia ter vindo a ser a sua obra-prima, mas que acaba por desaparecer, tragado por aquele ciclone social.
Lendo o conto hoje pela segunda vez, insinuou-se-me uma alternativa extraordinária: o incidente é falso. O confronto com Mrs Wimbush nunca aconteceu e o rasgo de análise proveio de si próprio. Incapaz de o resguardar na privacidade da sua consciência, acaba por partilhá-lo com o destinatário da carta ( e com o destinatário do conto, que somos nós) sub-alugando-o a uma intuição alheia.
Henry James é a melhor dor de cabeça que a Literatura proporciona.
Are you talking to me?
Peacocks rule
O senhor Morel escreveu uma coisa muito boa sobre a Flannery O'Connor. Mas depois escreveu outra coisa ainda melhor. Agradeço.
sábado, outubro 28, 2006
Esta noite ouve-se
When you were young you were the king of carrot flowers
And how you built a tower tumbling through the trees
In holy rattlesnakes that fell all around your feet
And your mom would stick a fork right into daddy's shoulder
And dad would throw the garbage all across the floor
As we would lay and learn what each other's bodies were for
And this is the room one afternoon I knew I could love you
And from above you how I sank into your soul
Into that secret place where no one dares to go
And your mom would drink until she was no longer speaking
And dad would dream of all the different ways to die
Each one a little more than he could dare to try
Neutral Milk Hotel, «The King of Carrot Flower, pt I», In the Aeroplane Over the Sea.
quinta-feira, outubro 26, 2006
Físico-Química
Desconheço as repercussões que este naco de desinformação veio a ter nas vidas futuras dos alunos, mas sei que a professora em questão foi repreendida pelo Conselho Directivo, até porque o "dedonatestagate" surgiu já depois de alguns inquéritos nervosos de membros da Associação de Pais, que queriam saber porque é que os meninos emergiam das aulas práticas de 5ª-feira a falar de anjos e discos voadores em vez de electrões e bicos de Bunsen.
(Um aforismo para as massas: sabemos que ainda não amadurecemos quando não conseguimos escrever "bicos de Bunsen" sem soltar um risinho pueril).
Uma coisa é certa: por motivos vários, que não vou aqui escalpelizar, uma rubrica intitulada "Os Meus Professores" nunca terá espaço para crescer neste blog. Mas não é por falta de material. Só do Professor Cardoso haveria dezenas e dezenas de incidentes para relatar, todos eles com a capacidade para deleitar e instruir. E da Professora_ (Odete? Bernardete?) outras tantas.
Não sei se ela chegou a falar do planeta Sirius na aula. Ou da conspiração dos Illuminati. Ou de Nikola Tesla. Ocupado como estava a encostar os dedos a testas alheias, confesso que não me lembro de muita coisa.
Mas lembro-me da Segunda Lei da Termodinâmica, cuja hábil formulação pelo Senhor de Todo o Mal nunca é demais relembrar: "A entropia de qualquer sistema isolado tende para aumentar ao longo do tempo, aproximando-se de um máximo". E isto, caro leitor, não é uma boa notícia para ninguém.
Coisas que provavelmente aconteceriam se o Universo fosse regulado pelas mesmas leis que regem a música Country
. a distribuição de Maxwell-Boltzmann para um gás ideal de N moléculas teria dificuldades em impor a sua relevância perante a mágoa irascível do marido de Sally-Ann;
. a chuva tombaria ininterruptamente sobre o Modelo das Partículas Fluidas, misturando-se com as suas lágrimas;
. um electrão perdido numa estrada secundária perto de Denver, Colorado seria incapaz de arranjar boleia;
. a Via Láctea afastar-se-ia de guitarra na mão, ignorando a Lei de Hubble-Homason, e sem nunca olhar para trás.
quarta-feira, outubro 25, 2006
Obrigação estatutária
Dadas estas circunstâncias, sempre achei que no dia em que um leitor se virasse para mim e dissesse "Sabes, Casanova, ainda hei-de ver no teu esplêndido blog um link para um texto do Aspirina B sobre o Miguel Sousa Tavares" eu responderia de imediato "Que disparate, leitor! Não o faria!"
Mas o link aqui fica, em conformidade com a alínea 3 do artigo II dos estatutos do Pastoral Portuguesa, que me obriga a referir qualquer texto em português onde o Moby Dick e o Gravity's Rainbow sejam mencionados na mesma frase.
(Espero agora que outros blogs não desatem a fazer referências gratuitas ao Herzog, Mating, «The Beast in the Jungle» ou To the Lighthouse, tentando aproveitar-se das alíneas 4 e 5 do mesmo artigo)
Grandes Portugueses
Buttercup wisdom
Things are seldom what they seem,
Skim milk masquerades as cream;
Highlows pass as patent leathers;
Jackdaws strut in peacock's feathers
Black sheep dwell in every fold;
All that glitters is not gold;
Storks turn out to be but logs;
Bulls are but inflated frogs
HMS Pinafore
(É verdade, Buttercup. Por exemplo, o som que se ouve nos primeiros segundos da canção «Groovin'», dos Young Rascals, parece ser o canto de um canário. Mas não é. Não é.)
terça-feira, outubro 24, 2006
Adenda ao post anterior
. tenho a firme convicção de que o Rodrigo Tello merece neste momento o estatuto de titular indiscutível, seja em que posição for;
. tenho a firme convicção de que o Scott Walker mete o Jacques Brel num chinelo de senhora;
. tenho a firme convicção de que há certas tonalidades de amarelo que, por se desviarem tanto do que entendemos por amarelo numa sociedade civilizada, mereciam uma designação diferente, e não apenas uma variante hifenada.
Madrugada avulsa
(O incidente, já agora, veio-me à memória porque acabei de jogar uma partida de xadrês contra mim próprio, na qual fui sumariamente derrotado; posso não ser o meu mais temível adversário, mas sou certamente o meu mais temível adversário).
Serve este preâmbulo para justificar a minha relutância em usar o blog para opinar sobre matérias "correntes". Não há qualquer alínea nos estatutos do "Pastoral Portuguesa" que me proíba de falar em referendos, manifestações e outros temas de interesse público. O receio de incorrer em polémicas estéreis e prolongadas com terceiros também é quase nulo. O que me apavora é a possibilidade de dar voz a um ponto de vista tão objeccionável que me impeça de voltar a olhar para mim próprio da mesma maneira.
A propósito, no dia 24 de Outubro de 1966, morria em Moscovo (de diabetes) a matemática russa Sofya Yanovskaya. Foi ela quem persuadiu Wittgenstein e Francis Skinner a abandonarem a sua curta aventura Soviética em 1935.
Não sei que extenso novelo Histórico esta singela acção terá desenrolado, mas de uma coisa estou certo: tenho sono e não consigo pregar olho. Não há quem me receite uma mezinha?
Esta noite ouve-se
well they sent back all the bodies
who were looking really hopeless
well it didn't seem that callous
till they stopped you in your flow
she's surrounded by her wardens
and they're looking really nervous
all about the man from reuters
here to nullify your glow
everything you say will destroy you
- anyway
everything you say will come haunt you
round each corner
everything you say will destroy you
well you may think that you're buddha
sitting on a mound of ashes
you were mentioned in the postscript of
dispatches anyway
and the major's really nervous
when he's walking round the airport
you know your master's card is marked
your upstart charge is cool and smart
everything you say will destroy you
- anyway
everything you say will come haunt you
round each corner
everything you say will destroy you
your unwanted suitor
leaves his things around your home
he's marking out his territory
he's pissing on your answerphone
well you may think that you're buddha
lying on a mound of ashes
you were mentioned in the postscript
of dispatches anyway
(Luke Haines & The Auteurs, «Everything You Say Will Destroy You», After Murder Park)
domingo, outubro 22, 2006
Coleridge
Nascia a 21 de Outubro de 1772, um dos grandes esgazeados da nossa Espécie, e um dos amigos deste blog. Se consultarem uma enciclopédia qualquer é provável que o encontrem definido como poeta, crítico literário, teólogo, filósofo, formulador de uma teoria estética revolucionária, entre outros disparates. Mas rogo-vos: entalem o bocejo e continuem a ler. Vasculhem até, se estiverem para aí virados (e tiverem os mesmos problemas em adormecer que eu tenho) a biografia de 2 volumes escrita pelo Richard Holmes. Depois leiam o que o próprio Coleridge teve a dizer sobre a sua vida. Nas cartas, nos Notebooks, e especialmente na Biographia Literaria - a autobiografia mais exuberantemente espatafúrdia da Literatura, que ainda por cima vem mascarada de "teoria" literária. Prometo-vos um fartote dos antigos.
(Nota: em homenagem ao estilo de quem tenta homenagear, este texto foi escrito de madrugada, sem método, sem quaisquer esquemas ou notas auxiliares , e sob a influência de - à falta de ópio - copiosas quantidade de Coca-Cola fora de prazo. Por uns instantes ainda considerei a hipótese de fazer umas rimas, mas isso já seria abusar da minha própria paciência, quanto mais da vossa.)
sábado, outubro 21, 2006
O Blog de Coleridge (III)
(Nota escrita pelo mestre da divagação gratuita, na margem de uma antologia de poemas de John Donne. "his Soul was geographically slandered", já agora, é o que eu quero na minha lápide...)
A vida corre-me mal por isto, e isto, e isto...
«A lover's task is what Peter meant: something he could do to demonstrate to Katherine that he loves her like life and language themselves despite mosquitoes, heat, humidity, her parents' trying unsuccessfully not to be a bother, precious little sex since Kath's on the cusp, no tennis but brutal with macho male Sherritts all save Andy the youngest of whom blow him off the family court in straight sets, every day less swimming in Sherritt Cove, less windsurfing and waterskiing out in Goldsborough Creek, because on each new tide the sea nettles move a bit farther in like a billion old condoms with their miserable sting and beautiful name, Chrysaora quinquecirrha, which means five-filamented gold-edge but ought to mean God's five-month curse upon the Talbot County Gold Coast, no respite from Kathy's old prep-school and college chums, family friends, and fellow ASPS (American Society for the Preservation of Storytelling), swarming like sheepflies on Nopoint Point, including her onetime (one time) lesbian lover, a black-belt balladeer and sometime pain in our marital tush, though Kathy won't hear May Jump spoken ill of except by Peter in extremis. And more.»
(Oferece-se agora uma tablete de Cadbury's Dairy Milk [o Lindt & Sprüngli escasseia e tenho, como a formiguinha da fábula, um longo Inverno à minha frente] ao primeiro leitor a identificar correctamente o fragmento, sem recorrer à batota do google. Tablete adicional para quem conseguir detectar a pequena alteração ao texto original, maliciosamente introduzida pelo transcritor, que é danado para a brincadeira e está a ter grandes dificuldades nisto do "adormecer".)
sexta-feira, outubro 20, 2006
No comboio
Aqui ficam alguns pormenores que me teriam passado despercebidos caso estivesse embrenhado nos desvarios fictícios de algum narrador de bolso:
. uma rapariga envergando uma saia curta de um material que me pareceu poliéster (mas que podia muito bem não ser) cruzou e descruzou as pernas sete vezes num período certamente inferior a cinco minutos;
. um indivíduo de sobretudo cinzento e gravata amarela lia, com palpável desdém, um artigo de opinião no Daily Telegraph sobre a problemática da integração muçulmana na sociedade britânica;
. alguém desenhara um rudimentar cavalo (ou um touro), completo com pénis desproporcionadamente grande, por cima de um cartaz prometendo aos jovens dinâmicos excelentes perspectivas de carreira no ramo da revisão de títulos de transporte;
. num terreno de pasto entre as estações de Longbridge e Alvechurch, um rebanho de ovelhas assumiu uma disposição que, durante escassos segundos, me sugeriu o símbolo do Sporting, o que me fez entoar em voz alta o nosso mote centenário: "Esforço, Dedicação, Devoção e Glória!", para consternação dos restantes passageiros;
. hoje, julgo que pela primeira vez desde a escola primária, calcei peúgas desirmanadas.
Where is Ms Bobone when I need her?
Enfim, a senhora do Bomba Inteligente (uma página algo intimidante, a que acederia com muito mais frequência se soubesse como desactivar os assustadores ficheiros de som sem ter de colocar o meu sistema inteiro em mute) colocou-me no seu espaço de "destaques" diários. Interpretei imediatamente o gesto como um elogio. Mas depois do lanche, analisando a situação mais a frio, recordei o meu professor de Francês na Luísa de Gusmão (o deveras intimidante Professor Cardoso) que também tinha por hábito "destacar" largas secções dos meus testes escritos. E nenhuma das suas notas marginais traduzia uma intenção elogiosa. Portanto fico na dúvida. Mas em todo o caso, como disse ao Professor Cardoso no final do 9º ano, desculpe, obrigado por tudo, e desculpe.
Já o senhor do Tradução Simultânea, um dos blogs que visito com assiduidade, referiu-se a este espaço em termos embaraçosamente inequívocos. O senhor do Tradução Simultânea é claramente uma pessoa de bem.
Linha editorial
A todos os leitores que se têm queixado do enfraquecido caudal de fotografias de gatinhos e de mulheres que não moram na minha rua, o "Pastoral Portuguesa" pede paciência, confirmando que a linha editorial se mantém a mesma, ainda que, por vezes, seja necessário acumular intenções em espaços reduzidos.
Encíclica
Não. O Anticristo (que está vivo, e entre nós) é Rudolf Clausius. Sadi Carnot é o Falso Profeta. Papel que, de resto, não deve ser, de forma alguma, menosprezado.
Sub-empreitada
A firme intenção de não abrir um precedente estilístico coíbe-me de alinhavar quaisquer comentários sobre o jogo de quarta-feira em Alvalade.
Mas não me impede de subscrever comentários alheios. Recomendo aos eventuais interessados que se despachem a ler o texto antes que o seu temperamental autor os oblitere (os comentários, não os interessados).
Insónia
Mas tenho a certezinha absoluta de que o estalar de fogos-de-artifício a esta hora, a 5 metros da janela do meu quarto, não contribui em nada para melhorar a situação.
quinta-feira, outubro 19, 2006
quarta-feira, outubro 18, 2006
"...restricted to the point of non-existence..."
Um excerto da sua palestra pode ser lido hoje no The Guardian.
Notícias do Reino
A rapariga que contou esta história a duas colegas indiferentes, lambia com inusitada sofreguidão um gelado de baunilha, apesar das baixas temperaturas que se começam a fazer sentir, e continuou a fazê-lo já dentro do autocarro, apesar de isso ser claramente proibido pelos regulamentos da Travel Midlands, como comprovam os avisos em vermelho-vivo espalhados pelos dois pisos do autocarro em questão (um dos quais, ironicamente, mesmo diante do lugar escolhido pela transgressora).
aspas aspas
"Não julgues que uma memória melhor te vai resolver os problemas sociais. Eu sei as datas de aniversário de todos os meus amigos e familiares, mas como nunca sei em que dia estou, acabo por ficar na mesma."
O que fazer, perante tal panorama, senão suspirar? Por vezes, quando pondero estas coisas, só tenho vontade de repetir umas linhas de um certo conto de Fitzgerald, que viriam certamente iluminar esta matéria, mas das quais, infelizmente, não me recordo.
terça-feira, outubro 17, 2006
Mitridatismo
Na primeira semana, ler um conto de Henry James. Na segunda semana, ler dois contos de Henry James. Na terceira semana, ler...
Ir aumentando gradualmente as doses até ao Natal, e encetar a leitura de The Ambassadors no dia 1 de Janeiro de 2007, sem receio de intoxicação.
segunda-feira, outubro 16, 2006
E já agora
"Tu lembras-te muito bem do que é que eu disse"
Especialmente enfadonho quando o tenho de repetir a pessoas que se lembram muito bem que eu já lhes expliquei isto anteriormente.
domingo, outubro 15, 2006
1º Concurso "Pastoral Portuguesa"
Wikipedia is bad for you
O meu propósito era simples: encontrar uma boa foto de Bridget Moynahan, uma das actrizes mais bonitas que vi num ecrã de televisão nos últimos tempos. Estava tudo a correr bem. Aprendi que ela tem a tatuagem de uma lua verde no tornozelo e que, no liceu, atacou uma colega com uma rede de lacrosse. Os problemas começaram aqui: não tinha bem a certeza do que raio era lacrosse. Na minha resoluta ignorância sobre qualquer desporto que nunca tenha sido praticado pelo Sá Pinto, pelo Ivanisevic ou pelo Capablanca, imaginei uma coisa com cavalos e tacos compridos, mas sem balizas. Carreguei no link para confirmar. Feita a confirmação (não há cavalos nem tacos) lancei-me de cabeça para a página sobre Jean de Brébeuf, o missionário jesuíta que trouxe o jogo para a Europa depois de ter visto os Iroquois a jogar uma partidinha entre massacres. Esperem lá, Iroquois? Isto parece-me interessante... e por aí fora.
Utilizo a internet há seis anos e ainda não aprendi as duas regras cardinais: parar ao terceiro link, e nunca deixar comida no forno. Assim não há alarme de incêndio que resista.
Mas enfim, perguntem-me o que quiserem sobre o profeta Handsome Lake, Quakers, ou serviços de ambulâncias voluntários.
Capitalismo selvagem
Nas férias grandes de 1989, aproveitando um raro momento de distracção de um adversário volátil mas sempre leal, ergui um hotel na Rua do Ouro (Verde - Lisboa) quando nela tinha apenas três casas.
Amigo, desculpa.
Pódio
Actualização
sábado, outubro 14, 2006
Uma dica do Edgar
Pesadelo II
Pesadelo I
Se isto não é um sinal de que preciso respirar fundo, acalmar-me e passar a comer mais vegetais, não sei o que é que será um sinal de que preciso respirar fundo, acalmar-me e passar a comer mais vegetais.
Kramnik
Kramnik venceu o tie-break, com muita retenção de líquidos e um pouco de sorte à mistura. Na conferência de imprensa pós-encontro, revelou que estava desejoso de "se ir embebedar com os seus amigos" e que iria depois concentrar-se no jogo contra o programa de computador Deep Fritz em Novembro.
Quanto ao derrotado Topalov, vai agora dedicar mais tempo a melhorar a sua imitação de um boneco de neve parcialmente derretido.
sexta-feira, outubro 13, 2006
Pamuk
... meanwhile, back in Kalmykia
Big Muzzy would never do this
Falo de algo que a honestidade antropológica não me permite definir como tendência, apesar de já me ter acontecido dezenas de vezes neste país: a propósito de nada perguntarem-me "como se diz isto na tua língua?"
Ora, há um número restrito de vezes que um gajo pode explicar a estrangeiros a pronúncia correcta de algo tão inócuo como "bom dia" antes de se aborrecer. Por isso, lá para 2002 (deve ter sido em Abril, quando a bolha do tédio incha mais) passei a ensinar frases erradas. Primeiro o disparate, e depois (inevitavelmente) o palavrão.
É um vício. Sou o primeiro a admiti-lo. E, como todos os vícios, pode parecer infantil, supérfluo e desagradável, especialmente a terceiros que não o partilham. Mas o logro agarra. Diverte. Além disso, já estou muito bom na coisa para me reformar agora.
Portanto, da próxima vez que forem abordados em Lisboa por um sorridente cidadão britânico, e este vos pergunte, com sotaque bastante aceitável, se a vossa sogra gosta de felar dromedários no deserto, tenham calma e não pensem mal do "bife". Provavelmente, é apenas um amigo meu a perguntar por um bom restaurante.
Quando acometido por crises de sinestesia literária...
quarta-feira, outubro 11, 2006
The Education of Franz Kafka
(Franz Kafka, num fabuloso "momento Henry Adams")
What could have been
(Um amigo meu, que sabe o que diz.)
O disco da casa
I fall in love with someone new practically every day
but that's ok
It's just the price I pay for being a man
(if that' really what I am)
And I refuse to take it all too seriously
It's such a strange activity
far too peculiar to be taken any other way
(Divine Comedy, «In and Out of Paris and London», da obra-prima que é Casanova)
terça-feira, outubro 10, 2006
The Kenosha Kid
(1)
Did I ever bother you, ever, for anything, in your life?
Yours truly,
Lt. Tyrone Slothrop
Dear Mr. Slothrop:
You never did.
The Kenosha Kid
(2)
Smartass youth: Aw, I did all them old fashioned dances, I did the “Charleston,” a-and the “Big Apple,” too!
Old veteran hoofer: Bet you never did the “Kenosha,” kid!
(2.1)
S.Y.: Shucks, I did all them dances, I did the “Castle Walk,” and I did the “Lindy,” too!
O.V.H.: Bet you never did the “Kenosha Kid!”
(3)
Minor employee: Well, he certainly has been avoiding me, and I thought that it might be because of the Slothrop Affair. If he somehow held me responsible—
Superior (haughtily): You! Never did the Kenosha Kid think for one instant that you...
(3.1) Superior (incredulously): You! Never! Did the Kenosha Kid think for one instant that you...?
4)
And on the mighty day on which he gave us in fiery letters across the sky all the words we’d ever need, words we today enjoy, and fill our dictionaries with, the meek little voice of Tyrone Slothrop, celebrated ever after in tradition and song, ventured to filter upward to the Kid’s attention: “You never did ‘the,’ Kenosha Kid!”
(5)
Maybe you did fool the Philadelphia, rag the Rochester, josh the Joliet. But you never did the Kenosha kid.
(6)
(The day of Ascent and sacrifice. A nation-wide observance. Fats searing, blood dripping and burning to a salty brown...) You did the Charleston stoat, check, the Forest Hills foal, check. (Fading now...) The Loredo lamb. Check. Oh-oh. Wait. What’s this, Slothrop? You never did the Kenosha kid. Snap to, Slothrop.
( . . . )
Slothrop: Where is he? Why didn't he show? Who are you?
Voice: The Kid got busted. And you know me, Slothrop. Remember? I'm Never.
Slothrop (peering): You, Never? (A pause.) Did the Kenosha Kid?
Vê como bate o meu coração alcalino
Onde as Energizer, Panasonic e Thomson sobreviviam entre seis a oito rotações completas da playlist do mp3, estas aguentam catorze, quinze, até mesmo - juro - dezasseis. Ando danadinho para lhes tecer louvores públicos.
O dilema é o seguinte: uma parte de mim (a mesma patética repartição mental que me leva a vestir como um labrego ensebado para certas partidas de futebol porque "estas são as roupas da sorte") receia que a magia das pilhas se acabe no momento em que revele o nome dos feiticeiros.
Chega um gajo ao século XXI para dar consigo a pensar desta maneira.
segunda-feira, outubro 09, 2006
O blog de Moisés (II)
Evangelismo
Stulta est gloria
Casanova, o útil
domingo, outubro 08, 2006
Birmingham - trilha sonora
"... Só quero realçar que eu não subscrevo aquela onda toda da autenticidade e do real; para mim, o real é um espaço interno que pode ou não ser partilhado, tipo, a níveis diferentes, estás a ver?..."
(23:12)
"... Sou perfeitamente capaz de falar com idiotas, mas apenas com um de cada vez..."
(23:45)
"... o seu olho fixava-me; parecia oco, a pupila suspensa no vazio, até que um feixe de luz incidiu nele, reflectindo tudo o resto. O efeito foi aflitivo: como ver uma cavidade encher-se de portentos..."
(00:49)
"...cancro! E logo a mim!..."
(01:36)
"... Se calhar o melhor é o pessoal ir para casa...
Qual ir para casa qual quê? Passei a vida inteira a ir para casa: sempre foi a pior parte da manhã. Nada do que eu quero está em casa. A casa nunca me alegra. E palpita-me que ela também não rejubila quando eu meto a chave à porta. Não. Isso de ir para casa é para outros, comigo não funciona. O exterior que me ature, há muito espaço livre por aí, fora de casa.
Olha, vem lá um táxi..."
Esta noite ouve-se
I said, Mama, he's crazy and he scares me
But I want him by my side.
Though he's wild and he's bad, and sometimes just plain mad
I need him to keep me satisfied.
I said, Papa, don't cry cause it's all right,
And I see you in some of his ways.
Though he might not give me the life that you wanted
I'll love him the rest of my days.
I said, Brother, you speak to me of passion.
You said never to settle for nothing less.
Well, it's in the way he walks, it's in the way he talks;
His smile, his anger and his kisses.
I said, Sister, don't you understand?
He's all I ever wanted in a man.
I'm tired of sitting around the T.V. every night
Hoping I'm finding a Mr. Right.
He says, Baby, don't listen to what they say.
There comes a time when you have to break away.
He says, Baby there are things we all cling to all our life.
It's time to let them go and become my wife.
Misguided Angel hanging over me.
Heart like a Gabriel, pure and white as ivory.
Soul like a Lucifer, black and cold like a piece of lead.
Misguided Angel, love you 'til I'm dead.
O blog de Moisés (I)
quinta-feira, outubro 05, 2006
6 de Outubro, 1910
Não sei de figura mais encharcada em pathos que a do monarca exilado. Bonaparte a coxear por Sta. Helena, o Rei Hussain a apaixonar-se por uma égua ao sol de Chipre, os Habsburgos a apodrecerem no Funchal, desdobrando-se em ineptas séances nocturnas às quais teimavam em comparecer os espíritos errados.
Feriado silencioso
quarta-feira, outubro 04, 2006
Eram vinte acções da Hartford, por favor
The sea was not a mask. No more was she.
terça-feira, outubro 03, 2006
I dream of cherry pies, candy bars and chocolate chip cookies
O outro
Queria enviar-lhe um abraço transatlântico e dizer-lhe que, se ele estiver interessado, tenho experiências de vida para a troca.
Numa Economia Planeada isto não acontecia
Não querendo tecer quaisquer considerações sobre o consumidor-alvo, há, contudo, uma questão que me parece relevante: a não ser que a mesma companhia se dedique também ao fabrico de um tipo de cigarro que obedeça aos mesmos princípios, o artigo não será um bocado supérfluo? De que me serve conseguir acender o isqueiro na próxima visita do Gordon se o Marlboro teima em se apagar logo de seguida?
(Nota: o lojista evitou estas minhas perguntas/observações com um nível de serenidade visivelmente decrescente)
segunda-feira, outubro 02, 2006
O autocarro vermelho e o choque dos bules
A incomparável Cynthia Ozick, que viaja ainda pior do que eu, descobriu assim a minha cidade. Ofereço o seu testemunho como esclarecedora adenda e lúcido epílogo à minha passagem por Bruxelas.
(Nota: o texto completo está incluído na recolha de ensaios Metaphor & Memory, de 1991)
(Nota 2: não me vou casar com Cynthia Ozick, apesar dos seus pedidos insistentes)
Revisão do BI
Seguindo uma fórmula actualizada - que exclui igualmente todo o tempo que passei a ver televisão, a jogar computador, a esforçar-me por perceber a importância de John Coltrane, e a tentar reparar as persianas cinzentas de uma janela de cozinha em Alverca - eu completei hoje dezoito anos.
Parabéns, portanto, a mim.
Ego pendente
Senhores engenheiros: ao trabalho.
domingo, outubro 01, 2006
Cocoa bean politics
Que existem chocolates "de esquerda" e chocolates "de direita", parece-me relativamente incontroverso. Mas eu não sou um ideólogo. Nunca tendo cedido aos satânicos encantos das barras vintage da marca Valrhona (um chocolate de direita, se é que há um), e orgulhosamente invulnerável à corrupta tentação da marca Nestlé (cujo próprio cacau está mais à esquerda que a Rosa Luxemburgo), mantive uma duradoura fidelidade ao singelo (se, admito-o, algo conservador) centrismo das barras Dairy Milk da Cadbury.
(Isto se não contarmos com um brevíssimo devaneio na minha radical adolescência, que me conduziu ao consumo de sete rectângulos de Grand Couva - não me peçam para elaborar).
Mas até as mais moderadas tendências estão sujeitas a flutuações. E eu quero declarar aqui que sofri, nas últimas 48 horas, uma conversão. E que é grande a probabilidade de nunca mais vir a tocar numa tablete que não traga o selo inconfundível da Lindt & Sprüngli, edição deluxe.
... Pois se é a própria Natureza que te alerta?
Interrogo-me, no instante seguinte, sobre a possibilidade de os meus próprios bocejos frequentes serem um mecanismo cerebral, informando-me que já tenho idade suficiente para deixar de fingir que gosto de programas sobre a vida animal.